A próxima eleição – biofilia versus necrofilia

Imagem: David Peinado
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LEONARDO BOFF*

Caso Jair Bolsonaro for reeleito, irá implementar um projeto sob o domínio da necrofilia, da promoção da morte e seus derivados como o ódio e a mentira

Na missa de páscoa canta-se um dos mais belos hinos do gregoriano no qual se diz: “a morte e a vida entreolhando-se travaram um duelo” (mors et vita duello conflixere mirando). E se conclui: “o senhor da vida, reina vivo” (dux vitae, regnat vivus).

Refiro este texto litúrgico como metáfora do que vejo se realizar nas próximas eleições: um plebiscito no qual se trava efetivamente um duelo político entre dois projetos de Brasil e dois modelos de presidente. Um projeto tem como representante e promotor um presidente que claramente se aliou ao domínio da morte. Não quero eu dizê-lo, mas o afirma umas das inteligências jurídicas mais brilhantes de nosso país, ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-ministro da justiça, Tarso Genro:

“Para Jair Bolsonaro não há adversários, só há inimigos a serem abatidos pelas armas. Como um político que defende o justiçamento de suspeitos, o fuzilamento de “30 mil compatriotas”, o assassinato de um presidente pacífico e democrático, a tortura como método inquisitório, o fim a democracia política, que sustenta que o erro da ditadura não foi torturar, mas foi “não matar”, que explicita publicamente a sua admiração a Hitler e debocha da tortura sofrida por uma mulher digna – que estava sendo retirada da Presidência –, como este político foi covardemente naturalizado pelo “establishment” neoliberal e pelas grandes cadeias de comunicação, depois de ter cometido e repetido muitos crimes bárbaros e ainda ter feito uma consciente propaganda genocida contra a vacinação?”

Aqui fica claro um projeto de morte que, caso Jair Bolsonaro for reeleito, irá implementá-lo. É o domino da necrofilia, a promoção da morte e seus derivados como o ódio e a mentira.

No outro lado do duelo, há outro representante, Luis Inácio Lula da Silva. Não quero ser maniqueísta que só considera o bem de um lado e o mal do outro. Bem e mal se misturam. Mas há de se reconhecer que em Lula bem ganha mais expressão. Apresenta um projeto cuja centralidade reside na vida a começar pelos que menos vida têm: os trinta milhões de famintos, os 110 milhões com insuficiência alimentar, os milhões de desempregados ou sub-empregados, os trabalhadores e os aposentados que viram diminuírem seus direitos com o salário mínimo congelado.

Para resumir, o primeiro a se fazer é garantir os mínimos: comida, saúde, trabalho, educação, casa, terra para produzir alimentos para o povo, segurança e oportunidade para aqueles que historicamente são os descendentes da senzala (54% da população) poderem entrar no ensino superior, universitário ou técnico. Governar é cuidar de todos, mas sempre a partir dos humilhados e ofendidos. A inspiração vem de Gandhi que dizia: fazer política é ter um gesto amoroso para com o povo e cuidar das coisas comuns. Ou nas palavras do Papa Francisco em sua Fratelli tutti: a política tem que ser feita com ternura “que é o amor se faz próximo e concreto, um movimento que procede do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos” (n. 196). É o reino da biofilia, do amor à vida.

Estes dois projetos, como num duelo, estão se enfrentando nesta eleição. Cabe aos cidadãos fazerem seu discernimento: finalmente que país nós queremos? Que presidente é mais portador de vida, de meios de vida, de esperança e de gosto de viver? Não somos pedras que apenas existem. Não queremos só existir, queremos viver e conviver em paz uns com os outros.

O que experimentamos no governo do atual presidente foi o decrescimento em nossa humanidade, o abandono de milhares entregues à virulência do Covid-19 e que morreram quando poderiam ter sido salvos se não fosse o tenaz negacionismo oficial.

O que mais nos dói e envergonha é a falta de compostura da mais alta autoridade da nação que deveria viver as virtudes que gostaria ver realizadas no povo como a solidariedade, o cuidado de uns para com os outros e com a nossas riquezas naturais e a promoção de nossa ciência e cultura, por ele agredidas de forma vexaminosa. Ao contrário, predominou a difusão do ódio, das fake news, a boçalidade, a linguagem de baixo calão e todo tipo de discriminação para com os afrodescendentes, os indígenas, os quilombolas, as mulheres, os pobres e os LGBT+ entre outros.

Só poderemos superar este flagelo político-social e necrófilo se, no duelo, optarmos pelo projeto da biofilia. Aqui me valho ainda do ex-governador Tarso Genro: “Há de se fazer, uma semana antes do pleito, um grande acordo político de governança e governabilidade, derrotando Jair Bolsonaro no primeiro turno, unida em torno do nome mais forte para vencer e conduzir a nação ao destino democrático e social que o nosso povo merece”.

Esse nome está emergindo como o preferido dos eleitores, Lula da Silva. É um sobrevivente da grande tribulação nacional, mostrou que foi capaz de humanizar a política, tirando o Brasil do mapa da fome e criar políticas sociais e populares que criaram oportunidades para os excluídos, para muitos outros e principalmente devolveram dignidade aos empobrecidos.

O destino de nossa nação está em nossas mãos. Depende da opção por aquilo que tire o Brasil do fosso no qual o lançaram e nos permita diminuir a nefasta desigualdade social e, por fim, nos conceda a alegre celebração da vida. A próxima eleição-duelo em 2 de outubro significará o grande teste: que Brasil e que presidente, de fato, nós queremos. Oxalá triunfe o projeto da biofilia, do amor à vida, especialmente aquela sofrida das grandes maiorias.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência (Vozes).

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Luiz Marques Kátia Gerab Baggio Manuel Domingos Neto Maria Rita Kehl Caio Bugiato Flávio Aguiar Leda Maria Paulani Gilberto Maringoni Priscila Figueiredo Milton Pinheiro Antonino Infranca Jean Marc Von Der Weid João Paulo Ayub Fonseca Ronald Rocha Francisco Pereira de Farias Mariarosaria Fabris Chico Alencar José Luís Fiori Paulo Martins Henry Burnett Tales Ab'Sáber Anselm Jappe Andrew Korybko Luiz Roberto Alves Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Marcus Ianoni Elias Jabbour Samuel Kilsztajn José Micaelson Lacerda Morais Ricardo Fabbrini Luiz Bernardo Pericás Vinício Carrilho Martinez Ronald León Núñez José Costa Júnior André Singer Renato Dagnino Matheus Silveira de Souza Antonio Martins Eleonora Albano Antônio Sales Rios Neto João Carlos Loebens Luiz Renato Martins Bernardo Ricupero Henri Acselrad Benicio Viero Schmidt Yuri Martins-Fontes Dênis de Moraes Andrés del Río Plínio de Arruda Sampaio Jr. Claudio Katz Carlos Tautz Gerson Almeida Eugênio Bucci Michel Goulart da Silva Marjorie C. Marona José Dirceu José Raimundo Trindade Thomas Piketty José Machado Moita Neto João Lanari Bo João Carlos Salles Paulo Capel Narvai Daniel Afonso da Silva José Geraldo Couto Lorenzo Vitral Ricardo Musse Daniel Brazil Airton Paschoa Bruno Fabricio Alcebino da Silva Valerio Arcary Francisco Fernandes Ladeira Tarso Genro Armando Boito Ricardo Abramovay Luiz Werneck Vianna Chico Whitaker Paulo Sérgio Pinheiro Marcos Silva Ricardo Antunes Heraldo Campos Denilson Cordeiro Marcelo Guimarães Lima Flávio R. Kothe Liszt Vieira Leonardo Avritzer Alexandre Aragão de Albuquerque Vladimir Safatle Gilberto Lopes Leonardo Sacramento Salem Nasser Rodrigo de Faria Paulo Nogueira Batista Jr Celso Frederico Marcelo Módolo Luis Felipe Miguel Michael Roberts Leonardo Boff Jorge Luiz Souto Maior Fernão Pessoa Ramos Luiz Eduardo Soares Eugênio Trivinho João Sette Whitaker Ferreira Gabriel Cohn André Márcio Neves Soares Marilena Chauí Otaviano Helene Carla Teixeira Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Fernandes Silveira Jean Pierre Chauvin Eliziário Andrade Everaldo de Oliveira Andrade Érico Andrade Julian Rodrigues Ladislau Dowbor João Feres Júnior Daniel Costa Eleutério F. S. Prado Vanderlei Tenório Remy José Fontana Alexandre de Freitas Barbosa Fernando Nogueira da Costa Rubens Pinto Lyra Alysson Leandro Mascaro Walnice Nogueira Galvão Igor Felippe Santos Berenice Bento Sergio Amadeu da Silveira Alexandre Juliete Rosa Tadeu Valadares João Adolfo Hansen Luciano Nascimento Marcos Aurélio da Silva Fábio Konder Comparato Celso Favaretto Bruno Machado Bento Prado Jr. Dennis Oliveira Manchetômetro Luís Fernando Vitagliano Ari Marcelo Solon Afrânio Catani Juarez Guimarães Atilio A. Boron Slavoj Žižek Alexandre de Lima Castro Tranjan Osvaldo Coggiola Rafael R. Ioris Eduardo Borges Jorge Branco Sandra Bitencourt Annateresa Fabris Francisco de Oliveira Barros Júnior Mário Maestri Boaventura de Sousa Santos Lucas Fiaschetti Estevez Marilia Pacheco Fiorillo Michael Löwy Ronaldo Tadeu de Souza Lincoln Secco

NOVAS PUBLICAÇÕES