A convergência das crises

Imagem_Elyeser Szturm
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

O espalhamento do vírus obedece a uma lógica diferente da crise econômica. Seu comportamento encontra-se ainda em estudo. Mas impacta mais rapidamente o dilema de vida ou morte

Por Roberto Jorge Regensteiner*

Que crises são estas que se sobrepõem? A crise do Covid-19, a crise econômica, a relação da sociedade urbano-industrial com a Natureza (com ene maiúsculo). Quer dizer que os seres humanos achavam que não faziam mais parte da natureza? Se esqueceram desse fato básico da biologia? Ou então, como sociedade global, como todo social nunca o aprenderam verdadeiramente, eis que a interconexão de 9 bilhões sobre um planeta limitado nos ocorre a todos pela primeira vez. É um novo desafio…

Poderíamos dizer que um hipotético Zeus enviou um míssil, batizado de Covid-19, só para nos recordar que somos parte da natureza, que precisamos de oxigênio, água, de toda a Tabela Periódica dos elementos. Tomemos logo consciência disso e aproveitemos a convergência das crises para uma reestruturação completa da sociedade global rumo ao ecossocialismo.

A irrupção do Covid-19 num ponto fulcral do sistema produtivo mundial, fez com que a produção industrial chinesa cair primeiro trimestre de 2020. Interrompeu bruscamente fluxos de mercadorias, ao longo das geografias, afetando analogamente fluxos financeiros diretos e derivados.

O espalhamento do vírus obedece a uma lógica diferente da crise econômica. Encontra-se ainda em estudo. Mas impacta muito mais rapidamente, no curto prazo, o dilema de vida ou morte. Sabe-se pouco sobre ele além de que se transfere de um humano a outro por meio do contato entre (simplificadamente) secreções e mucosas superiores.

Considerando que o valor humano mais importante é a preservação da vida, foi uma sorte a infecção tivesse começado na China como ficou claro pela capacidade que o país demonstrou para enfrentar o problema. Entre sua identificação inicial (em dezembro de 2019) e o momento atual prevalecem estatísticas de diminuição da letalidade do Covid-19 naquele país, configurando um gráfico em curva de sino que, agora, aponta para baixo.

Enquanto isso a Europa, os EUA e outros países preparam-se para vivenciar a fase ascendente do problema. Oxalá se saiam melhor, posto que tiveram mais tempo que os chineses para se preparar e se quiserem ser inteligentes se beneficiarão da experiência que a China colocou à disposição de todos os países. Mas dá medo ver a incompetência de Donald Trump, do primeiro ministro britânico Boris Johnson e de Jair Bolsonaro (não necessariamente nesta ordem) para lidar com o problema.

A República Popular da China, dirigida pelo PCC (Partido Comunista da China; cada país tem o pcc que consegue ter…), deu um show de bola!, mostrou-se um exemplo de organização social seguida da disposição de colaborar com outros países em busca do bem comum. Negue isso quem quiser! Apontem o primeiro dedo para as normais hesitações iniciais na identificação do problema que houve na China, os países e regimes que nunca sofreram do pecado de reconhecer só depois um problema, apenas quando ele se torna calamidade. Há muitos exemplos.

Na China, a identificação das medidas fundamentais a serem tomadas e sua magistral execução calam fundo na alma dos admiradores da engenhosidade humana: da execução do lockdown à concretização das obras turn-key de dois hospitais (pensem no planejamento que há de haver por trás!); do desenvolvimento de parcerias em busca de vacinas até sua postura impecável de oferecer ajuda às demais nações. Meus aplausos e gritos de bravo! Isto é o que temos de inspiração para enfrentar um momento que é de dor por milhares de perdas para a doença na China, pelo féretro de caminhões do exército italiano transportando um número parecido de corpos para a cremação de vítimas de uma população que é pequena fração da chinesa.

Vejamos o que as outras nações fizeram com o prazo que lhes foi concedido pela sorte para se prepararem e vejamos quanto tempo dura o surto nestas outras localidades.

Esta é a hora em que cada governo nacional deve cuidar de sua população e, mais que nunca, é necessária uma articulação global para enfrentar as questões da saúde, no plano institucional, político e econômico, que suplante a força sistemas financeiros, da articulação entre Bancos Centrais e Bolsas de Valores.

*Roberto Regensteiner é professor e consultor em Gestão & Tecnologia de Informação.

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Régis Bonvicino (1955-2025)
Por TALES AB’SÁBER: Homenagem ao poeta recém-falecido
Os véus de Maya
Por OTÁVIO A. FILHO: Entre Platão e as fake news, a verdade se esconde sob véus tecidos por séculos. Maya – palavra hindu que fala das ilusões – nos ensina: a ilusão é parte do jogo, e desconfiar é o primeiro passo para enxergar além das sombras que chamamos de realidade
Distopia como instrumento de contenção
Por GUSTAVO GABRIEL GARCIA: A indústria cultural utiliza narrativas distópicas para promover o medo e a paralisia crítica, sugerindo que é melhor manter o status quo do que arriscar mudanças. Assim, apesar da opressão global, ainda não emergiu um movimento de contestação ao modelo de gestão da vida baseado do capital
Aura e estética da guerra em Walter Benjamin
Por FERNÃO PESSOA RAMOS: A "estética da guerra" em Benjamin não é apenas um diagnóstico sombrio do fascismo, mas um espelho inquietante de nossa própria era, onde a reprodutibilidade técnica da violência se normaliza em fluxos digitais. Se a aura outrora emanava a distância do sagrado, hoje ela se esvai na instantaneidade do espetáculo bélico, onde a contemplação da destruição se confunde com o consumo
Na próxima vez em que encontrar um poeta
Por URARIANO MOTA: Na próxima vez em que encontrar um poeta, lembre-se: ele não é um monumento, mas um incêndio. Suas chamas não iluminam salões — consomem-se no ar, deixando apenas o cheiro de enxofre e mel. E quando ele se for, você sentirá falta até de suas cinzas
Síndrome da apatia
Por JOÃO LANARI BO: Comentário sobre o filme dirigido por Alexandros Avranas, em exibição nos cinemas.
O prêmio Machado de Assis 2025
Por DANIEL AFONSO DA SILVA: Diplomata, professor, historiador, intérprete e construtor do Brasil, polímata, homem de Letras, escritor. Como não se sabe quem vem à frente. Rubens, Ricupero ou Rubens Ricupero
Alcançando ou ficando para trás?
Por ELEUTÉRIO F. S. PRADO: O desenvolvimento desigual não é acidente, mas estrutura: enquanto o capitalismo promete convergência, sua lógica reproduz hierarquias. A América Latina, entre falsos milagres e armadilhas neoliberais, segue exportando valor e importando dependência
Conferência sobre James Joyce
Por JORGE LUIS BORGES: A genialidade irlandesa na cultura ocidental não deriva de pureza racial celta, mas de uma condição paradoxal: lidar esplendidamente com uma tradição à qual não devem fidelidade especial. Joyce encarna essa revolução literária ao transformar um dia comum de Leopold Bloom numa odisseia infinita
A cúpula dos BRICS de 2025
Por JONNAS VASCONCELOS: O Brasil da presidência dos BRICS: prioridades, limitações e resultados diante de um cenário global turbulento
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES