A influência de Bolsonaro

Imagem: Valéria Possos
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por HELENA MARTINS*

Como a polarização afeta o consumo de informação política

A polarização causada por Jair Bolsonaro identificada na pesquisa “A Cara da Democracia: Eleições 2020” também é visível quanto o assunto é a mídia. De acordo com o levantamento, os entrevistados que avaliam o governo Bolsonaro como ótimo ou bom apontaram as seguintes emissoras como o seu principal meio de informação sobre política na TV aberta: Record (52%), Bandeirantes (45%), SBT (42%). A Globo aparece depois, com apenas 24%.

Os números não coincidem com a média da audiência. O Mídia Dados 2019, do Grupo de Mídia de São Paulo, registra que as emissoras mais assistidas na TV aberta são: Globo (36%), Record (15%), SBT (15%) e Bandeirantes (3%). Outras (Record News, TV Brasil, TV Câmara, TV Justiça, TV Senado, para citar algumas) somam 29%, dado que expressa dispersão da audiência, ainda que o controle da maior parte dela por parte dos maiores grupos se mantenha.

A mudança parece mostrar que as campanhas de Bolsonaro contra o Grupo Globo, que incluiu ameaça de cassar a concessão após reportagem do Jornal Nacional mencionar o nome de  Bolsonaro entre os citados na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, e sua aproximação com Record e SBT, TVs que o beneficiam desde o período eleitoral de 2018 e que têm sido agraciadas com mais verbas publicitárias, têm surtido efeito. Não deixa de ser irônica a situação, já que a Globo teve papel determinante na construção do sentimento antipolítica e no golpe que levou ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff em 2016, como já demonstrei em outras ocasiões.

Analisando a pesquisa do INCT (Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação), vemos que as opções da audiência vão migrando de acordo com a avaliação do governo. Entre os que o consideram regular, a Globo aproxima-se da liderança que efetivamente possui, com 33%. Ainda assim, os três outros grupos com maior projeção registram patamares expressivos: SBT (32%), Bandeirantes (31%) e Record (29%). Outras emissoras também foram apontadas com destaque pelo eleitorado, o que confirma a dispersão para outros canais.

Já entre os que consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo, a fonte de informação sobre política na TV aberta preponderante é a Globo (43%), seguida com maior intervalo pelas demais: SBT (26%), Bandeirantes (23%) e Record (20%).

O índice de confiança da pesquisa é de 95% e a margem de erro é de 2,2 pontos para os dados nacionais. Já nos resultados regionais a margem de erro varia. Ao todo, foram consultadas duas mil pessoas entre os dias 24 de outubro e 3 de novembro.

Os dados são importantes porque, como também mostra a pesquisa, os noticiários da TV aberta seguem apontados como o principal meio de informação sobre a política (36%). Em segundo lugar, está o buscador da Google (10%), seguido de blogs de internet (10%) e Facebook (8%). O WhatsApp, que tem sido o foco das preocupações com desinformação desde 2018, aparece com 2%, atrás inclusive do Instagram, com 3%. Isso não deve nos levar a menosprezar o papel das redes sociais, mas sim notar a permanência da importância da TV, que inclusive acaba pautando a conversação nas demais plataformas. Para dar um exemplo, cerca de 80% do que se escreve no Twitter deriva de conteúdos televisivos.

Como tem sido apontado neste Observatório, dificilmente essa dinâmica de polarização, com amplo apoio a Bolsonaro, apesar de tudo, se refletirá com a mesma força nos votos. As eleições municipais têm dinâmicas mais particulares e, no caso destas, também pesa a situação da pandemia e a avaliação da atuação de governadores e prefeitos no combate a covid-19. Não obstante, os dados são interessantes para notarmos que a influência de Bolsonaro, expressão maior da extrema direita no Brasil, não é superficial. Ela tem modificado efetivamente a cultura, inclusive o consumo dos meios de comunicação, instituições centrais para a formação das identidades, valores, gostos e para o próprio debate democrático.

*Helena Martins, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), é jornalista e integrante do Intervozes.

Publicado originalmente no Observatório das Eleições 2020 do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação (INCT/IDDC).

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Os véus de Maya
Por OTÁVIO A. FILHO: Entre Platão e as fake news, a verdade se esconde sob véus tecidos por séculos. Maya – palavra hindu que fala das ilusões – nos ensina: a ilusão é parte do jogo, e desconfiar é o primeiro passo para enxergar além das sombras que chamamos de realidade
Régis Bonvicino (1955-2025)
Por TALES AB’SÁBER: Homenagem ao poeta recém-falecido
Distopia como instrumento de contenção
Por GUSTAVO GABRIEL GARCIA: A indústria cultural utiliza narrativas distópicas para promover o medo e a paralisia crítica, sugerindo que é melhor manter o status quo do que arriscar mudanças. Assim, apesar da opressão global, ainda não emergiu um movimento de contestação ao modelo de gestão da vida baseado do capital
A fragilidade financeira dos EUA
Por THOMAS PIKETTY: Assim como o padrão-ouro e o colonialismo ruíram sob o peso de suas próprias contradições, o excepcionalismo do dólar também chegará ao fim. A questão não é se, mas como: será por meio de uma transição coordenada ou de uma crise que deixará cicatrizes ainda mais profundas na economia global?
Na próxima vez em que encontrar um poeta
Por URARIANO MOTA: Na próxima vez em que encontrar um poeta, lembre-se: ele não é um monumento, mas um incêndio. Suas chamas não iluminam salões — consomem-se no ar, deixando apenas o cheiro de enxofre e mel. E quando ele se for, você sentirá falta até de suas cinzas
Síndrome da apatia
Por JOÃO LANARI BO: Comentário sobre o filme dirigido por Alexandros Avranas, em exibição nos cinemas.
O ateliê de Claude Monet
Por AFRÂNIO CATANI: Comentário sobre o livro de Jean-Philippe Toussaint
Aura e estética da guerra em Walter Benjamin
Por FERNÃO PESSOA RAMOS: A "estética da guerra" em Benjamin não é apenas um diagnóstico sombrio do fascismo, mas um espelho inquietante de nossa própria era, onde a reprodutibilidade técnica da violência se normaliza em fluxos digitais. Se a aura outrora emanava a distância do sagrado, hoje ela se esvai na instantaneidade do espetáculo bélico, onde a contemplação da destruição se confunde com o consumo
Donald Trump ataca o Brasil
Por VALERIO ARCARY: A resposta do Brasil à ofensiva de Trump deve ser firme e pública, conscientizando o povo sobre os perigos crescentes no cenário internacional
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES