Arrigo

LEDA CATUNDA, Janela com Babados, 1989, acrílica s/ couro sintético, madeira e plástico, 220x145cm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CAIO NAVARRO DE TOLEDO*

Comentário sobre o livro recém-publicado de Marcelo Ridenti

Obras literárias, musicais, teatrais e filmes que tematizam conjunturas históricas e políticas – em que as esquerdas estiveram atuantes – são conhecidas na produção cultural brasileira.

Arrigo, obra ficcional, recém-lançada por Boitempo Editorial, se distingue de todas as demais na medida em que aborda os confrontos ideológicos, as lutas sociais e políticas e a resistência democrática protagonizados por lideranças e movimentos políticos das esquerdas brasileiras ao longo do século XX e nas primeiras décadas do presente século. Como se evidenciam por algumas das situações vividas pela figura central do romance, estes combates, por vezes, têm, inclusive, uma dimensão internacionalista (guerra civil na Espanha, resistência antifascista na França e Revolução dos Cravos em Portugal). Arrigo não é um só; nas esquerdas em todo o mundo, milhares são os Arrigos.

Desde menino, quando iniciado pelo tio anarquista, Arrigo, de peito aberto e sem hesitações, enfrentou os desafios que a vida lhe apresentou, fossem políticos, fossem de ordem afetiva. A partir da juventude, tornou-se um incansável militante comunista de muitas batalhas políticas e de frequentes conquistas amorosas. No Brasil e no exterior, experimentou frequentes derrotas, frustrações e dissabores no plano político e dos afetos, mas nunca baixou a guarda ou ensarilhou as armas. Para ele, a luta de classes e os conflitos no plano dos afetos estavam sempre abertos e seriam incompletos. Nenhuma derrota ou frustração pessoal ou política será definitiva. Recomeçar será sempre possível.

O extenso e abrangente cenário histórico e político interno do romance são as revoltas tenentistas, a formação do Partido Comunista Brasileiro, a atuação da ANL, a Revolução de 1930, a luta pelas reformas de base nos anos 1960, o golpe de 1964, a ditadura militar e a luta armada; de forma breve, o romance expõe os dilemas e os impasses experimentados pelas esquerdas no período da redemocratização.

Pela amplitude dos temas pesquisados e qualidade literária, Arrigo, a meu ver, passa a se constituir em uma das mais relevantes obras ficcionais políticas brasileiras. Escrito por um competente analista e criterioso pesquisador sobre a produção intelectual das esquerdas brasileiras, este livro, doravante, se imporá como uma leitura imprescindível da literatura política no país.

Por meio de uma escrita clara e cultivada, narrativa fluente, linguagem irônica e criativa, a obra é instigante e envolvente ao tematizar, de forma consistente e acurada, os desafios, as contradições, as angústias, as esperanças e os dramas enfrentados por mulheres e homens que, no Brasil e outras partes do mundo, se rebelam e se revoltam diante das opressões, discriminações e desigualdades sociais impostas pela ordem burguesa.

Arrigo é um romance que não resvala para panfletarismos, doutrinarismos ou sectarismos prevalecentes em certa literatura política de cunho humanista ou moralizante. É crítico, mas, sobretudo, comprometido e solidário com as lutas de homens e mulheres que não se submetem à ordem. Homens e mulheres, contudo, nunca idealizados/as ou heroificados/as, pois seus projetos políticos estão sempre sujeitos a dúvidas, equívocos e incertezas.

Talvez as sequências finais do livro – os desalentadores e cruéis desfechos de vida de vários companheiros de jornada; as recorrentes metáforas de escombros e destruições; o enclausuramento do próprio narrador no apartamento assombrado de um edifício decadente e o silêncio angustiante e enigmático do velho guerreiro (“vivo” ou “morto”?) – seriam evidências, ao fim e ao cabo, de uma batalha irremediavelmente perdida…

Tais sentimentos de desalento, ceticismo e derrota, talvez, sejam suscitados ao leitor; mas, a meu ver, em seu conjunto, Arrigo não deixa de ser uma homenagem a mulheres e homens cujas vidas e ações se identificam plenamente com as palavras do combativo poeta comunista alemão: Quem luta, pode perder. Quem não luta, já perdeu”.

*Caio Navarro de Toledo é professor aposentado da Unicamp e membro do comitê editorial do site marxismo21. É autor, entre outros livros, de Iseb: Fábrica de ideologias(Ática).

Referência

Marcelo Ridenti. Arrigo. São Paulo, Boitempo, 2023, 256 págs (https://amzn.to/3QFmDee).


O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Heraldo Campos Eleutério F. S. Prado José Costa Júnior João Adolfo Hansen Andrew Korybko Lorenzo Vitral José Raimundo Trindade José Geraldo Couto Ari Marcelo Solon Ronald León Núñez Antonino Infranca Luis Felipe Miguel Eugênio Trivinho Marilia Pacheco Fiorillo Luiz Carlos Bresser-Pereira Thomas Piketty Paulo Capel Narvai Jorge Luiz Souto Maior Michael Roberts Lucas Fiaschetti Estevez Ricardo Antunes Liszt Vieira Milton Pinheiro Airton Paschoa Celso Frederico Luís Fernando Vitagliano Andrés del Río Chico Alencar Vanderlei Tenório João Carlos Loebens Francisco Fernandes Ladeira Juarez Guimarães Daniel Brazil Paulo Nogueira Batista Jr Luciano Nascimento Jean Marc Von Der Weid Ronald Rocha Ricardo Fabbrini José Dirceu Bento Prado Jr. Leda Maria Paulani Claudio Katz Yuri Martins-Fontes Eleonora Albano Paulo Martins Marcos Silva Fábio Konder Comparato Daniel Afonso da Silva Salem Nasser Tadeu Valadares Alexandre Aragão de Albuquerque Tarso Genro Afrânio Catani Mário Maestri Vladimir Safatle Rodrigo de Faria André Márcio Neves Soares Leonardo Sacramento João Feres Júnior Alexandre de Lima Castro Tranjan Eliziário Andrade Fernando Nogueira da Costa Luiz Marques Marcos Aurélio da Silva André Singer Bruno Fabricio Alcebino da Silva Luiz Werneck Vianna Marilena Chauí João Carlos Salles Francisco Pereira de Farias Jorge Branco Benicio Viero Schmidt Osvaldo Coggiola Rubens Pinto Lyra Elias Jabbour José Machado Moita Neto Tales Ab'Sáber Ladislau Dowbor Mariarosaria Fabris Bernardo Ricupero Sandra Bitencourt Kátia Gerab Baggio Celso Favaretto Luiz Bernardo Pericás Dennis Oliveira Caio Bugiato Marjorie C. Marona Flávio R. Kothe Eduardo Borges Ricardo Musse Otaviano Helene João Sette Whitaker Ferreira Marcelo Guimarães Lima Jean Pierre Chauvin Francisco de Oliveira Barros Júnior Lincoln Secco Slavoj Žižek Matheus Silveira de Souza Daniel Costa Everaldo de Oliveira Andrade Marcelo Módolo Dênis de Moraes Leonardo Avritzer Ronaldo Tadeu de Souza Alexandre de Freitas Barbosa Michael Löwy Samuel Kilsztajn Plínio de Arruda Sampaio Jr. Boaventura de Sousa Santos Antonio Martins José Luís Fiori Henry Burnett Paulo Fernandes Silveira Michel Goulart da Silva Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Carla Teixeira Érico Andrade Alysson Leandro Mascaro Maria Rita Kehl Gabriel Cohn Armando Boito Flávio Aguiar Antônio Sales Rios Neto Atilio A. Boron Henri Acselrad Renato Dagnino Manuel Domingos Neto Alexandre Juliete Rosa Vinício Carrilho Martinez Gerson Almeida João Lanari Bo João Paulo Ayub Fonseca Manchetômetro José Micaelson Lacerda Morais Julian Rodrigues Ricardo Abramovay Walnice Nogueira Galvão Igor Felippe Santos Luiz Eduardo Soares Anselm Jappe Chico Whitaker Valerio Arcary Berenice Bento Eugênio Bucci Bruno Machado Luiz Renato Martins Gilberto Lopes Fernão Pessoa Ramos Luiz Roberto Alves Sergio Amadeu da Silveira Priscila Figueiredo Carlos Tautz Annateresa Fabris Gilberto Maringoni Paulo Sérgio Pinheiro Leonardo Boff Remy José Fontana Denilson Cordeiro Marcus Ianoni Rafael R. Ioris

NOVAS PUBLICAÇÕES