Algumas consequências da queda do muro de Berlim

Roy Lichtenstein, Little Big Painting, óleo, 1965
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

 

Por ZENIR CAMPOS REIS*

Apresentação do artigo por Cláudia de Arruda Campos.

“No poema O cacto, Manuel Bandeira nos fala de um cacto que, ao tombar, priva de confortos o entorno urbano que o constrange. E qualifica assim o personagem: ‘era belo, áspero, intratável’. Assim Zenir Campos Reis – com a beleza áspera e espinhenta de sua ironia – sacode acomodações do leitor. No texto ora republicado (como lembrança da data do seu falecimento) os espinhos se voltam para a incoerência conceitual e ideológica que acompanha a queda do muro de Berlim.”

 

Depois da queda

Depois da queda do muro de Berlim, todos os gatos são pardos.
Depois da queda muro de Berlim, a qualidade se converte em quantidade.
Depois da queda muro de Berlim, cachorro morto volta a rosnar.
Depois da queda muro de Berlim, cachorro que ladra também morde.
Depois da queda muro de Berlim, “sim” e “não” serão equivalentes e intercambiáveis, dependendo da correlação de forças.
Depois da queda muro de Berlim, a meteorologia passa à categoria de ciência social e as chamadas “ciências sociais” ao ramo das belas-artes.
Depois da queda muro de Berlim, fica abolida a rosa-dos-ventos.
Depois da queda muro de Berlim, o final harmônico da fábula “o lobo e o cordeiro”, será posto em destaque.
Depois da queda muro de Berlim, urge desregulamentar e flexibilizar a lei da gravidade.
Depois da queda muro de Berlim, as línguas e as gramáticas se servirão apenas dos pronomes indispensáveis às novas relações: eu e ele (o coiso) ou ela (a coisa).
Depois da queda do muro de Berlim, as crianças serão patrimônio da culinária de todos os povos e países.
Depois da queda muro de Berlim, “cesse tudo o que a antiga musa canta”.
Depois da queda muro de Berlim, comercializemos a Muralha da China.
Em tempo: a notícia da queda do muro de Berlim chegou a muitos lugares antes da notícia da queda da Bastilha.

 

*Zenir Campos Reis (1944-2019) foi crítico literário e professor de Literatura Brasileira na FFLCH-USP. Autor, entre outros livros, de Augusto dos Anjos: poesia e prosa (Ática).

Publicado originalmente na revista Praga no. 8.

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
Na escola ecomarxista
Por MICHAEL LÖWY: Considerações sobre três livros de Kohei Saito
O pagador de promessas
Por SOLENI BISCOUTO FRESSATO: Considerações sobre a peça teatral de Dias Gomes e o filme de Anselmo Duarte
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Os exercícios nucleares da França
Por ANDREW KORYBKO: Uma nova arquitetura da segurança europeia está se formando e molda sua configuração final o relacionamento entre a França e a Polônia
Novos e velhos poderes
Por TARSO GENRO: A subjetividade pública que infesta a Europa Oriental, os Estados Unidos e a Alemanha que, com maior ou menor intensidade afeta a América Latina, não é a causa do renascimento dos nazismos e dos fascismos
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES