Por MARCELO GUIMARÃES LIMA*
A comunicação oligopolizada no Brasil foi sempre instrumento dos golpes e ditaduras, garantia da vigência e poder de influência dos interesses anti-povo e anti-nação no debate público
Devido à chamada globalização, é muito importante hoje em dia a comunicação na língua do Uncle Sam (Tio Sam). Baseando-me na escola carioca de tradução, cujo patrono é Millor Fernandes, saudoso autor de The Cow Went to the Swamp and other very instructive tales (A vaca foi pro brejo e outros contos muito educativos), vou fazer de tudo para que este comunicado faça justiça ao título e seja, de fato, clear like mountain water (claro como água da nascente na montanha), e instrutivo to whom it may concern (aos eventuais interessados), principalmente neste momento de negociações entre o partido do líder popular eleito, Lula, e os oportunistas de vários matizes da centenária, melhor dizendo, a jurássica (Jurassic) direita brasileira.
A questão premente é a entrega do Ministério das comunicações ao partido do Sr. Sérgio Moro. Seguramente os brilhantes estrategistas do núcleo dirigente do PT devem ter alguma carta na manga para tão surpreendente proposta e negociação e revelarão sua brilhante estratégia ao mesmo tempo, defensiva e ofensiva, digna de um Clausewitz caboclo, no devido tempo e no lugar propício.
Só pode ser isso, penso eu, descartada a falta de inteligência, a prudência excessiva que abre as portas e convida o adversário ao ataque, o ceticismo a priori (precedendo os fatos), a falta de experiência ou, digamos assim, a timidez excessiva, triste apanágio dos indecisos e dos que por princípio duvidam sempre das próprias forças. Estes, sem dúvida, podem caridosamente merecer alguma compreensão e talvez solidariedade, mas nunca servir de modelo para coisa alguma.
Mas enquanto aguardamos o combate efetivo contra a dobradinha golpista direita-ultradireita, que foi o alvo dos nossos (eu e a galera, eu modestamente, é claro) esforços na resistência e na eleição de Lula, seria preciso lembrar aos implicados na iniciativa algumas questões interessantes: nunca na história deste país, a direita (anti) nacional, digníssima representante da Brazilian dominant class (classe dominante do Brazil), fez qualquer concessão duradoura às forças populares.
Basta lembrar a sucessão de golpes na história moderna do país: golpe contra Getúlio, golpe contra Jango e Ditadura Militar, golpe contra Dilma, prisão de Lula e eleição administrada de Jair Bolsonaro. Em todos estes episódios, sempre com a cumplicidade implícita e explícita de conhecida potência estrangeira, o avanço mesmo tímido de uma agenda popular na política e na economia foi o mote para a reação violenta dos donos da nação (owners of the country). Em todos estes episódios os movimentos subversivos iniciais partiram de políticos da direita (right-wing politicians) e seus meios de comunicação associados: Carlos Lacerda contra Getúlio e contra Jango, Aécio Neves contra a eleição de Dilma, entre outros.
Se os fatos dizem algo de certeiro, é possível concluir com alguma segurança que os partidos da direita (anti) brasileira são associações de salteadores profissionais ou semi-profissionalizados, bancadas para negociatas das mais diversas formas. Isso foi escancarado, para quem ainda tinha dúvidas sobre o tema, por Jair Bolsonaro e seus ministros na saúde, na educação, na crise da pandemia, nas privatizações, etc., etc. Nunca o modus operandi (do latim: modo de fazer as coisas) da direita na política brasileira foi tão escandalosamente explícito como no desgoverno do Palhaço Golpista. E as chamadas “instituições do Estado nacional” judiciário, polícias, parlamento não impediram os desmandos e os ataques aos cofres públicos.
A autoglorificada “grande imprensa” brasileira passou pano até que o descontrole e as alucinações fascistas se voltaram conta a Rede Globo (Globo Network), o comando oficial e oficioso da desinformação programada no Brasil. Devido à natureza oligopolista do negócio das comunicações, arrivistas como o Capitão do Caos e seus associados fatalmente teriam que ser eliminados, cedo ou tarde. E estão sendo, pois a data de validade (leia-se: utilidade) do bolsonarismo para os donos do país já se esgotou.
Tudo isso é amplamente conhecido e difícil de contestar. Assim, alguns dirão que até aqui este autointitulado claro comunicado (na verdade, uma digressão ad libitum, ao vagar das ideias) está chovendo no molhado. Mas é justamente no molhado que a gente pode escorregar, e é preciso insistir que o tempo é instável até que alguém traga um ou mais umbrellas (guarda-chuvas) para aliviar a nossa situação.
Para as forças populares. a política no Brasil é sempre terra non firma (do latim: terreno nada firme). Para o contínuo direita-ultradireita é business as usual (negócios como sempre). Tanto antes do golpe de 2016, durante os governos golpistas de Michel Temer e Jair Bolsonaro, e agora no que se poderia pensar como construção do pós-golpe, retomada (?) da democracia e designações semelhantes: business as usual (negócios acima de tudo) para os políticos conservadores. Uma espécie de convescote entre amigos e conhecidos para o qual não fomos convidados: eu, você, o povão e o povinho.
Nosso papel é assistir ao espetáculo e bater palmas ensaiadas de aprovação quando solicitados tal qual os chamados programas de auditório da televisão brasileira, verdadeiras metáforas ruidosas da nossa democracia pós-moderna. Lula é hoje o comandante de uma “frente ampla” que derrotou Jair Bolsonaro. É claro que nós, o povão e o povinho, respiramos aliviados. Mas é igualmente claro que na resistência e nas eleições o povão e o povinho tiveram papel fundamental para a derrota do campo fascista.
Eu não deixo de lembrar aquela anedota do bode colocado na sala de estar da família que vivia em conflito. Quando por fim retiraram o bode, a família respirou aliviada e reunida! Até quando, a anedota não diz. A volta ao status quo ante (do latim: estado anterior), quer dizer, antes do bode, mudaram de fato as relações familiares? Pergunta que claramente não é uma pergunta, mas, como dizem os falantes da língua inglesa, uma rhetorical question (“pergunta retórica” ou formal, quer dizer, com uma resposta já implícita, uma afirmação em forma de questão). A questão é: quem colocou o bode Bolsonaro na sala de estar?
Muita gente contribuiu para o golpe e o regime golpista de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Muitos que hoje fazem parte da “frente ampla” e pleiteiam partes da máquina estatal, cargos, etc. Também a Rede Globo (Globo Network) e a chamada grande imprensa em geral. Todos querem “sua” parte do dinheiro público. Tudo business as usual, ou seja, em tradução livre, a mamata (breast feeding, ou sucking milk for free) que lhes cabe por direito divino e tradição consagrada desde os tempos das capitanias hereditárias.
A comunicação oligopolizada no Brasil, país daquilo que designei num texto anterior de “golpismo estrutural”,[1] foi sempre instrumento fundamental dos golpes e ditaduras, garantia da vigência e poder de influência dos interesses anti-povo e anti-nação no debate público. E pelo visto, deve continuar sendo. Nossos democratas de ocasião, seus escribas e roteiristas já estão hoje brainstorming (bolando novas ideias e estratégias para) os golpes futuros. O mínimo que se poderia pedir é que não lhes facilitemos a tarefa.
*Marcelo Guimarães Lima é artista plástico, pesquisador, escritor e professor.
Nota
[1] https://aterraeredonda.com.br/como-dois-e-dois-sao-cinco/
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