A política tarifária do governo dos EUA

Imagem: Tom Fisk
image_pdf

Por LAURO MATTEI*

Poucos governos estão seguindo Donald Trump no caminho de retorno à escuridão, exceto aqueles que comungam de seus ideais autoritários e fascistas

É importante recordar o processo histórico da política comercial global. Após o final da Segunda Guerra Mundial foi criado, em 1947, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que vigorou até 1995. Em janeiro daquele ano foi firmado o acordo de Marakech que resultou na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), com o objetivo de ordenar o funcionamento do comércio mundial por meio da solução de controvérsias e do combate de práticas anticoncorrenciais.

Para tanto, foram definidos cinco princípios fundamentais de ação dessa organização global: a não discriminação, a previsibilidade, a concorrência leal, a proibição de restrições quantitativas e o tratamento especial para países em desenvolvimento.

Desde o início do segundo mandato do governo de Donald Trump (janeiro de 2025) o centro do debate tem sido a política comercial dos EUA em relação ao restante do mundo. Na verdade, Donald Trump apenas está retomando assunto que já havia sido bastante polêmico em seu mandato anterior (2017-2020).

Naquela época, visando conter os déficits comerciais dos EUA com a China, houve um aumento médio das tarifas sobre as exportações daquele país de 1,5% para 2,5%. Registre-se que tal processo foi implementado à época em conflito aberto com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) que estavam em vigor.

Em artigo anterior mostramos como estava se desenhando a nova política externa dos EUA, a qual foi qualificada como sendo uma tentativa de recuperação da política imperialista norte-americana assentada na Doutrina Monroe formulada em 1823. Portanto, era visível que a esfera comercial seria priorizada para a implementação da estratégia política de Donald Trump.

Registre-se que nas ações atuais Donald Trump cita explicitamente a seção terceira da Lei do Comércio dos EUA. Tal dispositivo dá poderes legais à Agência Comercial Norte-Americana para impor sanções unilaterais (como é o caso das alterações de tarifas sobre exportações realizadas pelos países) contra parceiros comerciais. Por diversas vezes o mandatário estadunidense explicitou que sua política de taxação das exportações de parceiros comerciais tem como objetivo reverter o processo de desindustrialização em curso nos EUA, o que pode ser considerado um erro básico uma vez que a desindustrialização não será revertida com a simples adoção de tarifas comerciais.

Segundo informações divulgadas pelo Laboratório do Orçamento da Universidade de Yale, o governo de Donald Trump, utilizando-se deste artifício desde a posse em seu segundo mandato, aumentou as tarifas médias dos EUA de 2,5% para 16,6%, numa clara violação das regras da OMC da qual os EUA são signatários. Isso significa que está em curso um abalo sísmico na ordem do comércio global em vigor desde janeiro de 1995.

Tal abalo teve início ainda em abril de 2025 e está tendo continuidade neste mês de julho quando Donald Trump anunciou novas tarifas contra diversos países que deverão ser implementadas a partir do início de agosto/25.

Este artigo está organizado em quatro seções, além dessa breve introdução. Na primeira delas são apresentadas e discutidas as ações principais da política comercial do governo Donald Trump com foco nas medidas anunciadas em 04.02.2024 e as novas medidas anunciadas em julho de 2025. A segunda seção apresenta uma breve análise sobre os procedimentos e conteúdo da carta de Donald Trump que impõe a taxa de 50% às exportações brasileiras. Na terceira seção busca-se indicar os possíveis impactos do tarifaço de Donald Trump sobre o comércio brasileiro com os EUA, enquanto a quarta seção contém os comentários finais sobre o assunto.

Política comercial do governo de Donald Trump

Logo após ter sido eleito presidente dos EUA em 2024, Donald Trump já dava sinais por onde iria iniciar seu governo. Ainda no mês de novembro de 2024 ele afirmou que no primeiro dia de seu mandato iria taxar todos os produtos oriundos do México e do Canadá porque esses países não foram eficazes em controlar a entrada da droga fetanil nos EUA.

Além disso, no dia 30.11.2024 exigiu publicamente que os países membros do BRICS se comprometessem a não criar outra moeda ou apoiar outra moeda que viria a substituir o dólar, do contrário sofreriam tarifas de 100%. Em suas palavras na rede social particular Truth Social: “caso esses países não cumpram nossa exigência de manutenção do poderoso dólar americano, sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana. Eles podem procurar outro otário”.

Desde o início de seu segundo mandato como presidente dos EUA, Donald Trump passou a adotar o que ele denominou de “tarifas recíprocas”, ou seja, taxar os países com os quais os EUA mantêm déficits comerciais. Assim, nos primeiros dias de governo taxou as exportações chinesas em 10%, procedimento que um mês depois sofreu mais uma taxa de 10%. Com isso, nos dois primeiros meses de governo, além de taxar a China especificamente, ele preparou sua política comercial.

No dia 05.03.2025, em discurso no Congresso Nacional, Donald Trump apresentou sua política protecionista mais ampla, indicando que divulgaria no dia 02.04.2025 uma lista de países que seriam taxados porque há tempos eles vêm taxando abusivamente os produtos estadunidenses. Naquela ocasião reforçou a ideia de que as taxações na verdade seriam “tarifas recíprocas”, inclusive fazendo menção ao Brasil, país que segundo ele estaria usando tarifas contra os EUA. Além disso, mencionou também a Índia, Coréia do Sul e União Europeia.

No dia 02.04.2025 – denominado por Donald Trump como o “Dia da libertação dos EUA” – o governo deu início a uma “guerra comercial” cujo alvo inicial foi a China que naquele momento tinha uma taxação de suas exportações aos EUA em 20%, percentual que passou para 54%. Segundo o mandatário estadunidense a China foi taxada “com base na falta de respeito que esse país tem demonstrado nos mercados mundiais” e que em algum momento “espera-se que a China perceba que os dias de explorar os EUA não são mais aceitáveis”.

Naquele mesmo ato Donald Trump indicou que a partir de 09.04.2025 todos os países com os quais os EUA possuíam déficits comerciais iriam enfrentar tarifas adicionais da forma que segue: Vietnã (46%), China (34%), Taiwan (32%), Índia (26%), Japão (24%), União Europeia (20%) e Brasil (10%). Apenas como informação correta, deve-se registrar que há mais de uma década os EUA detêm um saldo comercial superavitário com o Brasil, o que não justificaria – pelo motivo apresentado – uma elevação das tarifas sobre as exportações brasileiras.

O posicionamento da maioria dos países afetados foi unânime em afirmar que elas iriam promover um choque no sistema do comércio internacional porque não causavam apenas impactos nas relações comerciais bilaterais, mas também no próprio sistema multilateral de comércio e na própria economia mundial, especialmente pelo potencial de desestimular e reduzir o comércio global.

No dia 09.04.2025 Donald Trump fez seu primeiro recuo em sua saga tarifária e anunciou a redução de tarifas para todos no patamar de 10%, exceto no caso da China que passou a ser de 145%. Com essas alterações o Brasil perdeu sua vantagem provisória porque sua tarifa de 10% passou a ser o padrão para todos os demais países.

Registre-se que a reação chinesa foi comedida, porém certeira ao indicar que o comportamento do presidente dos EUA era destrutivo, que a China jamais se curvaria às pressões e que as imposições sucessivas ao seu país de tarifas elevadas não era apenas uma política tarifária, mas fundamentalmente uma arma coercitiva e uma prática intimidatória.

Na sequência Donald Trump fez um segundo recuo ao anunciar uma pausa de 90 dias para negociações com todos os parceiros comerciais antes que as novas tarifas passassem a vigorar. Segundo ele anunciou em sua rede social particular (Truth Social), essa decisão foi tomada porque mais de 75 países convocaram os representantes dos EUA para negociar as tarifas comerciais e também porque os países afetados não fizeram nenhuma retaliação aos EUA conforme ele havia indicado durante a divulgação de suas medidas. Ou seja, como eles se comportaram adequadamente como o mandatário queria, ele resolveu dar uma nova chance aos mesmos.

O cenário anteriormente descrito permite duas considerações elementares. Por um lado, percebe-se que Donald Trump e seus policymakers acreditam que as políticas protecionistas, além de melhorar o orçamento do governo, irão criar empregos e revigorar o setor industrial estadunidense após décadas de globalização e liberalismo econômico, o que pode ser qualificado como mais uma das grandes lorotas do trumpismo.

Por outro, essa política está colocando os EUA diante de uma escolha: continuar negociando tarifas com países com menores custos e maiores eficiências, ou voltar a ser líder produtivo na esfera industrial, gerar emprego e promover o crescimento econômico com base na produção doméstica.

Na mesma direção, Paul Krugman afirma que as tarifas de Donald Trump poderão piorar ainda mais a situação econômica dos Estados Unidos por diversas razões; (a) na esfera da indústria eletrônica estão sendo elevadas as tarifas das mercadorias intermediárias usadas nas indústrias do que nos bens finais; (b) Donald Trump mudou seu plano inicial e impôs uma tarifa média maior para alguns países enquanto outro tiveram tarifas menores, passando a impressão de que as tarifas poderão mudar a cada dia; (c) há fortes possibilidades de haver corrupção nessas políticas tarifárias, uma vez que as companhias mais beneficiadas são exatamente aquelas que mais contribuíram para a eleição presidencial de Donald Trump.

As novas medidas anunciadas em julho de 2025

Durante a pausa de 90 dias estipulada por Donald Trump em abril/25 teve início um processo de negociação em várias regiões do mundo. Todavia, encontros e negociações estavam em curso quando Donald Trump resolveu enviar cartinhas para diversos países com novas tarifas. Foi assim que em 09.07.2025 ele enviou, via rede social privada, uma carta ao Presidente Lula informando que as tarifas contra o Brasil tinham sido elevadas em 50% e que as mesmas passariam a vigorar a partir de 01.08.2025.

A carta que será comentada na sequência contém dois conteúdos: um eminentemente político e outro econômico, porém não verdadeiro quando Donald Trump afirma que “barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil causaram déficits insustentáveis contra os EUA. Esse déficit é uma grande ameaça à economia e à segurança nacional”. Na verdade, os Estados Unidos estão mantendo superávits comerciais com o Brasil desde 2009, sendo que somente em 2024 o superávit foi de US$ 7,4 bilhões.

Além disso, na esfera econômica a carta de Donald Trump ainda contém uma clara ameaça: “se por qualquer razão o senhor (Presidente Lula) decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos”. Ao final, o emissor informa que também orientou “a representação comercial dos EUA no Brasil a abrir uma investigação comercial com base na seção 301 da Lei do Comércio dos EUA de 1974, que prevê apuração de práticas estrangeiras desleais que afetam o comércio dos EUA”.

No dia 11.07.25 Donald Trump anunciou tarifas de 30% para o conjunto de países da União Europeia (EU), as quais também entrarão em vigor no dia 01.08.2025. Mesmo após meses de negociações (abril a junho), essas novas tarifas estão sendo impostas separadamente das tarifas setoriais. Diante desse novo cenário, dirigentes da EU informaram que continuarão preparando novas contramedidas, uma vez que já organizaram um pacote de tarifas sobre o aço e o alumínio que poderão atingir US$ 24,6 bilhões em produtos estadunidenses.

Esse pacote foi suspenso temporariamente para tentar a possibilidade de negociações mais condizentes com as regras internacionais. Além disso, a EU dispõe do instrumento Anticoerção, criado exatamente para situações extraordinárias e que permite ao bloco impor retaliações contra países terceiros que exerçam pressões econômicas sobre os países membros da União Europeia.

No dia 12.07.2025 o presidente Donald Trump usou do mesmo expediente ao enviar carta ao México comunicando que as tarifas de 30% passarão a vigorar a partir do início de agosto, como tem sido feito com os demais países. Neste caso as razões também são de ordem política porque esse país não impediu que os cartéis parassem de levar fentanil para os EUA.

Nas palavras do próprio presidente: “os EUA impuseram tarifas para lidar com a crise do fentanil em nosso país causada, em grande parte, pelo fracasso do México em impedir que os cartéis formados pelas pessoas mais desprezíveis que já passaram pela terra despejassem essas drogas em nosso país”.

Com isso, até a presente data verificamos que Donald Trump já tinha notificado, por meio de suas cartas pouco republicanas por serem divulgadas em redes sociais, mais de vinte países, sendo que para todos eles foi definida a data definitiva para se encerrar as negociações, ou seja, 01.08.2025.

Carta de Trump de 09.07.25 taxando o Brasil em 50%

Em 09.07.2025 o presidente Donald Trump publicou em sua plataforma social (Truth Social) uma carta anunciando que a partir daquele momento estava taxando as exportações brasileiras em 50%, destacando que tal taxação entraria em vigor a partir de 01.08.2025. Tal documento repercutiu no mundo todo, não somente pelo início de uma nova escalada da política tarifária, mas pela forma que foi divulgada e, principalmente, pelo seu conteúdo. Diante da grande repercussão do documento desde sua publicação, optamos por explicitar “o conjunto da obra” em itens específicos, conforme segue.

Quanto aos procedimentos, registre-se que a diplomacia entre chefes de Estado sempre recomenda um tratamento cortez e educado, procedimentos estes que estão longe de serem encontrados na carta do presidente dos EUA enviada por meio de uma rede social ao presidente do Brasil. Foi por esta razão que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil convocou duas vezes o encarregado dos negócios dos EUA no Brasil devolvendo simbolicamente a carta porque o conteúdo era ofensivo ao país, além de conter inverdades sobre o comércio entre os dois países. Em síntese, pode-se afirmar que faltou à Donald Trump a liturgia do cargo.

Naquele momento foi exposto que o Brasil é uma república que presa pela independência entre os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) e que a soberania política e a defesa da democracia são valores inegociáveis. Também nesses encontros foi reforçado que o documento de Donald Trump, divulgado pelas redes sociais, desacredita toda a tradição diplomática secular entre os dois países.

O governo brasileiro também deixou claro que o Brasil é o único país que está sendo tratado diferentemente pelos EUA, uma vez que a carta inicia com um forte teor político para buscar legitimar ações injustificáveis, além de conter inverdades inaceitáveis sobre fatos políticos recentes que ocorreram no país. Registre-se que todas as demais cartas enviadas a outros países têm um propósito exclusivamente econômico.

Por fim, observa-se que na carta de Donald Trump ao presidente do Brasil há um parágrafo idêntico para 21 países que estão sofrendo elevação de tarifas comerciais, o qual contém uma ameaça caso o país resolva também elevar suas tarifas.

A carta inicia como uma crítica ao tratamento pelo Brasil dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro qualificando-o como uma “vergonha internacional”, uma vez que, segundo Donald Trump, esse julgamento não deveria estar ocorrendo e a “caça às bruxas” deveria acabar imediatamente.

Na sequência afirma-se que devido aos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres; devido à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos; e devido às dezenas de ordens de censuras secretas e ilegais a plataformas de mídia social dos EUA, inclusive ameaçando com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado brasileiro, decidiu-se:

(i) Cobrar uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras enviadas para os EUA, separada de todas as tarifas setoriais existentes; (ii) Favor entender que 50% são muito menos que o necessário para termos igualdade de condições em nosso comércio com o seu país; (iii) Favor entender também que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil que causaram déficits insustentáveis contra os EUA; (iv) Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor, ele será adicionado aos 50% que já cobramos; (v) Devido aos ataques contínuos às atividades comerciais digitais de empresas americanas estou instruindo o representante comercial dos EUA a iniciar imediatamente uma investigação da seção 301 sobre o Brasil.

Por fim – como um ato de bondade – Donald Trump informa que se o senhor desejar abrir seus mercados comerciais até agora fechados para os EUA e eliminar suas tarifas, políticas tarifárias e barreiras comerciais, nós podemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta, já que as tarifas poderão ser modificadas para cima ou para baixo, dependendo do relacionamento com seu país. Com isso, o senhor nunca ficará decepcionado com os EUA.

Breves comentários sobre o conteúdo da carta de Trump

Inicialmente deve-se registrar que o próprio Donald Trump havia postergado o início da cobrança das novas tarifas em prol de um processo de negociações bilaterais que estavam em curso em vários países e regiões, inclusive com avanços em alguns casos que estariam chegando a acordos, os quais foram vetados e interrompidos de última hora, por parte do governo dos EUA, para a adoção de novas tarifas.

Por outro lado, não se observa na referida carta enviada ao Brasil nenhum fato econômico justificável, uma vez que esse país não tem nenhuma relação comercial superavitária com os EUA, ao contrário, no último decênio o superávit comercial dos EUA foi imenso. Esse erro grave, na verdade, encobre os verdadeiros motivos que movem a definição das novas tarifas: uma punição política.

O gesto de Donald Trump ao enviar uma carta ao presidente do Brasil com exigências políticas representa uma clara tentativa de interferência inaceitável nos assuntos políticos internos, além da submissão de assuntos relativos à política comercial entre os dois países ao cenário político particular do Brasil. Neste caso, é importante que o presidente dos EUA seja informado que no Brasil há uma separação constitucional entre os poderes da república que impedem o presidente de plantão de fazer o que bem quiser.

Segundo o professor Paul Krugman, Donald Trump finge que tem uma justificativa econômica, mas no fundo apenas quer punir politicamente o Brasil. Para esse autor, as leis americanas definem que as tarifas podem ser impostas apenas por razões econômicas específicas e emergenciais, conforme as seções 201,232 e 306 da Lei do Comércio.

Neste caso, Paul Krugman é enfático ao afirmar que não há emergências econômicas segundo postagens recentes do próprio Donald Trump em suas redes sociais. Isso significa que a carta é basicamente a confissão de que as tarifas impostas ao Brasil decorrem de razões não econômicas, o que por lei não seria permitido.

Em síntese, pode-se dizer que o pano de fundo da administração atual dos EUA também é se contrapor a qualquer tipo de regulação das empresas de tecnologia. Por isso, ele questiona qualquer avanço das legislações nesta esfera qualificando-as como “censura”. Agindo nesta direção e taxando aleatoriamente todos os países que mantém relações comerciais com os EUA, Donald Trump poderá destruir unilateralmente o sistema de comércio global em curso desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o qual foi aperfeiçoado em 1995 com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Tal cenário já está sendo percebido por diversos setores empresariais em várias partes do mundo. No caso particular em debate, nota-se que no dia 15.07.25 a câmara do Comércio dos EUA e a Câmara Americana de Comércio no Brasil (AmCHAM) – que além de atuar nas relações comerciais entre os dois países, integra empresas brasileiras no cenário econômico internacional – se uniram para solicitar o fim das tarifas de 50% afirmando que elas são prejudiciais aos dois países.

Possíveis impactos das medidas tarifárias de Trump sobre o comércio externo brasileiro

Ao longo dos últimos 24 anos a relação comercial entre o Brasil e os EUA apresentou duas situações distintas. Na primeira delas observa-se que o saldo comercial foi superavitário para o Brasil no período entre 2000 e 2008, quando o país obteve um superávit de US$ 49 bilhões. A segunda fase, que compreende o período entre 2009-2024 mostra a inversão desse processo com um saldo superavitário dos EUA frente ao Brasil da ordem de US$ 90 bilhões.

Essas informações são cruciais neste momento porque elas desmentem as afirmações do governo de Donald Trump de que as novas tarifas impostas ao Brasil se justificariam devido aos déficits comerciais dos EUA em suas relações de troca com o Brasil.

Na sequência iremos apresentar um conjunto de informações que revelam esse processo comercial desvantajoso para o Brasil, o que não justificaria qualquer alteração das regras comerciais atuais por parte dos EUA. Além disso, parte dessas informações também mostrará o deslocamento geográfico recente do comércio externo brasileiro.

No quadro abaixo se observa o valor monetário das exportações brasileiras para os EUA no ano de 2024. Inicialmente nota-se que os quatro estados da região Sudeste respondem por aproximadamente 71% do valor monetário das importações estadunidenses, enquanto as três unidades da federação da região Sul respondem por outros 12.5% do valor total arrecadado. Isso significa que as sete unidades federativas do centro-sul do país são responsáveis por quase 84% do total arrecadado pelo país.

Volume das exportações em US$ bilhões por unidade da federação em 2024

PosiçãoUnidade da federaçãoMontante da UF no total geral
São Paulo13,6
Rio de Janeiro7,4
Outros4,8
Minas Gerais4,6
Espírito Santo3,1
Rio Grande do Sul1,8
Santa Catarina1,7
Paraná1,6
Bahia0,9
10ªPará0,8
TOTALPAÌS40,3 bilhões
Fonte: MDCI, Comex Stat; 2025.

A figura abaixo mostra a evolução das exportações em US$ entre junho de 2015 e junho de 2025, tanto em termos totais quanto em relação aos setores exportadores. Inicialmente observa-se que em termos de valores absolutos (US$) houve um crescimento do montante arrecado da ordem 57,3%. Além disso, nota-se que ocorreu um enorme crescimento das exportações de bens primários (alimentos e bebidas) em paralelo a um crescimento bastante limitado de bens secundários ou manufaturados, inclusive com regressão em alguns setores, como foi o caso do grupo de peças e equipamentos de transportes.

Fonte: Luis Nassif (2025).

A figura abaixo mostra a evolução percentual da participação das exportações totais e por grupos de atividades econômicas para o período 2015-2025, ambos tendo o mês de junho como referência. No caso do total geral, nota-se uma redução no último período (junho de 2025), comportamento que também foi seguido por mais cinco grupos de atividades: combustíveis e lubrificantes básicos, bens de capital, equipamentos de transporte industrial, peças para equipamentos de transportes e peças para bens acessórios de bens de capital.

Isso significa uma redução da pauta exportadora de bens com maior valor agregado. Tanto é assim que os poucos crescimentos positivos encontram-se exatamente nos setores de alimentos e bebidas destinados ao consumo e à indústria.

Fonte – Luís Nassif (2025)

A figura na sequência mostra a evolução percentual do destino das exportações brasileiras, chamando atenção para o grande deslocamento do comércio externo do país em direção à Ásia e, em particular, à China. Por outro lado, ficam mais claras as reduções das trocas comerciais do país com parceiros tradicionais como a União Europeia e o próprio EUA.

Por fim, e não menos importante também, destaca-se o menor papel que vem sendo desempenhado pelo bloco Mercosul, o que evidencia a dificuldade dos produtos brasileiros de se inserirem com maior dimensão nessa área comercial que não deveria ter mais nenhuma barreira alfandegária.

Fonte – Luís Nassif (2025)

A figura a seguir apresenta os principais setores exportadores brasileiros exportadores para os EUA, bem como as respectivas posições em termos de destino dos mesmos. Em termos da participação desses setores com destino aosos EUA nota-se a participação percentual elevada de quatro setores: outros equipamentos de transportes, madeira, metalurgia e máquinas e equipamentos, todos tendo como primeiro destino os EUA.

Já o setor químico, ainda que tenha os EUA como destino principal, apresenta uma participação percentual bem inferior em relação aos setores anteriormente mencionados.

Finalmente, os percentuais de participação dos setore de alimentos e de produção vegetal, animal e caça são bem inferiores, uma vez que os EUA não são seus destinos principais.

Fonte: CNI (2025)

Um breve resumo do primeiro semestre de 2025 revela as seguintes informações, segundo a Amcham Brasil (2025). As exportações brasileiras para os Estados Unidos no primeiro semestre de 2025 atingiram o valor de US$ 41,7 bilhões, significando um aumento de 7,7% em relação ao primeiro semestre de 2024. Já as exportações estadunidenses para o Brasil aumentaram 11,5%. Com isso, o superávit comercial dos EUA em relação ao Brasil no primeiro semestre de 2025 foi 1,7% bilhões de US$, significando um aumento expressivo em relação ao primeiro semestre de 2024.

A última figura na sequência apresenta o montante de recursos angariado por cada um dos 10 produtos mais exportados para os EUA, o percentual desse país na exportação desses produtos e a posição que ocupa como destino final. Registre-se que esses produtos respondem por mais de 40% das exportações brasileiras aos EUA. Se agregarmos a esse grupo a celulose, o suco de laranja e o açúcar, esse percentual passará de 50%.

          Observa-se que dos dez produtos mais exportados aos EUA, apenas um deles (óleo bruto de petróleo) superou os 10% na quantidade enviada a esse país. Todavia, o mais relevante é o montante arrecadado, uma vez que somente este produto arrecadou quantia superior a outros cinco produtos.

Além disso, outros seis produtos tem os EUA como destino principal, ou seja, ocupam o primeiro posto sobre local do envio do produto, enquanto outros dois estão no segundo posto e mais dois no terceiro posto.

Fonte: CNI (2025)

Esse conjunto de informações permite fazer algumas considerações sobre os impactos das tarifas anunciadas, caso não sejam revogadas. Em primeiro lugar, é perceptível que haverá impactos muito diferenciados diante da diversidade setorial e mesmo dos próprios produtos exportados. Assim, é bastante provável que os produtos manufaturados (aviões, aço, ferro e alumínio) serão os mais afetados, correspondendo a um impacto maior dada sua relevante participação na pauta exportadora do Brasil.

Já nos setores exportadores vinculados ao setor primário os impactos deverão ser menores, muito embora os casos do suco de laranja e do café torrado, além de elevados, serão mais complicados porque por ambos deter parcelas expressivas do mercado norte-americano, dificilmente conseguirão num curto espaço de tempo ser redirecionados para outros mercados de outros países. Já o setor de carnes poderá ser redirecionado para outros mercados, uma vez que é um produto com demanda em expansão no mercado mundial.

Por outro lado, é importante considerar também que atualmente os EUA caíram para o terceiro posto em termos de parceria comercial com o Brasil, fazendo com que menos de 40% do volume exportado teria dificuldade de ser redirecionado para outros mercados. Isso significa que, como as exportações para os EUA respondem por aproximadamente 2% do PIB, aproximadamente 0,5% desse montante estaria sob os efeitos das novas taxações, o que pode ser considerado impactante caso o cenário atual não consiga ser revertido.

Considerações gerais

Ao longo dos últimos meses surgiram diversas teses que procuraram explicar a natureza das ações de Donald Trump, as quais acabaram elevando as tensões comerciais em escala global. Neste sentido destacamos algumas delas que nos parecem bastante compatíveis com o cenário em que se encontra a principal potência mundial.

Neste sentido, Thomas Piketty (2025) afirma que, diferentemente do passado, a situação atual revela que os Estados Unidos estão perdendo seu domínio global, ao mesmo tempo em que se encontram com uma fragilidade financeira sem precedentes. Para ele, é isso que explica a agressividade da administração de Donald Trump diante do déficit comercial permanente dos EUA.

Entre 1990 e 2025 a média anual do déficit comercial dos EUA (combinação de mercadorias e serviços) cresceu de 3% para 4% do PIB, dado que a oferta de serviços do país tem sido bem menor em relação ao déficit na produção de mercadorias manufaturadas. O resultado é que os EUA não foram capazes de gerar renda suficiente para cortar esses déficits, levando o país a um nível de renda externa sem precedentes, mesmo diante de seu poderio militar dominante no mundo.

Para Thomas Piketty, essas informações são a fonte de ansiedade e de tratativas desesperadas de Donald Trump (imposições eu diria) visando extrair riqueza do restante dos países do mundo via a imposição de sua política tarifária.

Segundo Krugman, essa não seria a primeira vez que os EUA usam tarifas como instrumento político. Ao contrário, o sistema de comércio internacional criado pelos EUA após a Segunda Guerra Mundial foi, em parte, motivado pela crença de autoridades americanas de que o comércio, além de trazer benefícios econômicos, seria uma força para a paz e ajudaria a fortalecer a democracia no mundo, o que seria um objetivo nobre. Todavia, os movimentos atuais de Donald Trump deixam claro que não são esses os objetivos que o movem atualmente.

Outros aspectos que emergem da postura pouco republicana de Donald Trump em relação aos demais líderes mundiais. Por um lado, sua associação à práxis de divulgar inverdades, como aquela escrita na carta ao Presidente Lula quando inventou que há um déficit comercial dos EUA com o Brasil, quando ocorre exatamente o contrário há mais de dez anos. Por outro, na carta enviada ao Brasil emerge todo seu autoritarismo quando se dirige aos outros chefes de Estado como se ele fosse alguém que estivesse acima dos demais e com o direito de interferir na ordem política e econômica de cada país. Exemplo desse comportamento ele explicitou quando indagado porque estava taxando as exportações brasileiras: “simplesmente porque eu posso”.

Para além de tentar interferir nas questões jurídicas internas do Brasil – via aumento injustificável das tarifas comerciais – a carta também aponta para a busca de um alinhamento ideológico à doutrina trumpista, a qual pretende ser o polo político organizador do mundo, cabendo ao presidente dos estados Unidos o papel de imperador. Porém, se algum chefe de estado democrático não se adequar com essa perspectiva, Donald Trump acionará suas ferramentas de punição para fazer valer sua pretensa hegemonia política internacional.

Nesta direção, não se pode descartar que as iniciativas de Donald Trump também estão mirando a perda de influência dos EUA na América Latina, onde o Brasil – por ser a segunda maior economia de todos os continentes americanos – exerce uma liderança crescente, como ficou demonstrado recentemente nos encontros do G20 e recentemente dos BRICs. E isso deve estar incomodando o candidato a imperador porque Lula tem impedido que o Brasil voltasse a ser capacho dos EUA como foi durante os quatro anos do governo Bolsonaro.

Além disso, a crescente inserção da China, sobretudo por meio de investimentos diretos e também por ações diplomáticas, aproximou esse país da América Latina, o que também pode estar contrariando os interesses estadunidenses. Afinal, recentemente o governo Trump deixou claro que a América Latina é quintal dos Estados Unidos e que nele ninguém deveria se envolver com ela.

Por fim, pode-se afirmar que poucos governos estão seguindo Donald Trump no caminho de retorno à escuridão, exceto aqueles que comungam de seus ideais autoritários e fascistas. Assim como ocorreu recentemente, em agosto provavelmente haverá novas cartinhas, significando que falta às respostas internacionais uma reação política mais efetiva e articulada entre os diversos governos fortemente afetados.

*Lauro Mattei é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do programa de pós-graduação em Administração, ambos na UFSC.

Referências


AMCHAM BRASIL – Câmara Americana de Comércio para o Brasil. Monitor do comércio (2025).

BEATTIE, Alan. As cartas bagunçadas de Trump. Artigo publicado originalmente no Financial Times e republicado em português no jornal O Globo em 12.07.2025.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Medidas comerciais dos EUA que afetam a indústria brasileira. Brasília (DF): CNI, 17.07.2025

GRANATO, L.; EMMANUEL, D. A investida de Donald Trump. A Terra é Redonda, 17.07.2025.

KRUGMAN, Paul. Trump`s Dictator Protection Program. Plataforma Substack, 09.07.2025.

KRUGMAN, Paul. Trump´s Brazil Tarrif is Blatantly Illegal. Plataforma Substack, 11.07.2025.

NASSIF, L. As exportações brasileiras para os Estados Unidos. Site GGN, 10.07.2025.

PIKETTY, Thomas. The US´s unprecedent financial fragility explains Trump´s aggressivinesses. Le Monde, France. July, 12, 2025.

TRUMP, Donald J. President of The United States of America. The White House, Washington DC, July 9, 2025. Letter to Brazilian President.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
3
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
4
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
5
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
11
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
12
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
13
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
14
A voz da saga
30 Nov 2025 Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO: Prefácio do livro “Melhores contos”, de João Guimarães Rosa
15
Por que a Inteligência artificial não faz justiça? – 2
29 Nov 2025 Por ARI MARCELO SOLON & ALAN BRAGANÇA WINTHER: Os fundamentos da ciência da computação e da filosofia do direito mostram que a Inteligência Artificial é estruturalmente incapaz de realizar justiça, pois esta exige historicidade, interpretação contextual e uma "variável caótica" humana que transcende a mera racionalidade algorítmica
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES