Nicolás Maduro em seu labirinto

Imagem: Amber Janssens
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Por CARLOS HENRIQUE VIANNA*

O maniqueísmo do bem e do mal, proclamado e aceito por ambos os lados, envenenou há muito o panorama político, não só nacional, mas em quase todo o continente americano

Passados alguns dias da proclamada vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais, já temos a lamentar 20 mortes, muitos feridos, mais de três mil presos e a perspectiva de muita contestação, violência nas ruas, de repressão dura por parte das forças policiais e mesmo das militares. Não parece haver uma perspectiva de aceitação dos resultados por parte de amplos setores populares e da oposição unificada em torno a candidatura de Edmundo González.

Por seu lado, Nicolás Maduro tem o apoio das Forças Armadas e policiais, das milícias, da Assembleia e do poder judicial. Sua resposta à contestação é repressão, “el máximo castigo” para os presos. As atas eleitorais continuam sem publicar, parece ser uma questão de orgulho para o regime. A Suprema Corte de Justiça solicitou a publicação das atas. Serão?

O impasse está estabelecido, a nível nacional e internacional.

No plano internacional, as reações oficiais podem ser divididas em três grupos:

(i) Reconhecimento da vitória de Nicolás Maduro (Rússia, China, Cuba, Nicarágua e outros).

(ii) Desconfiados dos resultados, Uruguai, Argentina, Costa Rica, Equador, Paraguai, Peru e República Dominicana publicaram carta conjunta e pediram uma contagem transparente dos votos. Uns mais, outros menos, a denúncia de fraude é explícita. A reação do governo da Venezuela foi romper relações e expulsar os diplomatas destes países. Na embaixada da Argentina há seis dirigentes da oposição, asilados desde março, tendo a embaixada sofrido ameaça de invasão, agora neutralizada com o hasteamento da bandeira brasileira e com o Brasil a assumir a representação da Argentina. O Peru pediu o mesmo. O Chile também se somou a este grupo, com nuances.

(iii) Já o Brasil, Colômbia e México, países com grande peso diplomático e político na América Latina, mantêm o diálogo com o governo venezuelano, mas pedem a publicação das atas de todos os locais de voto como condição para o reconhecimento dos resultados. Esta posição é seguida pela União Europeia, em particular pelos países com mais laços com a Venezuela, Portugal, Espanha, Itália. Esta posição também foi concertada entre Brasil e Estados Unidos, num contato entre Lula e Biden em 30 de julho.

Os Estados Unidos, entretanto, mudaram sua posição e reconheceram a vitória de Edmundo Gonzalez, somando-se assim ao grupo de vários países sul-americanos anti-Maduro, que também tem o apoio da OEA. Também a secretaria-geral da ONU manifestou-se de forma semelhante à de Lula.

As eleições na Venezuela são feitas com urna eletrônica, a semelhança do Brasil. São consideradas seguras por muitos políticos e experts. No entanto, a pergunta que se coloca é porque os resultados não são publicitados imediatamente ao fechamento de cada local de voto, como acontece no Brasil, onde se pode acompanhar minuto a minuto a evolução da votação de cada candidato presidencial.

Outra pergunta inquietante é porque o presidente da CNE, Conselho Nacional Eleitoral, um dos cinco órgãos formalmente independentes da República Bolivariana da Venezuela, proclamou a vitória de Nicolás Maduro com 80% da apuração realizada, dando inclusive as porcentagens dos dois candidatos 51,2% e 44%. Será que os 20% de votos por contabilizar não poderiam mudar as porcentagens anunciadas? Matematicamente é possível. No dia seguinte ao anúncio, o CNE deu posse ao presidente eleito. O CNE é mesmo independente do Poder Executivo na Venezuela? Houve fraude, o atraso em publicitar as atas deve-se à ocorrência de fraude? Será que tantos países e organismos internacionais colocarem em dúvida os resultados é devido a escusos interesses dos norte-americanos e “seus lacaios” no petróleo venezuelano, como apregoa setores das esquerdas latino-americanas?

A Venezuela encontra-se exaurida. A começar de parte importante da população que vem debandando do país há vários anos, com o agravamento da crise econômica e social. Os países da América Latina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru, assim como os Estados Unidos, são os grandes receptores de cidadãos venezuelanos, seis a sete milhões de emigrantes. Entre eles, muita gente qualificada, técnicos da indústria do petróleo, que, desde a famosa greve da PDVSA em 2002, a companhia de petróleo, no início do governo Hugo Chávez, vem saindo do país e se empregando na indústria petrolífera pelo mundo afora.

A greve foi desencadeada em função da demissão por Hugo Chávez do presidente e de cinco diretores da PDVSA. Esta desde sempre tinha um enorme poder no país, já que gerava 70% de todas as exportações. Era quase um Estado dentro do Estado. Hugo Chávez quebrou a espinha deste poder, demitiu centenas ou milhares de funcionários e criou outra PDVSA, submissa a seu comando. Não sem enormes confrontos e até a tentativa frustrada de golpe contra ele. Ele consolidou a partir daí seu estilo caudilhista e autoritário.

A um preço alto, pois a PDVSA nunca mais foi a mesma e a produção petrolífera veio diminuindo progressivamente, apesar das enormes reservas de crude, as maiores do mundo. O sucateamento parcial das instalações industriais da PDVSA e da empresa estatal de energia elétrica é uma realidade. Os apagões se sucedem há anos.

Sou testemunha direta deste sucateamento, pois estive seis vezes entre 2010 e 2012 na maior central termoelétrica do país, a Planta Centro, em serviço de inspeção e consultoria. Dava pena ver o estado desta instalação, essencial para o equilíbrio elétrico da rede e para a geração.

A Venezuela encontra-se exaurida economicamente, pois todos os indicadores declinaram, principalmente a partir do governo de Nicolás Maduro. Importa-se quase tudo, não há quase indústria, imensos recursos financeiros voaram para o exterior desde há muitos anos. A economia está praticamente dolarizada para tentar neutralizar a inflação galopante.

As sanções norte-americanas, sem dúvida, contribuíram para esta exaustão, mas a enorme incompetência política e técnica dos sucessivos governos, bem como a corrupção, também fazem parte dos motivos desta exaustão econômica. Sem falar na questão do tráfico de drogas, que afeta vários países da América do Sul.

A Venezuela encontra-se exaurida socialmente, a violência urbana está entre as maiores do mundo, a insegurança alimentar é extensa e dura há anos, os privilégios de certos setores próximos ao regime é evidente para todos. Há parte da população que recebe cestas alimentares e fica dependente das ações governamentais e do partido do regime, o PSUV. Os privilégios dos militares, das forças policiais e das milícias populares são visíveis para todos. Os militares têm empresas e até um banco.

A Venezuela encontra-se exaurida politicamente. A revolução bolivariana, que sem dúvida fez em seu momento realizações positivas em favor das camadas mais pobres da população, deu origem a um regime autoritário e maniqueísta do tipo “Quem não está conosco, está com os piores inimigos e traidores da Pátria”. Um país fraturado e entristecido, moralmente ferido.

E com muita gente disposta a ir para as ruas, mesmo reprimida violentamente. Expulsar diplomatas de sete países vizinhos só isolará ainda mais o regime. E não será a Rússia e a China que vão resolver este isolamento. Poderão dar créditos, comprar petróleo, declarar apoio. Mas não há almoços grátis, como se sabe.

A maior parte dos votos dados ao candidato opositor Edmundo González não o foi por motivos ideológicos, foi por exclusão, são votos contra Nicolás Maduro e o regime vigente, não são votos nas opções ideológicas dos líderes das oposições.

Nos próximos dias ou semanas saberemos o futuro imediato da Venezuela. A confirmação do terceiro mandato de Nicolás Maduro terá um custo muito alto para a maioria da população venezuelana, incluindo muitos milhões de emigrantes espalhados pelo mundo. Novas levas de emigrantes irão se deslocar para os países próximos, caso Nicolás Maduro ganhe esta parada.

Infelizmente não se vislumbra uma necessária pacificação e reconciliação da nação, que passa necessariamente pelo afastamento de Nicolás Maduro e seu governo. Não há nomes consensuais ou respeitados pela maioria. O maniqueísmo do bem e do mal, proclamado e aceito por ambos os lados, envenenou há muito o panorama político, não só nacional, mas em quase todo o continente americano.

*Carlos Henrique Vianna é engenheiro. Foi diretor da Casa do Brasil em Lisboa. É autor, entre outros livros, de Uma questão de justiça.


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