Por LEDA PAULANI*
Discurso na homenagem aos 90 anos do economista, na Fundação Getútio Vargas (FGV-SP)
Inicialmente agradeço o convite de Nelson Marconi para proferir algumas palavras sobre o nosso homenageado.
No roteiro que ele preparou para esta cerimônia fui designada para prestar a homenagem ao professor Bresser em nome dos “economistas em geral”.
A primeira observação que faço é sobre a pertinência desta específica homenagem de que fui incumbida. No caso de Luiz Carlos Bresser-Pereira ela não está aqui apenas em função de exigências protocolares. O respeito e a admiração que desfruta o professor atravessa os vários grupos e tribos que, com seus diversos credos e approachs teóricos, constituem a comunidade sempre em guerra dos economistas.
Era preciso, portanto, no caso do Luiz Carlos Bresser-Pereira mais do que em qualquer outro, que alguém falasse em nome dos “economistas em geral”. Mas evidentemente vou falar aqui apenas a partir da minha praia, que é a academia – pois Luiz Carlos Bresser-Pereira, como se sabe, sempre atuou em várias frentes.
A segunda observação é que penso que o Nelson Marconi acertou na escolha do meu nome, não por conta de méritos meus, que não os tenho tantos, mas porque sou a prova viva da notável capacidade de Luiz Carlos Bresser-Pereira de conviver cordialmente e respeitar sinceramente diferentes pontos de vista e posições teóricas. Nós nunca pensamos exatamente do mesmo modo. Nossas visadas são distintas, objetiva e teoricamente, mas sempre fui tratada por ele não só com a devida consideração, mas também com um interesse genuíno pelo meu trabalho, que ele sempre buscou valorizar, o que muito me honrou e tem me honrado ao longo de todos esses anos de convivência acadêmica.
Luiz Carlos Bresser-Pereira fez parte da minha trajetória acadêmica em momentos muito importantes. Foi membro da banca examinadora na defesa de minha tese de doutorado sobre o conceito de dinheiro em 1992 e, quinze anos mais tarde, participou da banca do concurso em que me tornei titular na FEA-USP. Soube depois, porque essas coisas a gente sempre acaba sabendo, que ele, apesar de todas as nossas diferenças, teve papel decisivo na defesa de meu nome como candidata à única vaga então existente.
Eis, portanto, o primeiro mérito de Luiz Carlos Bresser-Pereira que queria destacar, esse ecumenismo praticante que sempre caracterizou sua conduta no mundo acadêmico.
O segundo mérito que destacaria é sua honestidade intelectual e sua capacidade de reconhecer e valorizar os mais jovens. No primeiro contato que tive com Luiz Carlos Bresser-Pereira, levei um susto. Três semanas depois de lançado o Plano Cruzado, eu, à época estudante da pós-graduação do IPE-USP, publiquei na Folha de S. Paulo um artiguinho onde procurava mostrar as diferentes posições teóricas que estavam por trás daquele experimento heterodoxo.
Fui almoçar poucos dias depois na casa de meus pais e meu pai me disse: ligou aqui em casa um professor atrás de você; primeiro perguntou se tinha aqui alguma Leda Paulani; eu disse que sim, que era minha filha, mas que não morava mais aqui. Ele então disse que era professor, se chamava Luiz Carlos e queria conversar com você sobre o artigo da Folha. Pediu que te dissesse isso.
Fiquei intrigada, matutei, matutei, e não atinei com quem poderia ser. Dois ou três dias depois, nos encontramos no Cebrap – era então estudante da primeira turma do programa de formação de quadros daquela instituição e Luiz Carlos Bresser-Pereira fora lá para um seminário. Vendo meu nome como uma das estudantes do programa ali presente, veio me procurar. Foi só assim que descobri quem era o professor Luiz Carlos e quase caí de costas.
Era eu uma ilustre desconhecida estudante de pós-graduação. E ele, do alto de seu renome, naquele tempo sem internet nem smartphones, tinha se dado ao trabalho de ir à lista telefônica para tentar entrar em contato comigo e podermos conversar sobre o artigo e sobre toda aquela controvérsia teórica que o longo período de alta inflação acabou por gerar no Brasil. Fiquei admirada. Como desde então nunca mais perdemos o contato, fui percebendo que esse era um comportamento usual de Luiz Carlos Bresser-Pereira, mais uma prova de seu espírito aberto, de sua disposição de ouvir e de sua generosidade.
Por fim, não posso deixar de mencionar, e agora saindo da esfera stricto sensu acadêmica, o papel crucial que Luiz Carlos Bresser-Pereira teve nestes politicamente conturbados anos desde o início do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff. Em todos os momentos decisivos deste triste período, ele foi apoiador, defensor e companheiro de primeira hora daqueles que tinham sido seus adversários políticos anos antes, o que, dada sua estatura moral e intelectual, fez enorme diferença para quem lutava para o leite não derramar. Diria mesmo que foi fundamental para a vitória de Lula em 2022 e o alívio que a vitória trouxe ao derrotar o protofascismo de Jair Bolsonaro – apesar de esse espectro hediondo ainda continuar por aí, fungando em nosso cangote.
Vejam que, para falar um pouco de Luiz Carlos Bresser-Pereira, que o tempo é curto, não precisei fazer referência aos 53 livros, 89 capítulos de livros e 257 artigos em revistas acadêmicas que ele publicou no Brasil e no exterior, onde, diga-se, é igualmente respeitado e admirado. São números frios, que falam de sua capacidade intelectual, mas incapazes de traduzir de modo humano e verdadeiro quem ele de fato é.
Para concluir, afirmo que se tivéssemos 1% dos economistas/ professores/ pesquisadores/ executivos/ homens públicos com a dignidade e a capacidade de Luiz Carlos Bresser-Pereira, o Brasil seria, certamente, um país muito melhor.
Parabéns, professor, pelos seus 90 anos e por tão iluminada trajetória.
*Leda Maria Paulani é professora titular sênior da FEA-USP. Autora, entre outros livros, de Modernidade e discurso econômico (Boitempo). [https://amzn.to/3x7mw3t]
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