Por JONAS TIAGO SILVEIRA*
Todos os que aplaudiam as privatizações de empresas públicas e que as sucatearam quando estatais, agora apontam o dedo e gritam “lobo” para esconder sua culpa
Na terça-feira, dia 16, novamente uma forte tempestade se abateu sobre Porto Alegre e diversas outras cidades de sua região metropolitana, no Rio Grande do Sul. O evento climático, apesar da pouca duração, causou estragos que resultaram em mais de 1,3 milhões de pessoas sem luz, prejudicando também o abastecimento de água e telefonia.
A força das águas e os eventos climáticos já são ameaças constantes no Rio Grande do Sul no último ano, reflexos de todo impacto do homem sobre o planeta, onde cada vez temos mais concreto e menos terra, onde cada vez gastamos mais recursos e poluímos mais para exportar animais e outros produtos para outros países. Não temos como começar a falar sobre a fúria da natureza sem afirmarmos que ela não é uma agressão e sim um contra-ataque ao nosso comportamento como sociedade.
Logo após a tempestade, um grande noticiário que acompanhava os estragos se somou a um brado do Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), em achar um único culpado para todo o sofrimento da população: A CEEE Equatorial, antiga CEEE, cuja unidade foi vendida pelo governador Eduardo Leite (PSDB) para o grupo Equatorial, em 2021, por apenas R$ 100 mil.
O prefeito, que em outros tempos comemorou a privatização da CEEE, se manifestou em suas redes sociais sobre a dificuldade em fazer contato com a Equatorial para tentar solucionar o problema de abastecimento. Mas será que este problema é apenas culpa da natureza e de uma empresa privada? Existem outras ações que compõem o rito dos governos privatistas que precisam ser levados em conta.
Sebastião Melo em 2021 manifestando apoio a Privatização da CEEE e em 2024 reclamando dos serviços.
Sucateamento
Uma das práticas favoritas daqueles que vendem o patrimônio público é criar insatisfação da população com o serviço em questão. Não é uma prática apenas do sul do Brasil, sabotar a máquina pública foi algo que aconteceu até mesmo com a própria Petrobrás nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Assim como assistimos refinarias ficarem 30% ociosas, aqui no sul, empresas públicas como CEEE e Corsan sofreram por muitas gestões o corte de investimentos. O próprio governador Eduardo Leite, antes da venda, foi um dos que cortou orçamento para reequipar a empresa.
Em 2020, a então presidente do Sindicato dos Eletricitários, Ana Maria Spadaria, denunciou em entrevista ao SENGE RS: “Há uma má gestão para justificar a venda. Eu diria que, desde o governo do Sartori até a continuidade do governo Leite, o que se fez com a CEEE foi um sucateamento intencional. Foi proposital levar a CEEE a essa situação. Se eu sou a diretora financeira da CEEE, indicação do governador, que é o acionista majoritário, não vou repassar o ICMS? Qual o motivo para não repassar? Se a gente conseguisse discutir isso com clareza com toda a população, o que os trabalhadores diriam é que o sucateamento da CEEE foi proposital para justificar uma venda que não se justifica”.
Povo privatizado
Seja nos casos da empresa de energia do Rio Grande do Sul, como da refinaria da Amazônia, o fato é um só: não são empresas públicas que estão sendo vendidas e sim todo um mercado, toda uma cartela de clientes que não tem uma segunda opção de serviços.
No caso da refinaria, o combustível pode vir de outra, mas com a distância não é viável, permitindo que quem compra possa ditar o preço no mercado local. Nas companhias de água e luz não é tão diferente, os clientes abastecidos não dispõem de concorrências e nem outras redes, dependendo apenas das agências reguladoras para garantir um bom preço ou um bom serviço, o que dificilmente acontece.
Então, o fato é que o governador não vendeu a CEEE, vendeu os gaúchos que precisam de abastecimento elétrico daqueles setores de fornecimento.
Lucro acima de todos
E o que uma empresa privada quer como objetivo final? Paz na terra? Igualdade entre todos os homens? Óbvio que nada além do lucro, uma empresa privada sem lucro simplesmente fecha suas portas. Isso não é nenhum crime, empresas são necessárias e precisam existir, precisam ganhar e gerar empregos, precisam abastecer mercados. O problema é quando uma empresa tem acesso único a algo essencial para nossa vida, como a telefonia, a eletricidade, a água, os combustíveis e os transportes.
Por exemplo, a privatização dos trens. Nas cidades em que a privatização ocorreu, aumentou a incidência de descarrilamentos pela falta de investimentos em manutenção preventiva, assim como o número de passageiros transportados caiu em alguns lugares, pois as novas empresas aumentaram os preços.
Em diversos locais do mundo, a reestatização das empresas públicas que foram vendidas é um alerta de um movimento que precisamos fazer no Brasil. Agora mesmo, em 2023, a França reestatizou a EDF, a maior geradora de energia elétrica do país. Segundo dados do portal UOL, em 2020, entre os anos de 2000 e 2017, 884 serviços foram reestatizados no mundo, sendo 83% deles de 2009 em diante. Entre as maiores reclamações dos clientes estavam os altos preços e a falta de investimentos.
Os gestores que gritam “lobo”
Então parece uma conta bem simples: se os serviços privatizados costumam investir menos e cobrar mais caro, por que alguns executivos ainda insistem em privatizar? Será que existe mais algum número que não enxergamos nesta conta que seja o fator de convencimento dos privatistas?
Porto Alegre e o Rio Grande do Sul enfrentam nestes dias mais uma grande crise de abastecimento após um evento climático. Todos aqueles que aplaudiam as privatizações de empresas públicas e que as sucatearam quando estatais, agora apontam o dedo e gritam “lobo” para esconder sua culpa.
*Jonas Tiago Silveira é jornalista, músico e escritor.
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