Julian Assange ameaçado

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*

Quando eram mais necessários, os ativistas dos direitos humanos não fugiram ao desafio que a história lhes lançou. E agora é Julian Assange quem corre risco iminente

Nessa semana a Suprema Corte de Londres julga o último de uma série de recursos dos advogados de Julian Assange referentes ao pedido dos Estados Unidos de sua extradição para aquele país.

A Grã-Bretanha, onde ele se encontra detido, mais uma vez mostra como é servil aos Estados Unidos. Tem cedido a todo tipo de futrica jurídica para prejudicar o réu. E agora o ameaça com extradição para aquele país, onde o aguarda uma acusação sob a égide da Lei da Espionagem, tendo no horizonte uma somatória de penas de mais de 100 anos.

E o que ele fez de tão grave, para estar nessa situação, há tantos anos asilado na embaixada do Equador? Apenas fundou o Wikileaks, o maior fórum de denúncias contra os crimes dos Estados e das agências de segurança. Como aqui no Brasil fomos vítimas do terror da ditadura, deveríamos ser sensíveis à defesa das liberdades democráticas. E a informação é uma delas. Não fosse o Wikileaks, nunca teria havido a Vaza Jato, que desmoralizou as falcatruas da Lava Jato.

Uma robusta tradição de desobediência civil norteamericana consiste no vazamento de informações confidenciais (e ilegais) que o Estado moderno armazena para usar contra seus cidadãos. O fito é enganá-los, manipulá-los, forçá-los a fazer o que os prejudica, levá-los ao suicídio se necessário. O australiano Julian Assange tem dignos precursores em seu país de adoção.

Como os Estados Unidos são a mais poderosa nação do planeta, nada mais natural que seja lá que faça sentido operar tais vazamentos. Um dos casos mais notórios é o de Daniel Ellsberg, cujas credenciais são impecáveis: economista por Harvard e marine com estágio no Vietnã. Foi ele o pivô do grave incidente que ficou conhecido como “Os papeis do Pentágono”. Este analista militar da Rand Corporation fez um trabalho no Pentágono em 1971, durante a Guerra do Vietnã, e começou a ficar, primeiro espantado e depois indignado com a discrepância entre o que o governo dizia e as estatísticas que lhe vinham às mãos. Enquanto o governo afirmava desacelerar o esforço bélico para concluir a guerra apesar das vitórias, os dados mostravam que, ao contrário, empenhava-se numa escalada, investindo recursos cada vez maiores para camuflar as derrotas. Em vez de pôr fim ao conflito, portanto, preparava-se uma hecatombe crescente.

Daniel Ellsberg copiou clandestinamente sete mil documentos, procurou contato com um dos jornais mais importantes e mais sérios do país, o The New York Times, e começou a contar a história. Antes, assediou parlamentares que eram notoriamente contra a guerra, como o senador Fullbright, mas foi repelido. .

O New York Times começou a publicar os documentos em série. O governo sustou a publicação. O jornal apelou para a Suprema Corte, que lhe deu ganho de causa.

Descoberto, Daniel Ellsberg foi acusado de traição sob o Ato de Espionagem e julgado como réu de uma pena de 115 anos. Mas, à medida que o julgamento prosseguia, os desmandos do governo, com provas sujas obtidas inclusive por escuta ilegal do FBI, foram surgindo. E ele acabou por ser absolvido, para alegria de seus fãs no mundo inteiro, a essa altura constituindo uma torcida atenta à justiça do processo.

Assim como Julian Assange e também Edward Snowden estão ligados aos vazamentos que mostram como os órgãos de segurança norteamericanos espionam os cidadãos, Daniel Ellsberg tornou-se conhecido como aquele que revelou os papéis secretos do Pentágono, precipitando o fim da Guerra do Vietnã.

Os três são representantes de uma corrente subterrânea libertária que flui quase invisível sob a carapaça de uma dúbia democracia.

A linhagem da desobediência civil é extraordinária e merece respeito, vindo desde a Underground Railroad que contrabandeava escravos para a liberdade, num total estimado de 100 mil que assim foram salvos. A forca aguardava esses beneméritos cidadãos, quando descobertos. Foi o caso de John Brown e seu grupo na Virginia, todos enforcados após processo, apesar dos protestos vindos do mundo inteiro. Até Victor Hugo mandou uma carta ao presidente, pedindo clemência. Em vão.

Quando eram mais necessários, os ativistas dos direitos humanos não fugiram ao desafio que a história lhes lançou. E agora é Julian Assange quem corre risco iminente.

*Walnice Nogueira Galvão é professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Sesc\Ouro sobre Azul). [amzn.to/3ZboOZj]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Otaviano Helene Airton Paschoa Alexandre de Lima Castro Tranjan Mário Maestri Sandra Bitencourt Ronaldo Tadeu de Souza Eliziário Andrade José Geraldo Couto Igor Felippe Santos Jean Marc Von Der Weid João Sette Whitaker Ferreira Michel Goulart da Silva Vladimir Safatle Henri Acselrad Slavoj Žižek Daniel Afonso da Silva Sergio Amadeu da Silveira Rodrigo de Faria Lucas Fiaschetti Estevez Francisco Fernandes Ladeira José Luís Fiori Eleonora Albano Luís Fernando Vitagliano José Raimundo Trindade Dennis Oliveira João Adolfo Hansen Tarso Genro Samuel Kilsztajn Luiz Carlos Bresser-Pereira Armando Boito Marilena Chauí Eugênio Trivinho Valerio Arcary Manuel Domingos Neto Milton Pinheiro Gilberto Lopes Rubens Pinto Lyra Celso Favaretto Lorenzo Vitral Marcelo Módolo Bruno Machado Andrés del Río Ronald Rocha Michael Roberts Priscila Figueiredo Vinício Carrilho Martinez Mariarosaria Fabris Maria Rita Kehl Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Marilia Pacheco Fiorillo Marcus Ianoni José Machado Moita Neto Luiz Werneck Vianna Paulo Nogueira Batista Jr Celso Frederico Manchetômetro Chico Alencar Carlos Tautz Yuri Martins-Fontes Gilberto Maringoni Matheus Silveira de Souza Antonino Infranca André Singer João Feres Júnior Luiz Renato Martins Luiz Marques Leonardo Sacramento Andrew Korybko Marcos Silva Thomas Piketty Caio Bugiato Flávio R. Kothe Tadeu Valadares Marjorie C. Marona Tales Ab'Sáber Francisco Pereira de Farias Ari Marcelo Solon Alysson Leandro Mascaro Bruno Fabricio Alcebino da Silva Jorge Luiz Souto Maior Annateresa Fabris Gabriel Cohn Ronald León Núñez Henry Burnett Ricardo Antunes Fábio Konder Comparato Elias Jabbour Luis Felipe Miguel Heraldo Campos Marcelo Guimarães Lima Dênis de Moraes Luiz Eduardo Soares André Márcio Neves Soares José Dirceu Eleutério F. S. Prado Valerio Arcary Paulo Sérgio Pinheiro Renato Dagnino Eduardo Borges Lincoln Secco Francisco de Oliveira Barros Júnior Osvaldo Coggiola Paulo Martins Walnice Nogueira Galvão Rafael R. Ioris Leonardo Avritzer Jean Pierre Chauvin Kátia Gerab Baggio Remy José Fontana Denilson Cordeiro Flávio Aguiar Juarez Guimarães Leonardo Boff Salem Nasser José Micaelson Lacerda Morais Jorge Branco Marcos Aurélio da Silva Ladislau Dowbor Ricardo Abramovay Claudio Katz Antonio Martins Antônio Sales Rios Neto Everaldo de Oliveira Andrade Gerson Almeida Ricardo Musse João Paulo Ayub Fonseca Fernando Nogueira da Costa Chico Whitaker João Carlos Salles Michael Löwy Atilio A. Boron Érico Andrade Vanderlei Tenório João Carlos Loebens Anselm Jappe Benicio Viero Schmidt Carla Teixeira Leda Maria Paulani Bernardo Ricupero Afrânio Catani Luciano Nascimento Daniel Brazil José Costa Júnior Liszt Vieira Paulo Capel Narvai Plínio de Arruda Sampaio Jr. Berenice Bento Paulo Fernandes Silveira Eugênio Bucci Julian Rodrigues Luiz Bernardo Pericás Ricardo Fabbrini Daniel Costa Bento Prado Jr. Alexandre de Freitas Barbosa Boaventura de Sousa Santos João Lanari Bo Fernão Pessoa Ramos Luiz Roberto Alves Alexandre Aragão de Albuquerque

NOVAS PUBLICAÇÕES