Laicidade, pluralismo e liberdade individual

Imagem: Bryan López Ornelas
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por JULIAN RODRIGUES*

Jesus de Nazaré foi o criador do Estado laico

“Os fariseus fazem uma armadilha para apanhar Jesus em alguma palavra. Primeiramente, eles começam elogiando Jesus, dizendo que Ele é verdadeiro e não se deixa influenciar pela opinião dos outros. Depois, eles perguntam a Jesus, se é lícito ou não pagar o imposto a César. César era governador e pertencia ao império Romano na época e, como sabemos, o Império Romano governava Israel. Jesus usou como sempre de uma grande sabedoria para dar a resposta e não disse nada que lhe comprometesse ou comprometesse seus discípulos. Se Jesus respondesse que não deveria pagar o imposto a César, iriam dizer que Ele era contra o Império Romano. E se Ele dissesse que tinha que pagar iriam dizer que Ele estava ao lado do governo e não ao lado do povo. De todas as formas, queriam apanhar Jesus na resposta que Ele disse.Assim, Jesus pede que lhe apresentem a moeda e pergunta qual a figura que está na moeda, e eles responderam: de César. Diante disso, sabiamente Jesus responde “Dai, pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22, 21). Nessa resposta, sutilmente Jesus quer dizer que todos devem cumprir com as suas obrigações, seja com o governo ou seja com Deus.”

Sinal dos tempos

Cabe sobretudo aos não cristãos e aos cristãos de esquerda uma urgentíssima missão: defender o núcleo progressista dos supostos ensinamentos de um camponês judeu (I.N.R.I) analfabeto de origem aramaica que supostamente viveu no século I da Era comum – mais conhecida como ano 1 depois de Cristo.

Há muito está estabelecida a existência de um certo judeu da Galileia, pregador messiânico, na executado pelas autoridades coloniais do império Romano. A influência da religião cristã oficial na Europa e nas América teria se iniciado por volta do século IV da Era comum – e segue firme e forte até os dias de hoje, para o bem e para o mal.

O fato é que “nestes dias tão estranhos” quando a poeira nem se dá mais ao trabalho de se esconder pelos cantos acabou sobrando para nosotras: ateus, cartesianos, racionalistas, iluministas, newtonianos, darwinistas, feministas, existencialistas, marxistas, nietzschianos, leninistas, punks, céticos, agnósticas e admiradoras de Bergoglio (o papa peronista) uma trivial tarefa: resgatar, defender e divulgar o legado progressista do Novo testamento.

É preciso disputar Jesus com os fascistas, fariseus modernos, mercadores da fé. Um bando de homens feios, brochas, machistas, racistas, homofóbicos, autoritários – e, sobretudo, cínicos.

“A César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Nada mais atual. A liberdade religiosa, pilar de qualquer regime democrático, é indissociável dos princípios da laicidade, do pluralismo, da garantia das liberdades individuais, da igualdade, da defesa e promoção dos direitos humanos.

A história registra: o Estado laico é uma conquista da luta das classes subalternas, das minorias políticas, das mulheres, comunistas e cientistas. Dos cristãos perseguidos pelos romanos, dos mulçumanos esmagados por cristãos em suas “cruzadas”, das mulheres carbonizadas nas fogueiras, dos judeus caçados por centenas de anos, obrigados a se esconder, mudar de nome, negar sua fé, estigmatizados desde a Inquisição até os campos nazistas – hoje, triste e ironicamente, o Estado de Israel faz com os palestinos coisas similares às que os nazistas fizeram com os judeus 80 anos atrás.

Antes mesmo de me considerar marxista tornei-me fã de Ludwig Feuerbach: “não foi deus quem criou o homem, mas sim foi o homem quem criou deus à sua imagem e semelhança”. (A propósito Caetano sempre teve razão, e quem há de negar que “só é possível filosofar em alemão”.

Voltando ao tema do artigo: é hora de ensinar cristianismo aos cristãos. Em defesa da pluralidade religiosa e do Estado laico. Sim life is hard, mas, cá entre nós, também muito divertida. De real e de viés.

*Julian Rodrigues, jornalista e professor, é ativista LGBTI e de Direitos Humanos. Coordenador de formação política da Fundação Perseu Abramo.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Régis Bonvicino (1955-2025)
Por TALES AB’SÁBER: Homenagem ao poeta recém-falecido
Os véus de Maya
Por OTÁVIO A. FILHO: Entre Platão e as fake news, a verdade se esconde sob véus tecidos por séculos. Maya – palavra hindu que fala das ilusões – nos ensina: a ilusão é parte do jogo, e desconfiar é o primeiro passo para enxergar além das sombras que chamamos de realidade
A fragilidade financeira dos EUA
Por THOMAS PIKETTY: Assim como o padrão-ouro e o colonialismo ruíram sob o peso de suas próprias contradições, o excepcionalismo do dólar também chegará ao fim. A questão não é se, mas como: será por meio de uma transição coordenada ou de uma crise que deixará cicatrizes ainda mais profundas na economia global?
O ateliê de Claude Monet
Por AFRÂNIO CATANI: Comentário sobre o livro de Jean-Philippe Toussaint
Saliência fônica
Por RAQUEL MEISTER KO FREITAG: O projeto ‘Competências básicas do português’ foi a primeira pesquisa linguística no Brasil a fazer uso do computador no processamento de dados linguísticos
De Burroso a Barroso
Por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: Se o Burroso dos anos 80 era um personagem cômico, o Barroso dos anos 20 é uma tragédia jurídica. Seu 'nonsense' não está mais no rádio, mas nos tribunais – e, dessa vez, a piada não termina com risos, mas com direitos rasgados e trabalhadores desprotegidos. A farsa virou doutrina
Universidade Harvard e fluoretação da água
Por PAULO CAPEL NARVAI: Nem a Universidade Harvard, nem a Universidade de Queensland, nem nenhum “top medical journal”, chancelam as aventuras sanitárias terraplanistas implementadas, sob o comando de Donald Trump, pelo governo dos EUA
O cinema de Petra Costa
Por TALES AB´SÁBER: Petra Costa transforma Brasília em um espelho quebrado do Brasil: reflete tanto o sonho modernista de democracia quanto as rachaduras do autoritarismo evangélico. Seus filmes são um ato de resistência, não apenas contra a destruição do projeto político da esquerda, mas contra o apagamento da própria ideia de um país justo
A Rússia e a sua viragem geopolítica
Por CARLOS EDUARDO MARTINS: A Doutrina Primakov descartou a ideia de superpotências e afirmou que o desenvolvimento e integração da economia mundial tornou o sistema internacional um espaço complexo que só poderá ser gerido de forma multipolar, implicando na reconstrução dos organismos internacionais e regionais
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES