O plano Biden

Imagem de autor desconhecido, sob domínio público
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por SERGE HALIMI*

Biden avança em relação as políticas adotadas por Obama, e um dos elementos mais promissores do plano Biden é a sua universalidade

Três dias antes de Trump mudar-se para a Casa Branca, o presidente chinês Xi Jinping viajou a Davos, onde advertiu os Estados Unidos contra o protecionismo. Hoje, é a política de relançamento impulsionada por Joseph Biden que deixa os dirigentes chineses alarmados. Eles veem nela um “risco sistêmico” à ordem econômica atual.

Os Estados Unidos, de todo modo, acabam de aprovar uma das leis mais progressistas de sua história. Ela abandona estratégias econômicas adotadas nas últimas décadas que favoreceram os rendimentos do capital – as “start-ups” e os rentistas – e agravaram o abandono das classes populares. Ela rompe com as políticas públicas assombradas pelo medo de um retorno da inflação e de uma explosão de endividamento. E ela não procura mais convencer os neoliberais e seus financiadores com reduções fiscais cujos resultados acabam desaguando na bolsa de valores, inflando a bolha financeira.

Com o seu plano emergencial de 1.9 trilhões de dólares (quase 10% da produção anual de riqueza do país), que deverá ser seguido por um programa de investimentos em infraestrutura, energia limpa e educação (3 trilhões de dólares em 10 anos), o ex-vice-presidente de Barack Obama parece ter enfim aprendido a lição de toda esta história e, também, do fracasso de seu antigo “patrão” que, sendo demasiado prudente e centrista, não quis aproveitar a oportunidade gerada pela crise financeira de 2007-2008 para impulsionar um novo New Deal. “Com uma economia mundial em queda livre”, justificou-se Obama, “minha tarefa prioritária não era reconstruir a ordem econômica, mas evitar um desastre suplementar”[i][ii]. Enquanto isso, obcecada com a dívida, a Europa infligia a si mesma uma década de desmonte orçamentário, fechando leitos hospitalares…

Um dos elementos mais promissores do plano Biden é sua universalidade. Mais de cem milhões de americanos com renda anual inferior a 75 000 dólares já receberam um novo cheque de 1400 dólares do Tesouro. Ora, já faz um quarto de século que a maioria dos Estados ocidentais condicionam suas políticas sociais a tetos de recursos cada vez mais baixos e a dispositivos de emprego punitivos e humilhantes[iii]. O resultado disso foi que aqueles que não recebem mais nada, apesar de sua necessidade, são encorajados a detestar as políticas públicas que eles mesmos financiam, mas que beneficiam outras pessoas. Então, atiçados pela mídia, terminam por acreditar que seu dinheiro acaba nas mãos de ladrões e parasitas.

A crise da Covid-19 deu fim a essa conversa. Não é mais possível responsabilizar os assalariados e os trabalhadores independentes por sua condição, uma vez que todo seu trabalho foi brutalmente interrompido. Em certos países, 60% daqueles que receberam algum auxílio associado à pandemia jamais haviam recebido qualquer outro[iv]. O Estado os socorreu sem atraso, “custando o que custar” e sem fazer qualquer triagem. Até o momento, poucos foram aqueles que reclamaram – para além do jornalismo financeiro e… da China popular.

*Serge Halimi é jornalista do jornal francês Le Monde diplomatique.

Tradução: Daniel Pavan

Publicado originalmente no jornal Le Monde diplomatique.

Notas


[i] Barack Obama, A Promised Land, Crown, New York, 2020.

[ii] Barack Obama, A Promised Land, Crown, New York, 2020.

[iii] Ver Anne Daguerre, « Emplois forcés pour les bénéficiaires de l’aide sociale », Le Monde diplomatique, junho de 2005.

[iv] Segundo o órgão de conselho Boston Consulting Group (BCG), citado por The Economist, Londres, 6 de março de 2021.

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES