Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Considerações sobre o livro de Ed Conway
O livro Material world: a substantial story of our past and future [Mundo material: uma história substancial do nosso passado e futuro] foi escrito por Ed Conway. O autor mora em Londres, é economista e jornalista. Ele é editor de Economia e Dados da Sky News e colunista regular do The Times e Sunday Times. Escreveu dois livros aclamados pela crítica e best-sellers: 50 economics ideas you really need to know e The summit: the biggest battle of the second world war – fought behind closed doors.
Seis matérias-primas – areia (usada para concreto), sal (para fertilizantes), ferro (e aço), cobre (para fios elétricos), petróleo e lítio – são o foco da pesquisa global de Ed Conway sobre as substâncias críticas por serem sustentáculos de todo o mundo. O livro, indicado para o prêmio Financial Times/Schroders Business Book of the Year, é uma celebração da engenhosidade humana e possibilita entender a geoeconomia com outra visão.
A realidade da exploração de recursos do século XXI é reduzir grandes quantidades de rocha a grânulos e processar quimicamente o restante. No caso de extração de ouro, além da destruição do meio-ambiente, um risco é o cianeto, chumbo e o mercúrio utilizados no método escaparem para o ecossistema circundante.
Mas a principal coisa a qual impressionou Ed Conway ao observar cada etapa desse processo destrutivo de montanha ou área enorme e pensar até onde se vai para garantir um pedacinho de metal brilhante pouco usado, seja como padrão monetário, seja como obturação de dente. Apenas é em joias e suposta reserva de valor.
Após essa experiência deprimente, ele se colocou perguntas. Se essa destruição do meio ambiente é necessário para extrair um metal sem o qual poderíamos viver, então o que é necessário para extrair os materiais realmente necessitados? Quais são os materiais dos quais realmente dependemos? Quais são os ingredientes físicos sem os quais a civilização realmente pararia e de onde eles realmente vêm?
A economia, a disciplina na qual Ed Conway esteve imerso durante a maior parte da sua vida profissional, parecia ter poucas respostas definitivas para este tipo de questões. O valor de algo é o que alguém está disposto a pagar por isso, diz a explicação convencional neoclássica. Se algo estiver em falta, as pessoas reduzirão, encontrarão um substituto adequado (se tal coisa existir) e seguirão em frente. Fim da história.
No entanto, essa história não parece estar de acordo com a realidade, porque estas coisas claramente importam. Apesar de tudo o dito a respeito de vivermos em um mundo cada vez mais desmaterializado, onde reside cada vez mais valor em itens intangíveis – aplicações financeiras, redes sociais e serviços online – o mundo físico continua a sustentar todo o resto.
Hoje, aproxima-se de ¾ do valor adicionado no mundo ocidental o atribuído ao setor dos serviços e uma fração cada vez menor é atribuída à energia, mineração, manufatura e agropecuária. Mas praticamente tudo, desde as redes sociais aos serviços financeiros, depende totalmente da sua infraestrutura física e da energia para o alimentar. Sem concreto, cobre e fibra ótica não haveria data centers, nem eletricidade, nem internet.
Este livro começou como a tentativa de Ed Conway responder a essas perguntas. É uma meditação não tanto sobre o valor de mercado das substâncias, mas sobre a nossa dependência sobre eles.
Considere algo tão simples como um grão de areia. Não existe nenhum elemento na crosta terrestre, exceto o oxigênio, mais comum diante do principal ingrediente da areia – o silício. Existem areias marinhas no fundo do mar, areias desérticas, areias deixadas por antigos oceanos tropicais de tal pureza a ponto de serem comercializadas em todo o mundo, inclusive em contrabandos.
Misture areia e pequenas pedras com cimento, adicione um pouco de água e terá concreto, o material fundamental das cidades modernas. Adicione-o ao cascalho e ao betume e terá o asfalto, do qual é feita a maioria das estradas senão feitas de concreto.
Sem o silício não seríamos capazes de fabricar os chips de computador. Derreta a areia a uma temperatura suficientemente alta com os aditivos certos e você fará vidro. O vidro é um dos grandes mistérios da ciência dos materiais: propicia fibra de vidro com múltiplas utilizações e, refinado em fios puros, torna-se a fibra ótica a partir da qual a Internet é tecida. Isto sem falar no Pyrex: estável, transparente e robusto, capaz de suportar uma ampla gama de temperaturas, inclusive no lar.
As crises na cadeia global de produção, comercialização e abastecimento, provocadas pela pandemia do Covid19, deixou a todos surpresos com o fato de haver escassez de semicondutores, de os carros precisarem de tantos deles e de a escassez de carros novos empurrar os preços dos carros usados para níveis recordes. Sem CO2 a indústria alimentar era incapaz não apenas de tornar as bebidas gasosas, mas também de conservar e armazenar alimentos!
Pouco entendemos sobre como os produtos de uso diário são realmente feitos. Dada toda essa complexidade, nenhum ser humano poderia realizar, ou mesmo dirigir, estes numerosos processos de produção e comercialização de múltiplos materiais essenciais.
O mundo material sustenta nossa vida cotidiana. O segredo mais bem guardado da economia moderna é marcas mundialmente famosas – Apple, Tesla, Google etc. – dependem inteiramente das empresas obscuras do mundo material para fabricar os seus produtos e ajudar as suas ideias inteligentes a materializarem-se e se tornarem uma realidade tangível.
Para operar no mundo material, é preciso cavar e extrair coisas e transformá-las em produtos físicos, em um negócio difícil, perigoso e sujo. Talvez o mais perigoso de todos os mitos predominantes no mundo etéreo seja a ideia de nós, humanos, estarmos nos afastando dos materiais físicos.
Embora durante a maior parte da história humana a produção econômica tenha acompanhado de perto a exploração dos recursos naturais e o uso de energia – nas últimas duas décadas estas duas linhas divergiram: o PIB continuou a aumentar enquanto a o valor utilização de tais recursos estabilizou. Daí, dizem economistas ortodoxos, é uma prova incontestável de estarmos a obter “mais com menos”, isto é, com maior produtividade.
Na verdade, o Primeiro Mundo está simplesmente terceirizando toda essa coisa suja para um lugar diferente, onde os economistas dele não precisam pensar sobre isso. Em suma, para o mundo material do Terceiro Mundo…
Faz esforços muito mais extraordinários para extrair cobre e petróleo, ferro e cobalto, manganês e lítio do solo. Cavam em busca de areia, de rocha, de sal, de pedra.
Vários objetivos ambientais exigem, em curto e médio prazo, consideravelmente mais materiais para construir os carros elétricos, as turbinas eólicas e os painéis solares necessários para substituir os combustíveis fósseis. O resultado é, nas próximas décadas, provavelmente extrairemos mais metais da superfície da Terra diante do feito antes.
Há falta de dados. Economistas-estatísticos contam dólares do PIB, mas sua compreensão de quanta coisa retirada do solo é surpreendentemente primitivo. Há análises de fluxo de materiais, medindo as substâncias extraídas da terra, consumidas e depois recicladas ou descartadas, rastreiam o “material” extraído, e não o equivalente ao volume de terra e rocha deslocados para o obter.
Quando se anunciou uma nova era para os recursos necessários, com o advento do comércio e das cadeias de abastecimento verdadeiramente globais, parecia a corrida aos materiais tinha terminado. Como resultado, muitos países, inclusive os Estados Unidos, começaram a esgotar as suas reservas destes minerais cruciais, acumuladas ao longo do meio século anterior.
Quando as barreiras comerciais foram eliminadas em favor da abertura externa, a indústria de transformação tornou-se uma empresa verdadeiramente global, composta por cadeias de abastecimento just-in-time espalhadas por todo o planeta. Mas hoje os governos de todo o mundo estão percebendo, rapidamente, ser estratégico o controle destes materiais e seus processos de produção e comercialização para o futuro antevisto.
Houve o exemplo recente de carência dos semicondutores, isto é, os chips de silício. Para baterias de automóveis eletrificados, exige-se uma coleção de metais, incluindo cobalto, níquel, zinco e, o mais importante de tudo, lítio.
Este livro sobre o mundo material é contado através de seis materiais: areia, sal, ferro, cobre, petróleo e lítio. Classificar esses materiais como protagonistas pode parecer um pouco ousado, porque a maioria das histórias do progresso humano vem da própria perspectiva. Pense na bateria de seu celular e no concreto das fundações da sua casa.
Permanecemos na Idade da Pedra, do Bronze e do Ferro, para não falar da Idade do Cobre, do Sal, do Petróleo e do Lítio. São as substâncias para as quais, na sua maioria, não existe um substituto ideal. Moldaram a história e começam a moldar o futuro.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]
Referência
Ed Conway. Material world: a substantial story of our past and future. Londres, Penguin Random House, 2023; 512 págs. [https://amzn.to/3wETXKg]
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