Brasil e Covid, uma tragédia em imagens

Imagem_Colera Alegria
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Marcelo Eduardo Bigal*

A despeito da dor e da perda ocasionadas por essa epidemia, o que se nos apresenta é de decisão simples. Podemos proceder racionalmente e valorizar a vida, ou persistir em rota genocida, brigando por cloroquina, cânfora, ozônio intrarretal

A desconstrução da ciência se faz no Brasil de maneira tão brutal e articulada, que somos acometidos por um sentimento de desalento, de estarmos vivendo uma epidemia de cegueira, como escrevi recentemente neste site. Essa semana, ao ser perguntado ainda mais uma vez sobre a minha opinião sobre a cloroquina no tratamento do COVID-19, tive a impressão de viver em um universo paralelo, onde a voz da ciência não encontra ouvidos. Decidi, portanto, abster-me de argumentos científicos e decidi mostrar, por imagens, a surreal brutalidade da tragédia brasileira onde três epidemias se entrelaçam: a da COVID-19, da desinformação e, por fim, da ignorância, e falta de empatia/desprezo.

Visão Geral

Iniciando pelo básico. A população brasileira, atualmente estimada em 212,559,000 pessoas, responde por 2.7% da população mundial. Deveríamos, portanto, esperar que respondêssemos por 2.7% do número de casos e de mortes, e que, com eficiência e nos aproveitando do privilégio de termos um sistema único de saúde, estaríamos melhor que a média. Mas respondemos, no entanto, por 15.2% dos casos mundiais (5.6 vezes mais que a média mundial) e 13.8% das mortes (5.1 vezes maior que a média mundial).

A severidade da crise fica ainda mais evidente quando nos comparamos com os demais países da América do Sul, aonde somos o país mais importante economicamente. Respondemos por ao redor de 49% da população sul-americana, mas 63,8% dos casos e 63.7% das mortes (30% maior do que o esperado pela população apenas para esses dois parâmetros). Notemos que a América do Sul é uma das regiões mais acometidas, com 4 países entre os 10 mais afetados (Brasil, Peru, Chile e Colômbia) e, ainda assim, nossa performance é bem abaixo da média.

A mesma tendência é feita quando comparamos o Brasil, 9ª economia mundial, com países semelhantes, como França (7ª), Itália (8ª), Canadá (10ª) e Rússia (11ª).  Respondemos por 41% da população, mas 67% dos casos (63% acréscimo) e 53% dos óbitos (29% mais que o esperado).

Testes

Em epidemias, por vezes todos os melhores esforços são ainda insuficientes. Mas o Brasil falha no mais básico. Uma das melhores métricas de eficiência para o controle de uma epidemia foca no número de testes por caso diagnosticado (que mostra o esforço em se identificar contactantes). Os demais países com PIB semelhante (e também com serviço de saúde público, como o Brasil), fazem entre 5 vezes (França) a 7 vezes mais teste (Canadá) por pessoa diagnosticada que o Brasil.

E a situação é semelhante quando comparamos o Brasil com os 20 países com maiores números de casos. Em número de testes por casos confirmados ficamos abaixo, além dos óbvios países desenvolvidos, também de países como o Paquistão (69% a mais), Bangladesh (11% a mais), Peru (25% a mais). O gráfico a seguir mostra a proporção de testes por diagnóstico que cada um desses países fez em relação ao Brasil. Apenas dois fizeram menos, Argentina e México. A maioria fez muito mais. Alguns sequer cabem no gráfico, como a Inglaterra, que faz 1206% mais testes que o Brasil por caso diagnosticado.

Evolução da Epidemia

Os dois gráficos abaixo são emblemáticos. O Brasil acaba de atingir 3 milhões de casos. Foram necessários 112 dias para atingir o primeiro milhão, 30 dias para atingir o segundo milhão, e 23 dias para atingirmos o terceiro.

Parece ter se criado no Brasil o conceito de que a epidemia irá diminuir de intensidade naturalmente. Isso se baseia no fato de que outros países achataram a curva. Mas achataram por agirem. O que vemos no Brasil é o anti-achatamento da curva. Estamos adicionando casos com velocidade crescente, não decrescente. E também mortos. Aonde se vê melhora? Foram necessários 66 dias para que os primeiros 25 mil óbitos acontecessem, e desde então outros 25,000 acontecem cada 25 dias. A despeito da subnotificação, os dados oficiais mostram que no Brasil morre uma pessoa a cada 86 segundos pelo COVID.

Achatamento da Curva

O Brasil não passou de ano no curso “Economia dos Micróbios”. A desconstrução da informação levou ao conceito de que devemos retomar a atividade econômica a qualquer custo. Mas para retomarmos a atividade econômica (e isso se aplica também a volta as escolas e a normalidade em um sentido mais amplo), primeiro precisa-se debelar a epidemia. No gráfico abaixo apresento a experiência de Nova Iorque, Itália e Canadá, dois deles brutalmente afetados (Nova Iorque e Itália). Note-se que, a despeito do enorme sucesso, esses locais continuam tomando todas as precauções. Nova Iorque não reabriu teatros e muitas outras atividades. O Canadá não terá aulas presenciais plenas e tem suas fronteiras fechadas.

Mas o que acontece quando adicionamos o Brasil ao gráfico (abaixo, em verde)? Nada pode ser mais elucidativo. Esse, para mim, é o gráfico que melhor ilustra a mediocridade do nosso pensamento atual. Para se voltar a um mínimo de normalidade (comércio, escolas), há que primeiro controlar-se a epidemia. Podemos lutar contra isso até o fim dos tempos, e tomarmos todas as cloroquinas existentes no mundo (que, a propósito, se funcionassem, teriam melhorado as nossas curvas de mortalidade). Enquanto não agirmos com seriedade e decência, não existirá normalidade no nosso horizonte.

Liderança

Vale a pena refletir sobre a nossa própria culpa nessa situação. Trivializamos a dor, relativizamos a importância do conhecimento. Alguns exemplos para reflexão.

O Ministério da Saúde no Canadá é liderado por Dr. Theresa Tam, especialista em doenças infecciosas infantis. Nascida na China, foi co-líder de estudo em 2006 que focava nas preparações necessárias para se prevenir contra epidemias, após o SARS. Segundo a OMS, ela previu a epidemia do COVID com extraordinária precisão. Antes disso havia liderado esforços no Canadá para conter a epidemia de uso de narcóticos. Liderou a resposta contra o SARS, H1N1, Ebola, e representa o país na OMS. Alerta contra os riscos de se confiar na eficácia das vacinas em desenvolvimento, em detrimento de atuações mais óbvias.

Os EUA, que tem atuação tão desastrosa como o Brasil, só não está em situação pior graças a atuação do Dr Anthony Fauci, que tem coragem e credenciais para se opor a Donald Trump. É diretor da agência de Saúde desde 1984. Liderou a ação contra as epidemias de Ebola e Zika. Aconselhou seis presidentes e foi o principal arquiteto do plano de emergência para o combate a AIDS, que salvou milhões de vidas, e pela qual é considerado uma lenda pelos pacientes e organizações de suporte.

A coordenação de saúde brasileira é liderada pelo General Pazuello. De acordo com Wikipedia, o general atuou na coordenação das tropas do Exército nos Jogos Olímpicos de 2016 e, desde fevereiro de 2018, coordenou a Operação Acolhida, que cuida de refugiados da Venezuela em Roraima, além de servir previamente como Secretário da Fazenda no Governo do Estado de Roraima no período da intervenção federal. Em 8 de janeiro de 2020, deixou a coordenação da operação para comandar a 12ª Região Militar, em Manaus. Dotado de experiência logística e operacional, possui extenso treinamento militar e extensa inexperiência em saúde.

A despeito da dor e da perda ocasionadas por essa epidemia, o que se nos apresenta é de decisão simples. Podemos proceder racionalmente, a exemplo de vários países, e valorizar a vida, seja por humanismo ou por interesse econômico. Ou persistir em rota genocida, brigando por cloroquina, cânfora, ozônio intrarretal. Disputando o óbvio. Falando da gripinha. Não usando máscaras. Não fazendo um isolamento coordenado. E, paradoxalmente, esperando por uma vacina, um grande avanço da ciência. Que ainda não sabemos se funcionará bem e prolongadamente. Mas essa é outra história. Sempre dá para cloroquinizar uma vacina!

*Marcelo Eduardo Bigal é médico neurologista e pesquisador, com doutorado em neurociências pela USP. Possui 320 artigos publicados em revistas científicas internacionais, e publicou cinco livros médicos. É CEO de uma companhia de biotecnologia, com sede em Boston, dedicada ao desenvolvimento médico na área de imunologia.

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Juarez Guimarães Thomas Piketty Flávio R. Kothe Ricardo Fabbrini Liszt Vieira Manchetômetro Julian Rodrigues Igor Felippe Santos Fernão Pessoa Ramos João Feres Júnior Antonino Infranca José Machado Moita Neto Anderson Alves Esteves Kátia Gerab Baggio João Adolfo Hansen João Sette Whitaker Ferreira Paulo Nogueira Batista Jr Michel Goulart da Silva Maria Rita Kehl Berenice Bento Jorge Luiz Souto Maior Fernando Nogueira da Costa Remy José Fontana Luiz Marques Lincoln Secco Alexandre de Lima Castro Tranjan Gabriel Cohn Salem Nasser Leonardo Boff Daniel Costa Lorenzo Vitral Valerio Arcary Carla Teixeira Ricardo Antunes Leda Maria Paulani Luciano Nascimento Eliziário Andrade Benicio Viero Schmidt Ronald Rocha José Micaelson Lacerda Morais Marcelo Guimarães Lima Marcelo Módolo Bento Prado Jr. Michael Roberts Ronald León Núñez Vanderlei Tenório João Carlos Loebens Luiz Renato Martins Alysson Leandro Mascaro Eduardo Borges Gilberto Maringoni Érico Andrade Marcos Aurélio da Silva Lucas Fiaschetti Estevez Paulo Fernandes Silveira Matheus Silveira de Souza Celso Frederico Bernardo Ricupero José Costa Júnior Rubens Pinto Lyra Fábio Konder Comparato Mariarosaria Fabris Jorge Branco Luiz Bernardo Pericás José Geraldo Couto José Raimundo Trindade José Luís Fiori Marcos Silva Dennis Oliveira Francisco Fernandes Ladeira Otaviano Helene Tales Ab'Sáber Tarso Genro Paulo Capel Narvai Airton Paschoa Luiz Werneck Vianna Celso Favaretto Bruno Machado Eleutério F. S. Prado Plínio de Arruda Sampaio Jr. Daniel Brazil Marilia Pacheco Fiorillo Flávio Aguiar Leonardo Sacramento Priscila Figueiredo Alexandre Aragão de Albuquerque Antonio Martins Marilena Chauí Sergio Amadeu da Silveira Rafael R. Ioris Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Francisco de Oliveira Barros Júnior Sandra Bitencourt Luiz Carlos Bresser-Pereira Marcus Ianoni Gerson Almeida Eleonora Albano Antônio Sales Rios Neto Paulo Martins Caio Bugiato Ladislau Dowbor Tadeu Valadares Gilberto Lopes Henri Acselrad Marjorie C. Marona João Carlos Salles Walnice Nogueira Galvão João Paulo Ayub Fonseca Chico Whitaker João Lanari Bo Daniel Afonso da Silva José Dirceu Andrew Korybko Afrânio Catani Osvaldo Coggiola Ronaldo Tadeu de Souza Henry Burnett Luís Fernando Vitagliano Slavoj Žižek Mário Maestri Luiz Roberto Alves Jean Pierre Chauvin Claudio Katz Samuel Kilsztajn Dênis de Moraes Eugênio Bucci Ricardo Musse Ricardo Abramovay Manuel Domingos Neto Carlos Tautz Atilio A. Boron André Singer Annateresa Fabris Boaventura de Sousa Santos Paulo Sérgio Pinheiro Bruno Fabricio Alcebino da Silva Vladimir Safatle Jean Marc Von Der Weid Andrés del Río Michael Löwy Alexandre de Freitas Barbosa Francisco Pereira de Farias Elias Jabbour Heraldo Campos Rodrigo de Faria Vinício Carrilho Martinez Everaldo de Oliveira Andrade Eugênio Trivinho Denilson Cordeiro Yuri Martins-Fontes Renato Dagnino Anselm Jappe Luiz Eduardo Soares Milton Pinheiro Ari Marcelo Solon André Márcio Neves Soares Chico Alencar Luis Felipe Miguel Leonardo Avritzer Armando Boito

NOVAS PUBLICAÇÕES