Um presidente e os 100 mil mortos por Covid-19

Imagem_Oto Vale
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por Kátia Gerab Baggio*

Bolsonaro não governa, não preside, apenas mente e engana os que se deixam enganar, por idolatria ou má fé

Se Jair Bolsonaro agisse, de fato, como presidente da República, ele teria falado à população brasileira, no sábado, 8 de agosto, em rede nacional, por meio das emissoras de televisão, rádio e internet.

Mas ele apenas ocupa o cargo, não atua como presidente, não governa. Por isso, não merece ser chamado de presidente, apesar de eleito (utilizando-se de métodos espúrios, como já foi comprovado). Por isso, não há governo, e sim desgoverno.

E o que falaria, em rede nacional, um presidente de fato, neste momento em que a pandemia matou 100.000 pessoas no Brasil (na verdade, muito mais, em razão da subnotificação nos atestados de óbito)?

Lamentaria, sim, e com sinceridade, as mortes, e daria condolências às famílias enlutadas.

Mas, acima de tudo, prestaria contas à população brasileira sobre todas as medidas já tomadas para combater o avanço da pandemia, melhorar o atendimento aos doentes (de covid-19 e de outras enfermidades) por meio da estrutura do SUS, e reativar a economia, em crise profunda.

Além disso, daria informações, da maneira mais clara possível, sobre as medidas que seriam adotadas nos próximos meses, tanto de políticas de saúde pública como econômicas e sociais.

Também daria entrevistas coletivas, com liberdade para os jornalistas fazerem perguntas.

Como nada disso acontece, e Jair não admite questionamentos — pelo contrário, agride, com ofensas e violência verbal, os(as) jornalistas (e todas as pessoas que façam quaisquer objeções aos seus métodos e modos grosseiros e autoritários) —, não há uma democracia de fato, hoje, no Brasil.

E o que faz Bolsonaro? Apenas lives na internet, com sua fala truncada e vocabulário desconexo, para fazer propaganda de um medicamento sem eficácia comprovada contra a covid-19. Em sua última live, na quinta, 6 de agosto — ao lado do ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello (interino há quase três meses, que militarizou o ministério em meio à pandemia) —, disse apenas que “lamenta todas as mortes” e completou: “mas vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”.

Essa não é uma atitude de um presidente da República. É papo de botequim, conversa de esquina, sem nenhum compromisso com nada. E, muito menos, com a nação.

Bolsonaro não governa, não preside, apenas mente e engana os que se deixam enganar, por idolatria ou má fé.

Como explicar que milhões de brasileiros e brasileiras continuem apoiando “isso aí” — segundo várias pesquisas de opinião —, depois de mais de 19 meses de desgoverno de um desqualificado que jamais poderia ocupar o cargo de presidente da República? Um sujeito que debocha e desdenha dos problemas mais sérios da população?

Foram anos seguidos de criminalização da política e desconstrução dos valores democráticos, em que o ovo da serpente do neofascismo foi chocado. E são milhões a receberem o auxílio emergencial, em um momento de desespero e desalento.

Que não tenhamos ilusões. Reconstruir a democracia não será tarefa nada simples, nada fácil. Será longa e penosa.

Esse período ficará marcado, na história brasileira, pela tragédia e pela mais absoluta vergonha.

E, mais uma vez, os militares brasileiros, na sua grande maioria — por ação ou omissão —, serão corresponsáveis pela tragédia e pela vergonha.

* Kátia Gerab Baggio é professora de História das Américas na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

O anti-humanismo contemporâneo
Por MARCEL ALENTEJO DA BOA MORTE & LÁZARO VASCONCELOS OLIVEIRA: A escravidão moderna é basilar para a formação da identidade do sujeito na alteridade do escravizado
Discurso filosófico da acumulação primitiva
Por NATÁLIA T. RODRIGUES: Comentário sobre o livro de Pedro Rocha de Oliveira
Desnacionalização do ensino superior privado
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Quando a educação deixa de ser um direito para se tornar commodity financeira, 80% dos universitários brasileiros ficam reféns de decisões tomadas em Wall Street, não em salas de aula
Cientistas que escreveram ficção
Por URARIANO MOTA: Cientistas-escritores esquecidos (Freud, Galileu, Primo Levi) e escritores-cientistas (Proust, Tolstói), num manifesto contra a separação artificial entre razão e sensibilidade
Oposição frontal ao governo Lula é ultra-esquerdismo
Por VALERIO ARCARY: A oposição frontal ao governo Lula, neste momento, não é vanguarda — é miopia. Enquanto o PSol oscila abaixo dos 5% e o bolsonarismo mantém 30% do país, a esquerda anticapitalista não pode se dar ao luxo de ser 'a mais radical da sala'
Gaza - o intolerável
Por GEORGES DIDI-HUBERMAN: Quando Didi-Huberman afirma que a situação de Gaza constitui "o insulto supremo que o atual governo do Estado judaico inflige àquilo que deveria continuar sendo seu próprio fundamento", expõe a contradição central do sionismo contemporâneo
O sentido na história
Por KARL LÖWITH: Prefácio e trecho da Introdução do livro recém-editado
A situação futura da Rússia
Por EMMANUEL TODD: O historiador francês revela como previu "retorno da Rússia" em 2002 baseado em queda da mortalidade infantil (1993-1999) e conhecimento da estrutura familiar comunitária que sobreviveu ao comunismo como "pano de fundo cultural estável"
Guerra nuclear?
Por RUBEN BAUER NAVEIRA: Putin declarou os EUA "patrocinadores de terrorismo", e agora duas superpotências nucleares dançam na beira do abismo enquanto Trump ainda se vê como pacificador
Os desencontros da macroeconomia
Por MANFRED BACK & LUIZ GONZAGA BELLUZZO: Enquanto os 'mídiamacro' insistirem em sepultar a dinâmica financeira sob equações lineares e dicotomias obsoletas, a economia real seguirá refém de um fetichismo que ignora o crédito endógeno, a volatilidade dos fluxos especulativos e a própria história
Romper com Israel já!
Por FRANCISCO FOOT HARDMAN: O Brasil deve fazer valer sua tradição altamente meritória de política externa independente rompendo com o Estado genocida que exterminou 55 mil palestinos em Gaza
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES