Por FLÁVIO TAVARES DE LYRA*
O aparato institucional atual foi concebido e é funcional à valorização do capital financeiro
A perda de dinamismo da economia brasileira e o processo de desindustrialização a ela associado, datam do início dos anos 90 do século XX, no governo de Fernando Collor. Foi nessa época, após a “década perdida” (1980-90), que se instalou definitivamente o pensamento neoliberal, com sua concepção de que caberia entregar às forças do mercado as decisões determinantes da futura expansão econômica do país. Desde então, coube limitar de forma crescente o papel do Estado como condutor do processo de desenvolvimento e regulador das forças do mercado.
Não obstante, o fato de a Constituição de 1988, ter sido elaborada numa concepção que atribuía ao Estado e as suas instituições o papel condutor do processo de desenvolvimento econômico, sucessivamente foram introduzidas mudanças nas instituições econômicas para adequá-las à visão de mundo neoliberal, na qual o Estado tinha um papel meramente coadjuvante das forças do mercado. Ou seja, os rumos do processo de desenvolvimento passaram a ser dados pelas decisões do setor privado.
Dentro da concepção neoliberal é que o país realizou a privatização dos complexos petroquímico, siderúrgico, não-ferrosos e, mais recentemente, da Eletrobrás. A abertura do comércio exterior e do mercado de capitais foram os causadores diretos da crise cambial de 1999, que jogou o país nos braços do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual e da OMC, agentes internacionais do “Consenso de Washington”.
O relativo bom desempenho econômico que o país alcançou nos governos de Lula (2003-6 e 2007-10) e no primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014), sob as instituições neoliberais, produziram a grande ilusão de que era possível retomar o dinamismo econômico da era desenvolvimentista dentro da concepção de política econômica neoliberal.
Na realidade, foi o “boom” das exportações internacionais, graças à demanda gerada pela expansão da China, fenômeno especial e transitório que determinou em boa medida a conjuntura favorável que tomou forma. Uma vez atenuado dito impacto positivo, ficou evidentemente que era inviável gerar dinamismo econômico e realizar avanços no social, sob a institucionalidade neoliberal e o predomínio das forças do mercado.
O bem-sucedido combate à hiperinflação sob a ação do Plano Real (1994) deixou como herança as mudanças institucionais que tornaram a busca da austeridade fiscal e a política monetária restritiva do Banco Central dominantes no cenário econômico, fragilizando, a partir daí, a ação do Estado como instrumento condutor da política de investimento do país.
O fracasso do segundo governo de Dilma Rousseff para retomar o processo de desenvolvimento com o aparato institucional neoliberal, abriu espaço para mais um avanço das instituições neoliberais na condução da vida econômica do país, com as políticas concebidas sob o guarda-chuva de “A ponte para o futuro” do governo de Michel Temer (2016-17) e o desastrado governo de Jair Bolsonaro (2018-21), que mergulharam o país na estagnação econômica e numa crise social sem precedentes.
A volta de Lula à presidência em 2022, fez ressurgirem as esperanças de uma retomada do processo de desenvolvimento dentro de uma concepção orientada para transformações estruturais na economia que conduzam à aceleração do crescimento com a reindustrialização, à transição para uma economia que avance na melhoria da distribuição da renda e que proteja o meio ambiente, aproveitando amplo e diversificado potencial existente para melhorar a competitividade internacional da produção.
Em seus dois anos iniciais de governança, a nova administração tem buscado romper os grilhões institucionais que a impedem de governar com vistas às mudanças de longo-prazo que a reindustrialização requer.
Nesse sentido o governo lançou a “Nova Indústria do Brasil”, uma proposta de política industrial ambiciosa voltada para reindustrialização do país numa concepção que a enfatiza a promoção da inovação tecnológica, o adensamento das cadeias produtivas, o aproveitamento do potencial energético para geração de energias “limpas” e a sustentabilidade ambiental. Tudo isto, visando dinamizar a atividade econômica e a capacidade competitiva do país no cenário internacional.
As instituições vigentes, porém, não foram concebidas para promover mudanças estruturais na economia e se movem dentro de uma visão neoliberal que descarta o papel fundamental do Estado na condução do processo de desenvolvimento.
A questão central do financiamento do processo econômico não poderá ser resolvida sem uma reforma do sistema fiscal de modo a dotar o Estado de recursos para financiar os gastos sociais e de investimento.
O arcabouço fiscal recém-aprovado não resolve o problema pois se trata apenas de mais um instrumento de contenção do gasto fiscal de corte neoliberal, do que de uma ferramenta de um estado promotor do desenvolvimento.
O instrumento da dívida pública, na arquitetura atual, não pode ser utilizado para fortalecer a capacidade de financiamento do Estado. Muito embora o índice de endividamento público, seja muito inferior ao observado nas economias desenvolvidas.
O Banco Central, transformou-se quase que exclusivamente num instrumento de combate à inflação e de favorecimento da acumulação de capital fictício em detrimento da acumulação produtiva. Há fortes indícios de que as agências reguladoras atuantes na infraestrutura e o Banco Central estão capturados pelo setor privado e não respondem adequadamente aos propósitos do novo governo.
O Estado não dispõe de mecanismos de planejamento adequados para orientar as decisões de investimento de longo-prazo. O Ministério do Planejamento transformou-se numa agência de elaboração e controle do orçamento anual e uma ferramenta exclusiva das políticas de austeridade.
O Estado acha-se praticamente proibido de investir em atividades básicas para o desenvolvimento do país. As parcerias público-privadas, consideradas uma saída para expandir o investimento produtivo, não passam de um disfarce para que recursos públicos sejam direcionados para fortalecer a expansão e a lucratividade de capitais privados.
Ficaram evidentes recentemente as dificuldades enfrentadas pelo governo para orientar a principal empresa estatal do país, a Petrobras, para aplicar maior percentual de seus lucros em investimento produtivo. O mercado de capitais dá preferência à distribuição de dividendos aos acionistas, numa visão de curto-prazo e desligada do papel da empresa no desenvolvimento energético do país.
Em resumo, o aparato institucional atual foi concebido e é funcional à valorização do capital financeiro. Sem alterações profundas em sua constituição, dificilmente o país terá condições de avançar na direção de um sistema produtivo mais dinâmico, mais respeitador do meio ambiente e mais comprometido com o desenvolvimento social.
*Flávio Tavares de Lyra, economista, é aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
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