Romper com Israel já!

Imagem: Alfo Medeiros
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Por FRANCISCO FOOT HARDMAN*

O Brasil deve fazer valer sua tradição altamente meritória de política externa independente rompendo com o Estado genocida que exterminou 55 mil palestinos em Gaza

“O século XX, que nasceu anunciando paz e justiça, morreu banhado em sangue e deixou um mundo muito mais injusto que o que havia encontrado. O século XXI, que também nasceu anunciando paz e justiça, está seguindo os passos do século anterior. Lá na minha infância, eu estava convencido de que tudo o que na terra se perdia ia parar na lua. No entanto, os astronautas não encontraram sonhos perigosos, nem promessas traídas, nem esperanças rotas. Se não estão na lua, onde estão? Será que na terra não se perderam? Será que na terra se esconderam?” (Eduardo Galeano, Espelhos: uma história quase universal).

1.

No momento em que escrevemos este chamamento, as notícias vindas dos principais jornais internacionais dão conta dos ataques aéreos de Israel sobre o Irã, alardeados desde há dois dias pelo celerado Donald Trump, valendo-se de argumentos mentirosos como foram os da invasão do Iraque pelos EUA em 2003: Teerã acumula “armas de destruição em massa” que põem em sério risco o Estado de Tel-Aviv e que são “ameaça significativa para o mundo inteiro”.

E mais, disse há pouco o genocida Benjamin Netanyahu, valendo-se, mais uma vez, do anteparo político-militar que lhe oferece o atual governo de extrema-direita dos EUA: que tendo concluído com sucesso sua primeira ofensiva aérea contra Teerã, tal operação “irá continuar tanto quanto necessária”.

Não será preciso avançar sobre raízes e riscos de mais uma aventura bélica que o regime sionista desencadeia agora, depois de ter produzido o extermínio direto de 55 mil pessoas em Gaza, de ter – em diversas ocasiões – noticiado o intento de dizimar completamente a população palestina em Gaza e, também, na Cisjordânia, seja pelos bombardeios diretos, diários e indiscriminados, seja pela expulsão do território, pelo avanço de colonos armados e pelo produção orquestrada de fome e doença a todos os sobreviventes desse Holocausto a céu aberto, a vivo e a cores para gáudio dos nostálgicos de Adolf e seus apaniguados, ontem e hoje.

Conclamamos o governo brasileiro que faça valer a tradição altamente meritória de nossa política externa independente, e sua atual posição de liderança junto ao BRICS. Isso significa, agora, dizer não ao genocídio do povo palestino perpetrado por um regime de anjos exterminadores capitaneados pelo sanguinário Bibi.

2.

Romper com Israel Já! Neste domingo, 15 de junho, em São Paulo, na Praça Roosevelt, não será mera demonstração étnico-nacional a resposta que possamos dar à enormidade da tragédia espraiada por toda a Palestina e, agora, estendendo seus tentáculos ameaçadores até Teerã, pondo em risco real, sim, os frágeis pilares da paz mundial.

Não, esse não é um apelo partidário ou ideológico: conclamamos você, judeu e judia de boa vontade (e, felizmente, por aqui e pelo mundo ainda são milhões) para vir a essa manifestação de empatia, a mais simples pela humanidade, de dizer não à guerra, de dizer não aos massacres continuados e dirigidos de mulheres, crianças, professoras, médicas, jornalistas, trabalhadoras voluntárias e funcionárias credenciadas da agência para refugiados palestinos da ONU (UNRWA), em atividade desde 1949.

Entre tantas vozes israelenses que se repetem na condenação dos crimes de guerra de Israel contra palestinos e árabes – mais recentemente agravados pelo uso de uma Fundação Humanitária de Gaza, criada e usada pelo Estado de Israel para pretensamente distribuir alimentos às multidões de esfomeados, mas que, na prática, são atraídos para áreas em que o exército continua seus ataques assassinos – vamos lembrar e aplaudir dois corajosos posicionamentos que indicam, como não poderia deixar de ser, que a retórica exterminadora de Bibi está perdendo sua força de convencimento, tanto em seu país como no resto do mundo.

Trata-se, entre eles, do ex-primeiro-ministro de Israel, entre 2006 e 2009, Ehud Olmert, de perfil conservador e ex-membro do Likud, e que, em artigo de opinião no jornal Haaretz, publicado em 27 de maio passado, afirmou que “milhares de palestinos inocentes estão sendo mortos, assim como muitos soldados israelenses” e que: “Nunca, desde sua criação, o Estado de Israel travou uma guerra como essa… A gangue criminosa liderada por Benjamin Netanyahu também estabeleceu um precedente sem igual na história de Israel nessa área”.

Ehud Olmert considerou, também, que as “vítimas inúteis entre a população palestina” estavam chegando a “proporções monstruosas” nas últimas semanas.

Outra voz que gostaríamos de sublinhar é a do historiador e pesquisador sobre Holocausto e genocídio na respeitável Universidade de Brown, EUA, professor Omer Bartov, cidadão israelense e ex-soldado de seu exército, nos anos 1970. Depois de muito estudar e refletir, disse Bartov que, a partir de maio de 2024, não teve mais nenhuma dúvida quanto ao caráter genocida das operações de Israel em Gaza, no sentido de tornar aquele território totalmente inabitável, exterminando e expulsando de lá a totalidade de seus habitantes. Sua longa entrevista à BBC News Mundo, em  11 de junho, é realmente esclarecedora e convincente.[i]

Até quando suportaremos esse império de mentiras a serviço de máquinas mortíferas sob comando de uma “gangue criminosa” (Olmert)? Até quando aceitaremos a insustentável hipocrisia que toma o Holocausto do povo judeu como licença para matar sem fim? Até quando permitiremos que a barbárie contemporânea siga o rumo de lideranças abertamente racistas, colonialistas, militaristas e cultivadoras do instinto de morte, que só sabem prosseguir pela senda de carnificinas auto celebratórias?

3.

Romper com Israel Já! Isto é: nenhuma relação comercial ou militar com o Estado genocida. A Palestina é aqui e agora. E viverá. Porque, como já se demonstrou no comovente e realista documentário vencedor do Oscar/2025, No Other Land (Sem Chão), quando negam a terra a um povo, este se agarra simplesmente à vida. Por mais trágica que ela se mostra, é à vida e não à morte que os palestinos se agarram. Bem ao contrário de seus algozes. E assim também valerá para o povo iraniano ora atacado e ameaçado.

O que, afinal, Bibi e seus asseclas não podem ou não querem entender, porque seu princípio sempre foi o do elogio à morte, permanecendo agarrados a ela como abutres sem alma. Fora de qualquer religião, fora de qualquer história.

Porque, simplesmente, este bando de criminosos abandonou, de há muito, à imagem e semelhança de tantos outros tiranos, entre eles um certo Adolf, qualquer apego à vida, qualquer simples balbucio de humanidade. Por isso, estão, mesmo que não saibam ou aleguem desconhecimento, condenados a desaparecer mais cedo do que imaginam. Para a vida, para a história, para a casa comum dos humanos.

*Francisco Foot Hardman é professor titular em Literatura e Outras Produções Culturais da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Minha China Tropical: crônicas de viagem (Unesp).

Nota


[i] Cf. ‘O que Israel faz em Gaza não tem precedentes no século 21’, diz historiador israelense especialista em Holocausto. BBC News Brasil, 11 junho 2025.


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