Polônia, 1980-1989

Imagem: Andrés Sandoval / Jornal de Resenhas
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Por RONALD LEÓN NÚÑEZ*

A liderança conciliatória de Lech Walesa também foi responsável pela derrota: ela nunca avisou, preparou ou organizou politicamente a classe trabalhadora para resistir a um previsível golpe do exército ou a uma invasão da URSS.

Entre julho e agosto de 1980, uma onda de greves operárias sacudiu a antiga República Popular da Polônia, então sob a tutela da URSS. O estopim foi o anúncio pelo Partido Operário Unificado da Polônia (PZPR), no contexto de um regime de partido único, de um aumento significativo nos preços dos alimentos. Foi o início de um dos processos mais impressionantes de revolução política no Leste Europeu, quiçá aquele em que a classe operária organizada desempenhou o papel mais relevante.

A greve em Poznań e o “Degelo Polonês” de 1956 foram seguidos por grandes lutas operárias – as greves de 1970 e 1976, por sua vez precedidas de um forte movimento de intelectuais e estudantes em 1968. Todos esses processos foram duramente reprimidos.

Diante de um aumento de 38% nos preços dos produtos básicos, os trabalhadores da costa do Báltico, especificamente em Gdansk, Szczecin e Gdynia, organizaram uma greve entre 14 e 19 de dezembro de 1970, que se espalhou por 18 cidades, embora o epicentro fosse o Estaleiro Lênin, em Gdansk. Lá, surgiram dois dirigentes que entraram para a história: Anna Walentynowicz, uma operadora de guindaste de 41 anos, e Lech Walesa, um eletricista de 27 anos.

A repressão stalinista, com quase 25.000 soldados e 500 tanques, matou 40 operários e feriu mais de mil. Contudo, a força da greve estremeceu as altas esferas do partido governante. Na cúpula do regime, o todo-poderoso Gomulka foi substituído por Edward Gierek. Esse ponto de inflexão na política polonesa do pós-guerra marcaria a dinâmica subsequente do movimento operário.

Apesar da reação do governo, os grevistas de Gdansk conquistaram um aumento salarial de 25%. Semanas depois, as operárias da indústria têxtil de Lodz – 77% da força de trabalho local, que recebia 20% menos do que os homens – fizeram uma greve exigindo o mesmo aumento que seus colegas do estaleiro.

Temendo novas greves, o aumento de preços anunciado pelo governo em dezembro foi cancelado em 15 de fevereiro de 1971. A luta das operárias conseguiu estender o aumento salarial conquistado em Gdansk para todo o país. Sua contribuição tática provou ser duradoura e frutífera: elas não se expuseram diretamente às metralhadoras e tanques nas ruas, mas ocuparam as fábricas.[i]

Entretanto, a crise econômica internacional golpeava os antigos Estados operários, que sofriam uma dependência cada vez maior do capital internacional e do comércio com o mundo capitalista. Nesse contexto, a ditadura do PZPR voltou à carga em 1976, aumentando o preço da manteiga em 50%, o da carne em 69%, 100% no preço do açúcar etc. O racionamento dos produtos básicos foi intensificado. A resposta da classe trabalhadora não demorou.

Novas greves sacudiram o país. Em Radom, manifestantes furiosos invadiram a sede do partido único. A solidariedade da intelectualidade com os operários deu origem ao Comitê de Defesa dos Operários (KOR), uma ampla plataforma de oposição democrática, até certo ponto precursora do processo que eclodiria em 1980. A greve foi reprimida, embora tenha conseguido suspender os aumentos de preços.

De acordo com a política das potências ocidentais, o polonês Karol Wojtyla foi ungido papa católico em 1978. Ele visitou o país no ano seguinte. Durante uma missa em Varsóvia, João Paulo II pronunciou sua famosa frase “não tenham medo”, incentivando a oposição ao “comunismo” e, obviamente, postulando a Igreja Católica – a única instituição legal com relativa independência do regime, com muitos fiéis na Polônia – como uma liderança política alternativa em uma eventual transição para uma economia de mercado.

Uma crise econômica sem saída

No início da década de 1980, a produção industrial e agrícola da Polônia estava despencando. A Polônia tinha a maior dívida externa do mundo. Em 1979, ela chegava a 21 bilhões de dólares. Em 1982, o país devia US$ 28,5 bilhões a 500 bancos e quinze governos ocidentais. Moscou havia outorgado a Varsóvia mais de US$ 10 bilhões para pagar os juros, mas não conseguia manter esse fluxo.[ii] O imperialismo estava drenando os recursos do bloco soviético.

Em 1982, um especialista descreveu o círculo vicioso: “As importações de tecnologia avançada, por meio de empréstimos em moeda forte, devem continuar pela razão essencial de que é necessária para produzir bens exportáveis, a única maneira de obter as divisas necessárias para pagar as dívidas antigas”.[iii] Desde 1976, a dívida externa equivalia a 40% do valor das exportações para o Ocidente. O regime endividou-se para importar tecnologia ocidental com o intuito de modernizar sua indústria e, assim, exportar produtos competitivos, mas a balança comercial era sempre desfavorável,[iv] as contas nunca fechavam e a saída consistia em tomar mais empréstimos.[v] Polônia estava pressa ao ciclo de endividamento típico de qualquer país semicolonial.

Para piorar a situação, a gestão burocrática incompetente dificultou a absorção da tecnologia importada. Estima-se que, em 1980, o valor dos equipamentos não instalados ultrapassou US$ 6 bilhões. Em 1979, a economia caiu 2,3%. O pagamento da dívida comprometeu 92% das exportações para o Ocidente. Em 1986, a dívida da Polônia com os países capitalistas subiu para US$ 31,3 bilhões, duas vezes e meia o total de suas exportações anuais[vi]. No mesmo ano, a Polônia ingressou no FMI e no Banco Mundial. A Iugoslávia, a Romênia e a Hungria haviam feito o mesmo anteriormente.

O imperialismo, dominante na economia mundial, havia penetrado nas economias dos antigos Estados operários. A política de submissão ao imperialismo, que priorizava o pagamento da dívida externa em detrimento das necessidades do povo, impossibilitou o direcionamento de parte da produção destinada à exportação para o mercado interno, uma medida que poderia ter aliviado a escassez. A sabotagem da economia socializada, por parte da própria burocracia, atingiu proporções alarmantes. Na década de 1980, cerca de 80% das terras cultiváveis na Polônia estavam em mãos privadas.

Assim, a teoria-justificativa do “socialismo em um só país” e seu correlato político, a “coexistência pacífica” com o imperialismo, prepararam o terreno para a restauração do capitalismo no chamado “bloco socialista” pelos próprios partidos comunistas no poder. Nesse processo, a política das burocracias governantes em Moscou e Varsóvia baseou-se em transferir todo o ônus da crise para a classe operária e as massas populares. Somente o movimento operário, com uma liderança política à altura da tarefa, poderia ter revertido o curso restauracionista do Termidor Soviético. Esse é o pano de fundo das greves de 1980.

Agitação na costa do Báltico: o movimento operário entra em cena

A greve no estaleiro Lênin, em Gdansk, começou em 14 de agosto de 1980. Esse processo, uma continuação das greves de 1970, mudou irreversivelmente a situação política. A greve dos trabalhadores ferroviários em Lublin, um entroncamento ferroviário estratégico entre a URSS e a Alemanha Oriental, enfureceu Brejnev. Diante da força do movimento grevista, o então ministro da Defesa, Wojciech Jaruzelski,[vii] não aconselhou o uso do exército. No final de agosto, mais de 700.000 trabalhadores entrariam em greve em 700 locais de trabalho em todo o país. Surgiram comitês de greve em mais de 200 empresas.

O principal líder da greve do estaleiro de Gdansk foi Lech Walesa, que havia sido demitido em 1976. A outra líder de destaque foi Anna Walentynowicz. De fato, a demissão dela precipitou a greve. A solidariedade dos trabalhadores exigiu a reintegração de ambos, sem represálias.

Em 16 de agosto, foi formado um Comitê de Greve Interempresarial (MKS), com delegados de outros comitês de greve que chegaram ao estaleiro em Gdansk. Em poucos dias, havia mais de mil representantes dos operários. No estaleiro Lênin e em outras fábricas, por meio de microfones e alto-falantes, os debates das assembleias foram assistidos por multidões.

Um dia depois, o MKS formulou uma lista com 21 reivindicações, que não se limitavam às demandas econômicas, mas incluíam direitos políticos: legalização de sindicatos independentes, liberdade de expressão, direito de greve etc. Restituição dos operários demitidos, reintegração dos estudantes expulsos das universidades por suas ideias, libertação de todos os presos políticos, abolição dos privilégios da polícia e do aparato estatal. Em suma, os sindicatos livres deveriam ter voz ativa nas decisões políticas, especialmente nas que se referem “…aos princípios básicos de remuneração e à orientação da política salarial, particularmente no que diz respeito ao princípio de aumentos salariais automáticos de acordo com a inflação, o plano econômico de longo prazo, a orientação da política de investimento e as mudanças nos preços”.[viii]

De forma irreverente, as 21 reivindicações foram escritas em um grande quadro de madeira pendurado no portão do estaleiro, um símbolo da luta em escala nacional. A greve, com amplo apoio popular, forçou o regime a negociar. Em 31 de agosto de 1980, Walesa sentou-se com Mieczyslaw Jagielski, vice-primeiro-ministro da Polônia, para assinar o acordo de Gdansk e encerrar a greve. O evento foi transmitido ao vivo pela televisão em toda a Polônia.

A conquista mais importante foi a autorização para fundar um sindicato independente do controle do partido único. Os presos políticos seriam libertados. As demandas econômicas seriam atendidas gradualmente. Walesa, por sua vez, aceitou que o novo sindicato respeitasse a constituição e reconhecesse o “papel de liderança” do PZPR no Estado.

A figura de Lech Walesa tornou-se enorme. Em poucas semanas, o desconhecido eletricista transformou-se um ator político nacional que a burocracia não podia ignorar.

A magnitude da crise fez com que, em setembro de 1980, Edward Gierek perdesse o controle do partido para Stanislaw Kania. O movimento operário havia colocado a burocracia nas cordas.

O Solidariedade

Em 17 de setembro, foi realizado o congresso de fundação do sindicato Solidariedade (Solidarność, em polonês). No seu auge, organizou mais de 10 milhões de membros (cerca de 80% da força de trabalho da Polônia) em um país de 35 milhões de pessoas.

Nos primeiros 500 dias após o acordo de Gdansk, o Solidariedade agrupou seções dos movimentos estudantis, de agricultores e de artesãos. Ele não foi apenas o primeiro sindicato independente nos Estados satélites da antiga URSS, mas também, de longe, o maior do mundo.

Seu máximo órgão decisório foi a Convenção de delegados, que representavam 38 regiões e dois distritos. Lech Walesa foi eleito para a Comissão Nacional, o órgão executivo. Em novembro, o sindicato foi legalizado. Em setembro de 1981, o primeiro congresso do Solidariedade emitiu uma mensagem para “todos os trabalhadores dos Estados socialistas” e elegeu Lech Walesa como presidente.

O Solidariedade tornou-se um movimento com presença nacional. Greves eclodiram aqui e ali nos meses seguintes à sua fundação. A classe operária polonesa estava em seu melhor momento. As burocracias de Moscou e Varsóvia temiam que essa dinâmica contagiasse os demais países sob controle do stalinismo.

A contradição nesse processo de reorganização dos trabalhadores estava na natureza de sua direção política. Lech Walesa era um homem conservador e conciliador, que atendia aos interesses do aparato da Igreja Católica. Em poucos meses, o presidente do Solidariedade tornou-se uma celebridade no mundo capitalista. Em 15 de janeiro de 1981, ele se reuniu em Roma com João Paulo II, uma figura emblemática da luta anticomunista que ele admirava.[ix] O apoio dos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher a Walesa foi explícito. Em 1982, a revista Time declarou-o “homem do ano”. Um ano depois, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

O perfil político da liderança do Solidariedade combinava esse cunho católico com elementos do nacionalismo polonês e do liberalismo ocidental. Ele também pregava o preceito da não violência para seus membros. Walesa acreditava que a burocracia não deveria ser derrubada, mas reformada, e que o proletariado polonês não poderia cometer o erro de “exigir demais”.[x]

Mas, apesar da natureza traidora de seus líderes e da influência da liderança católica, o Solidariedade estabeleceu-se como o ponto de referência indiscutível da classe operária e uma expressão genuína das greves que desafiavam o regime stalinista na Polônia e no exterior.

Tanto que, entre 1980 e 1981, podemos falar de uma dualidade incipiente de poder entre o regime de partido único e a classe operária em movimento, expressa no Solidariedade, sua conquista organizacional mais significativa.

O golpe de Jaruzelski

O crescimento do Solidariedade, a colossal crise econômica e a constante pressão de Moscou para restaurar a ordem, levaram o regime polonês a reforçar sua política de repressão à mobilização operária. Com esse objetivo, em outubro de 1981, o Primeiro Secretário Kania foi substituído pelo general Jaruzelski, um verdadeiro cão de caça russo. Ele prometeu “colocar as coisas em ordem”, mas pediu ao Kremlin que interviesse em caso de fracasso.

De 4 a 12 de dezembro, o Exército Vermelho posicionou mais de 100.000 soldados na fronteira polonesa. Entretanto, uma invasão, como a da Hungria ou da Tchecoslováquia, não era a primeira opção de Moscou, pois estava atolado no Afeganistão. Assim, o trabalho sujo caberia ao próprio exército polonês.[xi]

Em 13 de dezembro de 1981, Jaruzelski decretou a lei marcial, consumando um golpe reacionário. Cerca de 1.750 tanques e 1.400 veículos blindados saíram às ruas. Lech Walesa e a liderança do Solidariedade, reunidos em Gdansk, foram presos. Estima-se que mais de 10.000 ativistas do Solidariedade foram presos, metade deles na noite do golpe.

O movimento operário respondeu com mais de cem greves e ocupações de fábricas e minas, mas todas foram derrotadas. Ninguém estava preparado para um confronto físico com o aparato militar. O estaleiro Lênin, em Gdansk, entrou em greve em 14 de dezembro, mas retomou o trabalho dois dias depois, quando a polícia matou um operário e feriu dois. Em 16 de dezembro de 1981, a polícia matou nove mineiros e feriu outros 22 durante a repressão à greve na mina Wujek, em Katowice. Anna Walentynowicz foi presa na sexta-feira, dia 18. O Solidariedade passou à clandestinidade.

Em 14 de dezembro, a greve começou na mina de carvão Piast, na Alta Silésia. Cerca de 2.000 mineiros resistiram por 14 dias a mais de 650 metros de profundidade.

Centenas de pessoas morreram. Milhares foram presos. O golpe foi consolidado. As chamadas democracias ocidentais fecharam os olhos. O governo cubano declarou que era necessário defender o regime polonês da “ação do inimigo imperialista” e que, nesse sentido, “considerando a alternativa, [o golpe] é a coisa menos grave que poderia acontecer”.[xii]

Um Conselho Militar de Salvação Nacional foi criado e controlou a Polônia até julho de 1983. Durante esse período, prevaleceu o estado de sítio. Reuniões, greves e todas as formas de protesto foram proibidas. A censura foi intensificada. Nesse clima de terror, o regime realizou uma série de ataques econômicos. Em 1º de fevereiro de 1982, os aumentos de preços foram em média de 257%, mas alguns produtos subiram até 400%[xiii]. Em 8 de outubro de 1982, o sindicato Solidariedade foi formalmente ilegalizado.

A liderança conciliatória de Lech Walesa também foi responsável pela derrota: ela nunca avisou, preparou ou organizou politicamente a classe trabalhadora para resistir a um previsível golpe do exército ou a uma invasão da URSS.

No entanto, o sindicato reorganizou-se e continuou a operar na clandestinidade, incentivando greves em minas, estaleiros e transportes entre 1981 e 1988. Por meio de uma estrutura e mídia ilegais, como a rádio Solidariedade, os ativistas puderam se informar e organizar a resistência. No início de 1983, a organização publicou mais de 500 jornais clandestinos chamados bibula. Houve muita pressão internacional para a libertação de Walesa. Em 14 de novembro de 1982, ele finalmente foi libertado da prisão depois de escrever para Jaruzelki dizendo que estava pronto para “marchar rumo a um acordo nacional” e enfatizando, como sinal de boa fé, que “do final de junho ao final de agosto, suspendemos todas as greves”[xiv].

Em 22 de julho de 1983, a ditadura polonesa considerou a situação mais estável e suspendeu a lei marcial. Muitos membros do Solidariedade foram libertados.

Transição para uma economia de mercado

Na segunda metade da década de 1980, a economia polonesa, bem como a de todo o bloco soviético, estava em péssimo estado. As greves de 1988 na Polônia mostraram à burocracia local que, sem uma solução para o problema do Solidariedade, a possibilidade de uma explosão social era real. Ao mesmo tempo, o aparato estatal estava envolvido em sérias disputas entre facções. Na URSS, a Perestroika e a Glasnost estavam em andamento como parte da decisão do PCUS de restaurar o capitalismo. Nesse contexto, o regime negociou com a direção do Solidariedade –sob a liderança da Igreja Católica, não podemos nos esquecer– uma transição para a democracia liberal.

Em 1989, a produtividade tinha despencado, a inflação ultrapassava 350% e a escassez era desesperadora. Décadas de acordos entre o stalinismo e o imperialismo haviam destruído as economias não capitalistas da URSS e da Europa Oriental.

Em fevereiro de 1989, começaram as negociações da chamada Mesa Redonda. Em abril, foi decidido restaurar a legalidade do Solidariedade, que não demorou em alcançar 1,5 milhão de membros; criar a segunda câmara do Parlamento; restaurar o cargo de Presidente da República da Polônia e convocar eleições gerais livres para 100 cadeiras no Senado e 35% das cadeiras no Sejm, a câmara baixa parlamentar. Nessas eleições, realizadas em 4 de junho de 1989, os candidatos apoiados pelo Solidariedade conquistaram 99 das 100 cadeiras do Senado e todas as cadeiras em disputa na câmara baixa.[xv]

Em 24 de agosto de 1989, o Sejm designou Tadeusz Mazowiecki, um dos fundadores do Solidariedade, como chefe do primeiro governo não stalinista da Polônia desde a Segunda Guerra Mundial. Isso criou um efeito dominó em toda a área de influência da URSS. Em 9 de novembro, os alemães orientais derrubaram o Muro de Berlim e as primeiras repúblicas soviéticas ou aquelas sob seu domínio declararam sua independência de Moscou.

Na Polônia, o próprio Jaruzelski liderou as negociações dirigidas a uma transição “pacífica” para um regime democrático liberal. O PZPR, sem prestígio, foi dissolvido em 1990. Em 9 de dezembro de 1990, Walesa triunfou nas eleições e tornou-se presidente da Polônia pelos cinco anos seguintes. A restauração do capitalismo prosseguiu de forma brutal, privatizando todas as propriedades socializadas restantes em tempo recorde, no que os neoliberais chamaram de “terapia de choque”.

O próspero movimento operário polonês de 1976-1989, embora heroico, não conseguiu consumar uma revolução política, isto é, derrubar o poder da burocracia e, ao mesmo tempo, preservar a base econômica não capitalista da sociedade por meio de um regime de democracia operária. Em parte, devido à dura repressão do regime, mas principalmente devido à traição da liderança contrarrevolucionária personificada na figura de Lech Walesa. O motivo da derrota e da cooptação do Solidariedade não pode ser reduzido ao golpe militar de 1981, posto que a política de Lech Walesa desarmou completamente a classe operária para esse enfrentamento.

Em outras palavras, não houve falta de iniciativa e disposição de luta por parte da classe operária polonesa, mas sim, a falta de um sujeito político revolucionário.

*Ronald León Núñez é doutor em história pela USP. Autor, entre outros livros, de A Guerra contra o Paraguai em debate (Sundermann).

Tradução: Marcos Margarido.

Publicado originalmente no jornal ABC [https://www.abc.com.py/edicion-impresa/suplementos/cultural/2022/06/26/solidaridad-y-la-revolucion-politica-polaca-1980-1989/ ]

Notas


[i] A tática da greve com ocupação de fábricas surgiu na Polônia em 1931. Quando se espalhou nos EUA durante a década de 1930, era frequentemente chamada de “greve polonesa”, em homenagem aos imigrantes poloneses que a difundiram.

[ii] Consulte: https://elpais.com/diario/1982/03/02/internacional/383871604_850215.html. Acesso em: 04/10/2023.

[iii] Idem

[iv] Entre 1971 e 1973, as importações cresceram 19,3% ao ano; as exportações, apenas 10,8%.

[v] Consulte: https://elpais.com/diario/1981/02/17/internacional/351212403_850215.html. Acesso em: 04/10/2023.

[vi] A dívida externa da Polônia e as formas de superá-la. Revista Comercio Exterior, vol. 37, No. 8, México, agosto de 1987, p. 682.

[vii] Jaruzelski era Ministro da Defesa desde 1968, quando uma invasão soviética esmagou a Primavera de Praga.

[viii] Consulte: https://elpais.com/diario/1981/02/17/internacional/351212403_850215.html. Acesso em: 03/10/2023.

[ix] Lech Walesa sobre o papel de João Paulo II, em uma entrevista de 2014: “Ele libertou-nos ao nos colocar em oração (…) Estou convencido de que seu pontificado foi decisivo para a derrota rápida e não violenta do comunismo. No que diz respeito à nossa experiência pessoal, ele foi um guia espiritual, qualquer um de seus ensinamentos significou muito para mim”. Consulte: https://elpais.com/elpais/2014/09/09/eps/1410281457_483334.html.

[x] TALPE, Jan. Los Estados obreros del Glacis. Discusión sobre el Este europeo. São Paulo, Lorca, 2019, p. 119.

[xi] A subordinação da liderança polonesa a Moscou era tão evidente que uma das ameaças para interromper as greves era uma possível invasão soviética. O próprio golpe de 1981 foi realizado em nome da prevenção a tal fato.

[xii] Consulte: https://elpais.com/diario/1982/02/12/internacional/382316416_850215.html. Acesso em: 03/10/2023.

[xiii] Consulte: https://elpais.com/diario/1982/03/02/internacional/383871604_850215.html. Acesso em: 04/10/2023.

[xiv] Talpe, op. cit., p. 121.

[xv] De acordo com os acordos da Mesa Redonda, somente o Partido Comunista e seus aliados poderiam ocupar as cadeiras restantes.

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