Governo Bolsonaro e meio ambiente

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Por OPHELIS DE A. FRANÇOSO JR. e JOSÉ PEREIRA WILKEN BICUDO*

No Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, eleito com base no desgaste político das esquerdas, o meio ambiente vive sua mais grave crise histórica

A direita e o neoliberalismo

Uma das características da direita política, aprofundada a partir do início dos anos 1980 e alicerçada na cartilha neoliberal, é uma ansiedade desmesurada pela obtenção de lucros a qualquer custo. Os lucros diretos ou indiretos advindos de políticas precipitadas, com uma visão de curto prazo e de caráter desenvolvimentista duvidoso, geralmente são distribuídos aos agentes econômicos majoritários, que via de regra sustentam um núcleo central de apoio a governos de direita. Este núcleo é formado por detentores de grandes capitais: banqueiros e rentistas, megaempresários do agronegócio e empreendedores abastados, principalmente na área de serviços, aptos e capazes de manejar vastos volumes de recursos e de comercializar produtos e serviços em escala internacional. Os governos que se apoiam na cartilha neoliberal, entre os quais o do Brasil, têm sido altamente permissivos na implementação de políticas caracterizados pela busca de uma rápida expansão das fronteiras agrícolas e da indústria de serviços, institucionalizando a precarização do trabalho junto a grande parte da população, vista como uma submissa fonte de mão de obra e cujos salários nada mais são que um passivo monetário a ser contido em nome dos lucros máximos.

A paciência necessária para aguardar a recuperação e renovação dos recursos naturais, para o crescimento econômico sustentável e para compartilhar as riquezas de um país, constituem obstáculos a serem contornados ou removidos de forma a atingir rapidamente obscuros objetivos desenvolvimentistas imediatos. Por isso costumam ter pouco ou nenhum apreço pelas instituições e constituições democráticas, tidas como entraves a esses objetivos, uma vez que a mobilidade nesse campo exige tempo com negociações e rearranjos sociais. Suas práticas incluem também o combate a alvos que ofereçam alguma resistência: representantes legislativos, comunidade judiciária, cientistas, professores, pensadores, imigrantes, artistas, partidos progressistas, mídia crítica, etc. No plano cultural governos de direita frequentemente se apoderam de bandeiras nacionais utilizando-as integralmente ou em parte como símbolos de suas próprias facções políticas objetivando caracterizar os opositores como sabotadores do país.

Para recorrer a uma metáfora, podemos imaginar uma árvore frutífera e um grupo de famintos que dela depende. A maior parte desse grupo defende aguardar o tempo de amadurecimento de todos os frutos para então colhê-los e distribuí-los visando matar a fome de todos. Uma minoria, entretanto, formada por tiranos, se divide entre conter a população enquanto outros sequestram os poucos frutos disponíveis pouco antes da época adequada, os quais são avidamente consumidos sem partilhar com os demais. Finalmente, após a colheita prematura, ainda destroem a árvore para usar a madeira em proveito próprio, deixando famintos e ao relento, o restante do grupo.

Portanto, um dos braços fortes dos governos direitistas são as forças policiais, de segurança e as milícias, destinatários naturais de uma parte considerável dos recursos financeiros. A presença de vários de seus membros em postos-chave de comandos, além de garantir a integridade do governo, legitimam um discurso recorrente de “governo forte”; supostamente, o mais credenciado para acabar com a corrupção, até mesmo em lugares onde ela não existe.

Experiências de direita e de extrema-direita abundam no mundo. Além dos clássicos exemplos dos governos nazifascistas violentos da Alemanha e da Itália no período de entre-guerras, a direita chegou ao poder na Turquia e nas Filipinas, exemplos de países mais vulneráveis ao populismo que geralmente se aproveita da ineficiência crônica dos sistemas educacionais empobrecidos e da corrupção endêmica. Outros países como Estados Unidos, Áustria, Dinamarca, Hungria, Noruega, Polônia, e Suíça também vivenciam hoje governos de direita, mas nestes, as instituições e as políticas de proteção social, há anos vigentes, são suficientemente sólidas para conter os ímpetos predatórios dos governantes de qualquer matiz autoritário ou autocrático. Ademais, a direita europeia tem crescido mais com base no discurso de contenção dos refugiados do que pelas promessas de um crescimento econômico sustentável, embora estas façam também parte do cardápio eleitoral.

O meio ambiente

Como dito mais acima, os governos e eleitores de direita, e notadamente os de extrema-direita, em geral têm pouco ou quase nenhum apreço pela conservação ambiental. No Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, eleito com base no desgaste político das esquerdas, o meio ambiente vive sua mais grave crise histórica.

Já durante a transição de governo, Bolsonaro tentou rebaixar o Ministério do Meio Ambiente a uma secretaria subordinada ao Ministério da Agricultura, este fortemente aderido aos interesses predatórios do grande agronegócio. Devido às fortes repercussões negativas do ato, seus próprios auxiliares recomendaram um recuo nessa intenção. Entretanto, tão clara era sua determinação que ele escolheu um ministro processado por crime ambiental, que desconsidera o aquecimento global e que defende o grande latifúndio. Em uma recente reunião o escolhido ministro Ricardo Salles, aproveitando-se da atenção da sociedade, mais voltada para a crise pandêmica da saúde, manifestou textualmente sua intenção de abrandar a legislação ambiental como se fosse “passar uma boiada por uma porteira aberta”.

Em consonância com sua política, Bolsonaro também começou o mandato contestando vigorosamente os dados oficiais de desmatamento anunciados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que possibilitava a consolidação confiável de dados que mostravam as reais dimensões das áreas amazônicas devastadas. Em ato discriminatório, o respeitado diretor Eduardo Galvão seria demitido apenas por anunciar números desfavoráveis, evidenciando a influência da eleição sobre os desmatadores, que agiram mediante um certo “aval político” implícito advindo do discurso presidencial.

Passando à prática cotidiana, o mandatário tem agido como uma força bruta para desmantelar as atividades sustentáveis e preservacionistas construída há décadas, e que colocavam o Brasil como um dos expoentes mundiais da liderança ambientalista. Àquela época – podemos nos lembrar – devido à crônica falta de recursos, ainda tínhamos grandes dificuldades para fazer valer plenamente a legislação do setor. Não obstante esse cenário, numerosos atos têm piorado a situação chegando a níveis inadmissíveis. Em apenas um ano e meio de governo, Bolsonaro conseguiu desmontar o que se levou mais de duas décadas de esforços, senão vejamos.

Medidas administrativas:

Transferência do Serviço Florestal Brasileiro, do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, subordinando o destino das florestas ao interesse do agronegócio.
Revogação da portaria que permitia aos fiscais ambientais destruir legalmente equipamentos apreendidos de madeireiros e garimpeiros criminosos, comprados com recursos oriundos de crimes ambientais.
Limitação da autonomia de técnicos e da segurança de campo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).

Medidas legais:

Revisão da lista de espécies aquáticas ameaçadas.
Redução ou extinção de fronteiras das Unidades de Conservação.
Alteração da futura lei de licenciamento ambiental, tornando-a exceção ao invés de regra.
Revisão dos impostos aplicados a empresas potencialmente causadoras de danos ambientais.
Flexibilização e redução do valor das multas impetradas aos que cometem crimes ambientais.
Revogação do decreto que proibia o avanço das monoculturas de cana-de-açúcar sobre o Pantanal e a Floresta Amazônica.
Liberação e simplificação dos requisitos para a comercialização de agrotóxicos, muitos proibidos em países do primeiro mundo.
Autorização do leilão de sete blocos de petróleo localizados em regiões de alta sensibilidade ambiental, ignorando os relatórios técnicos do Ibama recomendando o contrário.

Política externa

O governo tem optado pela negação ou minimização do aquecimento global, uma realidade científica sustentada por uma miríade de provas de alta robustez. Bolsonaro e seus ministros têm feito declarações contraditórias sobre a manutenção do Brasil como signatário do Acordo de Paris[i], gerando tensões e incertezas na comunidade internacional[ii]. Ademais, devido às fracas políticas de contenção do desmatamento amazônico e à extinção dos conselhos gestores, diversos países, notadamente a Noruega e a Alemanha, interromperam o fluxo de recursos do Fundo da Amazônia, que financiava projetos de proteção ambiental. Diversos atores econômicos da comunidade internacional veem com desconfiança a manipulação de números e a negligência do governo frente ao avanço das queimadas no Centro-Oeste e no Norte do país.

Política fundiárias e povos da floresta

Os chamados povos da floresta são os habitantes da Região Amazônica (mas não restritos a ela) que vivem em harmonia com o ecossistema, extraindo seus recursos para subsistência, porém sem esgotá-los. Geralmente são formados por gerações que se sucedem, cujas populações estáveis, vivem há anos nas mesmas áreas. O principal desses povos são os indígenas, radicados há milhares de anos. Entretanto, a partir dos últimos séculos, povos ribeirinhos, quilombolas, seringueiros, castanheiros, pequenos agricultores e pescadores passaram a viver da extração de produtos como a borracha, a castanha, a balata, os óleos vegetais e tantos outros. Esses povos, que se assentaram em pequenas aldeias palafíticas ou em terra firme, precisam da mata íntegra e dos rios limpos para utilizar os recursos naturais sem destruí-los. Portanto, são verdadeiros guardiães da floresta, denunciando eventuais invasores e desequilíbrios.

No plano político, os governos de direita e extrema-direita os menosprezam uma vez que constituem minorias que causam entraves aos planos expansionistas dos agentes do agronegócio, dos pecuaristas, dos garimpeiros, dos grandes empreendedores, dos madeireiros ilegais e dos grileiros, inimigos históricos da floresta íntegra. E com Bolsonaro, não é diferente. Um dos alvos de seus ataques é justamente suas terras, o ponto nevrálgico para sobrevivência desses povos. Por isso, a manipulação fundiária e a flexibilização do uso de armas têm provocado um aumento na violência não somente contra os povos da floresta, mas também na estrutura agrária de todo o país.

Medidas fundiárias:

Redução e bloqueio de novas demarcações de áreas indígenas e quilombolas.
Suspensão dos processos relacionados à reforma agrária, de interesse da agricultura familiar.
A regularização fundiária via auto-declaração, que permite a grileiros a legalização de terras apropriadas ilegalmente.
Expansão das fronteiras do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (Alcântara, MA), e a consequente remoção de quilombolas e de descendentes indígenas, residentes do entorno.

Política indigenista

Estreitamente ligado à política fundiária, o governo procura exterminar os índios que exercem o papel de verdadeiros guardiães das florestas e dos ambientes naturais. Um dos flancos para o seu progressivo extermínio é a regulamentação favorável da exploração mineral, da construção de hidrelétricas, e da exploração de petróleo e gás em terras demarcadas. Esses empreendimentos costumam gerar impactos violentos nos ecossistemas; por isso necessitam ser acompanhados por um rigoroso esquema de compensação ambiental e social. Nesse embate, os indígenas são extremamente vulneráveis e por isso, necessitam de proteção e acompanhamento.

O governo Bolsonaro, por seu turno, sinaliza que os órgãos públicos devem trabalhar para que os indígenas sejam plenamente integrados à população urbana, colaborando assim para acelerar seus respectivos processos de extinção. Por isso, o governo tem nomeado evangelizadores, cuja filosofia é a de substituir os valores culturais dos povos indígenas pelos dos brancos, para coordenar essa transição social. À parte o histórico daqueles grupos religiosos, de praticarem exploração trabalhista e sexual com as populações vulneráveis, desconsiderou-se também o trabalho realizado há décadas pelos antropólogos da Fundação Nacional do Índio (Funai) que detém todos os conhecimentos para decidir sobre a pertinência de qualquer integração e, caso ela ocorra, proteger os valores cultivados há séculos por essas populações. Caso contrário, o Brasil perde um patrimônio cultural de inegável valor, e as florestas perdem seus principais aliados.

O fim

Ao menos no plano ambiental, Jair Bolsonaro não está sozinho. Ao seguir à risca as cartilhas dos partidos de direita e extrema-direita, ele representa o que faria qualquer governante desse matiz ideológico. Ainda a partir do ponto de vista ambientalista, reconheçamos que Bolsonaro é extremamente transparente. Desde antes de sua eleição como presidente, ainda na posição de deputado federal, ele sempre deixou claro suas intenções ao pregar a necessidade de um governo militarizado, que governasse para parcelas da população fiéis aos seus credos e frontalmente contra qualquer valor sustentável. Guardadas as devidas proporções, o governo norte-americano de Donald Trump faz o mesmo, assim como os demais anteriormente mencionados. Talvez fosse importante, ao menos hipoteticamente e sob o ponto de vista do aprendizado histórico, que o povo brasileiro soubesse o que é ser governado por um partido de extrema-direita. O lamentável é que o preço da realidade está sendo alto demais.

*Ophelis de A. Françoso Jr é Biólogo, mestre e doutor pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

*José Eduardo Pereira Wilken Bicudo é Biólogo, Professor Titular aposentado do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo e Professor Honorário da Universidade de Wollongong (Austrália).

Notas:


[i] O Acordo de Paris é um tratado que rege medidas de redução de emissão de gases estufa a partir de 2020, a fim de conter o aquecimento global abaixo de 2 ºC, e reforçar a capacidade dos países de responder ao desafio, em um contexto de desenvolvimento sustentável.

[ii] Darby, M. Brazil: Bolsonaro threatens to quit Paris climate deal. Climate. Exchange News, 14 de agosto de 2018; Bilenky, T., T. Fernandes & P. Watanabe. Aquecimento global é tema secundário, diz futuro ministro. Folha de São Paulo, 10/12/2018, p. B9.

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