Algumas consequências da operação Lava Jato

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por Fábio Konder Comparato*

Até hoje, praticamente em todos os países, o controlador de uma empresa privada é considerado como seu dono ou proprietário. Nessa condição, ele pode usá-la ou dela dispor como um bem integrante de seu patrimônio, independentemente da dimensão da empresa, seja ela unipessoal ou multinacional. E de acordo com o dogma básico do sistema capitalista, a supressão dessa propriedade é inadmissível.

Mas em que consiste realmente uma empresa? Entra ela na classificação das diferentes espécies de bens, constante do Livro II da Parte Geral do Código Civil Brasileiro? Certamente não, pois toda empresa é integrada também pelos trabalhadores, seus empregados; pelo menos enquanto os avanços da robótica não os fizerem totalmente dispensáveis…

Pois bem, o Livro II da Parte Especial do novo Código Civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, tem por objeto o Direito de Empresa. Em nenhum de seus artigos, porém, consta a definição jurídica dessa instituição; regula-se, tão somente, a figura do empresário e o instituto do estabelecimento.

Acontece que toda organização empresarial, seja ela grande ou pequena, pode ser utilizada como instrumento para a prática de crimes. Os exemplos são múltiplos, bastando citar os mais comuns, como a corrupção ativa (Código Penal, art. 333), inclusive em transação comercial internacional (Código Penal, art. 337-B); a fraude em concorrência pública (Código Penal, art. 335), inclusive em transação comercial internacional (Código Penal, art. 337-C); ou os crimes contra o consumidor.

Sucedeu que, com o lançamento da chamada operação Lava Jato – a qual, segundo todas as evidências, foi concebida e orquestrada pelos norte-americanos – entraram em foco outras modalidades criminosas, cunhadas nos Estados Unidos, como a organização criminosa (Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013), além de novos meios processuais de prova, como a colaboração premiada (plea bargain), regulada nos artigos 4º e seguintes da mesma lei, e amplamente utilizada na operação Lava Jato. Graças a esses “americanismos”, multiplicaram-se processos criminais intentados contra empresários – sejam eles controladores ou membros da diretoria de grandes empresas – além de colaboradores de toda sorte, tais como intermediários e corretores.

A operação Lava Jato foi posta sob o comando de Deltan Dallagnol, membro do Ministério Público Federal muito ligado aos norte-americanos; e os processos criminais dela resultantes foram, desde o início, canalizados para uma Vara da Justiça Federal de Curitiba onde, por curiosa coincidência, atuava o Juiz Sérgio Moro; muito embora nenhuma das grandes empresas neles envolvidas, a começar pela Petrobras, tenha sede na Capital do Estado do Paraná.

Sérgio Moro foi considerado pela revista Fortune, em março de 2016 – exatamente no mês em que ocorreram os famosos protestos contra o governo de Dilma Roussef –, uma das cinquenta personalidades, tidas como líderes mundiais; foi, aliás, o único brasileiro incluído nessa lista. No mês seguinte, Moro foi designado pela revista Time uma das cem pessoas mais influentes do mundo, sendo mais uma vez o único brasileiro assim considerado.

As consequências da operação Lava Jato foram seríssimas para as empresas nela envolvidas e prejudicaram, indiretamente, a economia brasileira como um todo. Mas os empresários controladores de tais empresas, graças às delações que fizeram no esquema de colaboração premiada, conseguiram safar-se em grande parte das penas privativas de liberdade e pecuniárias, cominadas para os crimes de que foram denunciados. Ou seja, como sempre neste país, os empresários são mais importantes, sob todos os aspectos, que as empresas sob o seu comando.

Como resolver a charada? A solução me parece simples, mas dificilmente será levada em consideração no ambiente capitalista-oligárquico, em que sempre vivemos. Se os réus condenados nos processos criminais são os empresários e não as empresas, por que apenar duramente estas últimas e abrandar a punição daqueles? Seria muito mais racional e conforme ao bem comum determinar em lei que o cumprimento das penas pecuniárias seja feito mediante a penhora da participação dos controladores no capital social, participação essa que seria, findo o processo penal, vendida em leilão público.

Afinal, se o controle empresarial não é uma espécie de propriedade, mas sim um instrumento de poder, dentro e fora da empresa, quem abusa desse poder deve perdê-lo, a fim de não continuar a prejudicar o bem comum da sociedade.

*Fábio Konder Comparato é Professor Honorário da Faculdade de Direito da USP e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Carlos Tautz Vanderlei Tenório Celso Favaretto Gilberto Lopes João Adolfo Hansen Francisco Fernandes Ladeira Luiz Roberto Alves José Micaelson Lacerda Morais Rubens Pinto Lyra João Carlos Salles Fernando Nogueira da Costa Eleutério F. S. Prado Marcelo Guimarães Lima Flávio R. Kothe Eugênio Trivinho Lucas Fiaschetti Estevez Francisco de Oliveira Barros Júnior Elias Jabbour Everaldo de Oliveira Andrade João Carlos Loebens Marcos Silva Antonio Martins Sergio Amadeu da Silveira Luiz Carlos Bresser-Pereira Otaviano Helene Andrew Korybko Ronald Rocha Michael Roberts Claudio Katz Anderson Alves Esteves Sandra Bitencourt Milton Pinheiro Igor Felippe Santos Julian Rodrigues Ari Marcelo Solon José Costa Júnior Alysson Leandro Mascaro Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Andrés del Río Marilia Pacheco Fiorillo Tadeu Valadares Juarez Guimarães Ladislau Dowbor Leonardo Sacramento Berenice Bento Airton Paschoa Ricardo Abramovay Leonardo Avritzer Daniel Afonso da Silva Luís Fernando Vitagliano Jean Pierre Chauvin Maria Rita Kehl Francisco Pereira de Farias Ricardo Antunes Dênis de Moraes Yuri Martins-Fontes Luis Felipe Miguel Thomas Piketty Henry Burnett Matheus Silveira de Souza Samuel Kilsztajn André Márcio Neves Soares Antônio Sales Rios Neto Walnice Nogueira Galvão Alexandre de Lima Castro Tranjan Lorenzo Vitral Celso Frederico Bento Prado Jr. Marcos Aurélio da Silva Atilio A. Boron Vladimir Safatle Annateresa Fabris Renato Dagnino Ricardo Musse Luiz Renato Martins Eliziário Andrade Alexandre Aragão de Albuquerque André Singer Eleonora Albano Ricardo Fabbrini Marcus Ianoni Fábio Konder Comparato Jean Marc Von Der Weid Flávio Aguiar Rafael R. Ioris Dennis Oliveira Fernão Pessoa Ramos Remy José Fontana Luciano Nascimento Ronald León Núñez Mariarosaria Fabris Rodrigo de Faria Gilberto Maringoni Tarso Genro Afrânio Catani Michel Goulart da Silva Carla Teixeira Luiz Bernardo Pericás Osvaldo Coggiola Benicio Viero Schmidt Liszt Vieira Bruno Fabricio Alcebino da Silva Jorge Luiz Souto Maior Gerson Almeida Alexandre de Freitas Barbosa Chico Alencar Antonino Infranca Daniel Costa Paulo Sérgio Pinheiro Luiz Marques José Machado Moita Neto Paulo Martins Ronaldo Tadeu de Souza Kátia Gerab Baggio Armando Boito Valerio Arcary José Dirceu João Sette Whitaker Ferreira Slavoj Žižek João Lanari Bo José Geraldo Couto Gabriel Cohn Anselm Jappe Jorge Branco José Raimundo Trindade Boaventura de Sousa Santos Mário Maestri Marcelo Módolo João Feres Júnior Bernardo Ricupero Paulo Capel Narvai Eugênio Bucci Denilson Cordeiro Luiz Werneck Vianna Heraldo Campos Michael Löwy Leda Maria Paulani Daniel Brazil Marjorie C. Marona Paulo Fernandes Silveira Lincoln Secco Henri Acselrad Tales Ab'Sáber Manchetômetro Salem Nasser Luiz Eduardo Soares Plínio de Arruda Sampaio Jr. Vinício Carrilho Martinez Marilena Chauí Caio Bugiato Érico Andrade Paulo Nogueira Batista Jr Leonardo Boff José Luís Fiori Manuel Domingos Neto João Paulo Ayub Fonseca Bruno Machado Priscila Figueiredo Eduardo Borges Chico Whitaker

NOVAS PUBLICAÇÕES