A recuperação “surpreendente” da economia

Imagem: Lukas
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.*

O que explica o desempenho econômico do Brasil até aqui tão melhor do que o esperado pela maioria?

O desempenho econômico do Brasil tem sido visto como surpreendente. Não por todos, leitor ou leitora. Não por este economista que vos escreve, ou não inteiramente. Cheguei a avisar, mais de uma vez, que a recuperação da economia poderia nos surpreender.

A capacidade de previsão dos economistas é notoriamente muito baixa. Não tenho a pretensão de me excluir dessa regra geral. Mas o que se pode esperar de nós é, pelo menos, uma certa noção, ainda que vaga, da direção e do ritmo de crescimento da economia.

Nem isso, entretanto, conseguimos. Vejamos o que dizia a pesquisa semanal Focus do Banco Central – uma compilação das projeções dos economistas de cerca de 130 bancos, gestores de recursos, consultorias e outras instituições. No final de 2022, a pesquisa Focus apontava apenas 0,8% como projeção mediana para o crescimento do PIB em 2023. Ora, uma taxa de apenas 0,8% implica crescimento zero do PIB per capita, o que confirmaria o cenário de longa estagnação que vinha atravessando a economia do País.

No entanto, tanto no primeiro como no segundo trimestres de 2023, o PIB veio acima do esperado pelo mercado e por instituições internacionais como o FMI. Repare, leitor ou leitora, que basta o PIB permanecer estagnado na margem, até o final do ano, para que a taxa de crescimento de 2023 fique em torno de 3%, graças ao chamado carry over estatístico. O resultado não chega, claro, a ser espetacular, mas somado a um crescimento da mesma ordem em 2022, já recoloca a economia brasileira em trajetória de recuperação.

É verdade que a formação bruta de capital fixo e a taxa agregada de investimento ainda estão fracos, o que deixa dúvidas quanto à sustentabilidade do crescimento no médio prazo. Porém, isso é até certo ponto normal. Primeiro cresce o consumo, o que aumenta a utilização da capacidade instalada e, em seguida, crescem novos investimentos na ampliação do parque produtivo. Essa é a sequência habitual, apresentada aqui de forma ultra simplificada.

 Ajustando-se tardiamente às novas informações, a pesquisa Focus indica que os economistas de mercado estão prevendo agora crescimento um pouco maior, de 2,6% em 2023. Insistem, porém, em projetar apenas 1,3% para 2024. Talvez estejam subestimando de novo a trajetória do PIB. Ficam, em todo caso, protegidos pela máxima de Wall Street: “If you have to forecast, do it often” (Se tiver que fazer projeções, faça-as com frequência) A cada rodada da consulta semanal do Banco Central, os economistas do mercado vão corrigindo seus erros, contando com a memória curta do público, da mídia e do próprio mercado.

Causas da retomada da economia

O que explica esse resultado até aqui tão melhor do que o esperado pela maioria? Segue um pouco de engenharia de obra feita, caro leitor ou leitora.

Em retrospecto, parece clara a importância da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), negociada pelo presidente eleito e aprovada pelo Congresso em dezembro de 2022 – a chamada PEC de transição, alcunhada de “PEC da gastança” pela Folha de S. Paulo. O que ela fez foi abrir espaço no teto constitucional de gastos do governo de Michel Temer, ainda em vigor em 2023, para uma série de gastos urgentes. Urgentes ao mesmo tempo dos pontos de vista político (cumprimento de promessas de campanha), social (socorro às famílias mais pobres) e econômico (transferência de recursos para quem gasta rapidamente, colocando a economia em movimento). Por exemplo, a retomada da política de aumento gradual do salário mínimo em termos reais.

Outro exemplo: a ampliação, correção e aprimoramento do Bolsa Família, sob comando do ministro Wellington Dias. Ainda outro: o aumento da faixa de isenção do imposto de renda, beneficiando sobretudo pessoas de renda baixa ou média-baixa. Essas três medidas estimularam o consumo das famílias mais pobres. Para o investimento agregado, o crucial foi o princípio de retomada das obras públicas, a ser intensificada com o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Todos esses fatores são de natureza concreta: estimulam a demanda agregada diretamente e com isso a atividade econômica e o emprego. Mas há fatores adicionais, menos observáveis e mais objeto de conjecturas, plausíveis em menor ou maior medida. Um deles me parece crucial – a dinâmica da retomada depois de um período prolongado de dificuldades. É o caso do Brasil hoje. A economia passa, desde 2016, por um período de recessão/estagnação, acompanhada de grande instabilidade política e deterioração do quadro social.

Qualquer princípio de retomada, como em 2023, qualquer sinal, por mais modesto, de que o governo está se organizando minimamente já produz um impacto sobre a confiança dos investidores e consumidores, afetando positivamente a economia e iniciando (ou contribuindo para) um processo de recuperação que se auto reforça. A percepção de que essa dinâmica seria possível me levou a pensar que o crescimento da economia tenderia a ser mais acentuado do que se previa. A barreira, entretanto, é o elevado custo do crédito, decorrente da política de juros do Banco Central e dos elevados spreads bancários praticados no País.

Com a reação da economia, melhorou o mercado de trabalho, realimentando a recuperação. A taxa de desemprego caiu, tanto no conceito restrito como no conceito ampliado. A renda real dos trabalhadores aumentou um pouco, em consequência da redução do desemprego e do efeito favorável da queda da inflação, particularmente dos alimentos, que pesam mais na cesta básica. Apesar do endividamento das famílias, o consumo reagiu. Pode-se supor que a reação do consumo se deve, em parte, à demanda reprimida durante a pandemia. Mas este efeito deve ter ocorrido mais em 2022 do que em 2023.

O quadro geral é de sucesso, portanto, reivindicado compreensivelmente pelo governo Lula. Atenção, porém. Não vamos exagerar e nem creditar ao novo governo méritos indevidos. O crescimento do PIB ainda é modesto. E uma parte significativa dele reflete o desempenho do setor primário exportador (agropecuária e mineração), que responde a fatores climáticos e reflete o extraordinário progresso desse setor nas décadas recentes.

Perspectivas de curto e médio prazos

A recuperação pode durar? Ela dependerá, daqui para frente, mais do impulso ao investimento. Fundamental será a eficácia do novo PAC, o programa de investimentos recém-lançado pelo governo. A política monetária do Banco Central precisa atrapalhar menos. Um primeiro passo nessa direção foi dado na reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, já sob a influência, presumo, do novo diretor Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula. A redução dos juros permitiria reduzir o déficit total do setor público (via custo da dívida) sem sobrecarregar o governo com a tarefa de gerar superávits primários (isto é, nas contas exclusive juros).

Importante, também, que a busca da meta ambiciosa de déficit primário zero em 2024 seja alcançada, sem obstruir o novo PAC e, se for politicamente possível, com a tributação dos super-ricos, como pretende o ministro Fernando Haddad. A tributação dos bilionários é recomendável, não só por motivos de justiça social, mas também porque é uma forma de ajustar as contas públicas e de reduzir a renda disponível do setor privado sem desencadear efeitos adversos sobre a demanda agregada e o crescimento da economia.

Mantido um ritmo de crescimento na faixa, digamos, de 4% ao ano, o Brasil deixará para trás o tempo de estagnação e consolidará a sua posição de 8ª economia do mundo em termos de PIB por paridade de poder de compra, um pouco abaixo da Indonésia e acima do Reino Unido e da França.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa).
https://amzn.to/44KpUfp

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital, em 08 de setembro de 2023.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Luiz Werneck Vianna Luiz Bernardo Pericás Henri Acselrad Bruno Fabricio Alcebino da Silva José Raimundo Trindade Matheus Silveira de Souza Daniel Afonso da Silva Bruno Machado Mário Maestri Marcus Ianoni Leonardo Sacramento Berenice Bento José Machado Moita Neto Anselm Jappe Maria Rita Kehl Fernando Nogueira da Costa Bernardo Ricupero Leda Maria Paulani Tarso Genro Everaldo de Oliveira Andrade Alexandre de Freitas Barbosa Luiz Marques Luiz Roberto Alves Alysson Leandro Mascaro Denilson Cordeiro Luciano Nascimento Boaventura de Sousa Santos Rubens Pinto Lyra Eduardo Borges Anderson Alves Esteves Chico Alencar Otaviano Helene Luiz Carlos Bresser-Pereira Antonino Infranca Ladislau Dowbor Paulo Sérgio Pinheiro Marilia Pacheco Fiorillo Igor Felippe Santos Juarez Guimarães Marcelo Módolo Leonardo Avritzer Michael Löwy Lincoln Secco Jean Pierre Chauvin Vinício Carrilho Martinez Celso Frederico Eleutério F. S. Prado Manchetômetro Armando Boito Renato Dagnino Gilberto Maringoni Bento Prado Jr. Michael Roberts Julian Rodrigues Henry Burnett Annateresa Fabris Francisco Pereira de Farias Ronaldo Tadeu de Souza Antônio Sales Rios Neto Gerson Almeida Michel Goulart da Silva Daniel Costa Luiz Renato Martins Sandra Bitencourt Carlos Tautz João Carlos Salles Dennis Oliveira José Geraldo Couto Jorge Branco João Sette Whitaker Ferreira Paulo Nogueira Batista Jr Tales Ab'Sáber Alexandre de Lima Castro Tranjan Eugênio Bucci Osvaldo Coggiola Andrés del Río Chico Whitaker André Márcio Neves Soares Lucas Fiaschetti Estevez Manuel Domingos Neto Liszt Vieira Tadeu Valadares Ricardo Abramovay Eugênio Trivinho Slavoj Žižek Gilberto Lopes Ronald León Núñez Paulo Fernandes Silveira Andrew Korybko José Dirceu Paulo Capel Narvai Luis Felipe Miguel Claudio Katz Walnice Nogueira Galvão Jorge Luiz Souto Maior José Costa Júnior Salem Nasser Leonardo Boff Afrânio Catani Milton Pinheiro Benicio Viero Schmidt Thomas Piketty Ricardo Fabbrini Elias Jabbour Francisco de Oliveira Barros Júnior Daniel Brazil Plínio de Arruda Sampaio Jr. Érico Andrade Luís Fernando Vitagliano Luiz Eduardo Soares Airton Paschoa Ari Marcelo Solon Lorenzo Vitral Flávio R. Kothe Celso Favaretto Remy José Fontana André Singer Fábio Konder Comparato Alexandre Aragão de Albuquerque Mariarosaria Fabris Marcelo Guimarães Lima José Luís Fiori Marcos Aurélio da Silva Ricardo Musse João Adolfo Hansen Rodrigo de Faria João Feres Júnior Heraldo Campos Carla Teixeira Eliziário Andrade João Lanari Bo Fernão Pessoa Ramos Vladimir Safatle Priscila Figueiredo João Carlos Loebens Vanderlei Tenório João Paulo Ayub Fonseca Caio Bugiato Marilena Chauí Marcos Silva Antonio Martins Flávio Aguiar Gabriel Cohn Eleonora Albano Francisco Fernandes Ladeira Paulo Martins Rafael R. Ioris Dênis de Moraes José Micaelson Lacerda Morais Kátia Gerab Baggio Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Ronald Rocha Marjorie C. Marona Atilio A. Boron Valerio Arcary Yuri Martins-Fontes Jean Marc Von Der Weid Ricardo Antunes Samuel Kilsztajn Sergio Amadeu da Silveira

NOVAS PUBLICAÇÕES