Fluxo e refluxo

Imagem: Lucas Vinícius Pontes
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Por REGINALDO S. FERNANDES*

Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão

Debater sobre a reação dos movimentos sociais e sindicatos frente às políticas e ações de governo não é nada fácil de compreender. Os movimentos sociais e o movimento sindical são componentes essenciais da dinâmica das lutas sociais, representando os interesses dos trabalhadores em suas relações com os empregadores e o Estado. Dentro desse movimento, é comum observar um fluxo e refluxo, uma alternância entre momentos de força e influência e momentos de enfraquecimento e recuo. Essa oscilação está intimamente ligada à conjuntura política, econômica e social, influenciando diretamente a capacidade dos sindicatos em reivindicar políticas públicas mais favoráveis à sociedade.

É nesse ambiente que percebemos que as greves nas instituições federais de ensino não deveriam ser algo inesperado, pois o ambiente de debates e embates pressupõe diversidade de opiniões. A atualidade requer uma análise cuidadosa, pois os argumentos e questionamentos são válidos.

Desde os acontecimentos do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, foram seis anos sem que o funcionalismo federal obtivesse a correção salarial frente à inflação, o que teve um impacto significativo nos servidores federais. Os dois governos que se sucederam tiveram como agenda a austeridade fiscal, com menos gastos na manutenção do Estado. É como se um estudante recebesse nota zero em uma prova, sugerindo que nada do que fez merecesse reconhecimento, o que não reflete a realidade, especialmente considerando o aumento anual da produtividade nas instituições federais de ensino.

Durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, os programas educacionais sofreram com cortes de recursos sistemáticos, em parte devido à PEC do Teto de Gastos, que limitou os investimentos do governo federal por 20 anos. Especialistas alertaram que essa medida resultaria em cortes significativos nos orçamentos da Educação e da Saúde.

Frente às condições políticas adversas, predomina entre as opiniões a narrativa que sugere que as instituições de ensino federais não se envolveram em lutas políticas durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro e que agora só agora, em pleno governo Lula, iniciaram uma greve, justamente em meio às tensões com os setores da extrema direita e a imensa maioria do legislativo não alinhada com o governo.

Apesar de parecer essa a primeira resposta, é preciso considerarmos a cautela. Vejamos: ainda em 2016, houve uma greve durante o governo de Michel Temer, em reação à PEC do Teto dos Gastos, que foi aprovada pelo parlamento, tornando nossa luta política ineficaz naquele momento. Além disso, não podemos esquecer os protestos estudantis e dos professores universitários em 2019, conhecidos como o “tsunami da educação”.

Houve sim manifestações, que ocorreram ao longo de 2016 até o momento, em diversas datas, sendo a primeira grande mobilização contra o governo de Jair Bolsonaro, ainda devido aos cortes na educação e aos congelamentos na área de ciência e tecnologia, houve uma grande paralisação no ensino, acompanhada de protestos liderados por estudantes e profissionais da educação. Importante também considerar o movimento de luta e proteção sanitária que, a partir de 2020, enfrentamos a epidemia de covid-19, com todas as suas consequências. Nesse momento tivemos que enfrentar não apenas o bolsonarismo, mas a sua truculência e o negacionismo à ciência.

De qualquer forma, seria oportunista continuar nossas reivindicações em um momento em que o país e o mundo estavam lidando com problemas de subsistência e desemprego. Também não é adequado considerar que os trabalhadores e trabalhadoras da educação se acovardaram diante de Jair Bolsonaro e que agora estão se aproveitando de um momento favorável.

Com a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro, esperava-se a implementação das promessas de seu programa de governo. Ele prometia investir em educação de qualidade, fortalecer a educação básica e coordenar ações articuladas entre os diferentes níveis de governo, retomando as metas do Plano Nacional de Educação e revertendo os desmontes do governo anterior. A vitória eleitoral de Lula e a forte pressão das demandas sociais, especialmente em meio à pandemia, resultaram em uma PEC de transição que inicialmente expandiu os gastos em cerca de R$ 145 bilhões.

O governo Lula foi eleito na composição conhecida como Frente Ampla e Democrática, que traz em seu bojo alianças com a classe política que vão do centro à direita brasileira. É nesta correlação de forças e influência que o governo Lula convive com a necessidade de atingir a meta de déficit zero, e como sabemos, isso tem um custo social significativo. Mas para alcançá-la, o governo precisa aumentar suas receitas e cortar gastos. Desde a implementação da meta de déficit zero promovida pelo Arcabouço Fiscal (novo nome dado para o teto dos gastos), idealizada por Fernando Haddad, tem sido evidente os cortes e bloqueios orçamentários recorrentes na área da Educação.

A atual Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê que as Universidades terão um corte de R$ 310 milhões em relação ao ano anterior. O mesmo acontece com os Institutos Federais de Educação, que terão um corte de R$ 30 milhões em 2024. Além disso, os recursos destinados às bolsas de estudo na pós-graduação pela Capes, que foram reajustados em 40% em 2023, sofreram um corte de R$ 40 milhões em 2024. Mesmo com esse aumento orçamentário, a Capes retorna ao nível de investimento proposto há dez anos, em 2013.

Com as políticas de “contenção de gastos” adotadas por Michel Temer, Jair Bolsonaro e agora com o governo Lula (embora o diálogo seja melhor), com o objetivo de cumprir as metas estabelecidas nas leis do “Teto de Gastos”, possuem um impacto direto não apenas na infraestrutura e nas políticas sociais do país, mas também no corpo técnico de seus servidores.

Assumidamente inimigo das universidades e avesso ao conhecimento científico, Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente em 20 anos a concluir o mandato sem conceder qualquer reajuste salarial ao funcionalismo, isso é inegável. Mais de 1 milhão e 200 mil servidores ativos, inativos e pensionistas viram seus direitos desrespeitados. Isso nos leva a lembrar da “granada no bolso dos servidores”.

Frei Beto, em uma entrevista ao jornal Brasil de Fato em abril de 2023, argumentou que há heranças que não devem desaparecer tão cedo. Ele mencionou que na área econômica, a relação com o Banco Central permanece estremecida desde o princípio, e no Congresso, o próprio governo ainda não compreendeu qual é o tamanho de sua base e como poderá atuar para garantir votos importantes em projetos futuros. Para Frei Beto, “Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão”.

Frente à precarização acumulada em seis anos, o funcionalismo se vê diante do continuísmo de sempre, na desvalorização do serviço público e das instituições de ensino brasileiras. A greve no funcionalismo federal é necessária e tem seu papel histórico.

*Reginaldo S. Fernandes é mestre em Cultura e Território pela Universidade Federal do Norte de Tocantins (UFNT).


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