A história repulsa

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Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE*

O país está no momento mais crucial da modernidade capitalista brasileira

“O tempo é nó,\ Nó de centro,\ Nó de marinheiro,\ Nó de revés,\ Nó sem destino,\ O tempo é nosso nó da história”

Estamos a alguns dias de um dos momentos mais crítico da história brasileira dos últimos cem anos. Quero aqui ressaltar alguns pontos do que isso significa e o porquê de eu considerar que esse momento é mais crucial que outros momentos da modernidade capitalista brasileira.

Para ser didático vou enumerar em seis pontos o que compreendo e fecharei com um ponto significativo final, espero que o texto contribua para chamar novas ideias e fazermos aquilo que denomino como a força da história pulsar, porque somente o coração vivo e grávido de futuro poderá continuar pulsando e enfrentar movimentos fascistas como o atual que enfrentamos.

(1) A história brasileira passou nos últimos cem anos por sete ciclos sociais e econômicos muito expressivos. Ainda na segunda década do século XX, o Brasil ingressava na contemporaneidade capitalista, inclusive com a organização das indústrias e com a formação da classe trabalhadora brasileira. Em 1922 cria-se o primeiro Partido Comunista e realiza-se a “Semana de Arte de Moderna”, naquele momento o mundo está transe, após a Revolução Russa e a primeira Guerra Mundial.

O segundo momento crítico, se dá dez anos após, em 1932, com a Revolução Constitucionalista e com a quebra do pacto paulista-mineiro e o estabelecimento de Getúlio Vargas.

O terceiro momento se dá na transição entre o fim do primeiro governo Getúlio Vargas e o governo de Eurico Gaspar Dutra. Temos a experiência de um governo de completa entrega nacional e perda da possibilidade soberana que se tinha estabelecido, mesmo que fragilmente no período anterior.

O quarto momento se observa com o retorno de Getúlio Vargas e a constituição de um governo nacionalista, que estabelece a primeira possibilidade histórica de organização soberana da Nação brasileira, algo que é traído pela burguesia brasileira e leva Getúlio Vargas ao suicídio em 1954.

O quinto ciclo se dá com Juscelino e na reorganização histórica da economia brasileira, com diversos problemas, inclusive com a penetração crescente do capital internacional, porém possibilita um salto na acumulação de capital e de avanço da organização da classe trabalhadora e do campesinato.

Aquele ciclo perdurará até o golpe de Estado de 1964, período caracterizado por Florestan Fernandes como uma “contrarrevolução”, estabelecendo um sexto ciclo, cuja característica autoritária e de completa associação ao capital internacional levou a perda de soberania brasileira.

O sétimo ciclo se dá no pós-ditatorial e dura até 2016, quando novamente se tem um golpe de Estado e uma escalada autoritária e de perda de direitos, sendo que o governo neofascista de Jair Bolsonaro representa o ápice deste período.

(2) O processo eleitoral que nos encontramos marca um nó inflexivo, temos pela frente ou o aprofundamento de um ciclo autoritário de longo prazo, ou sua parcial ruptura e a construção de novas vias de saída para profunda crise civilizatória em que nos encontramos.

(3) Vale observar com mais vagar as duas principais possibilidades colocadas, a fim de estabelecer condicionantes e possíveis estratégias de luta social nos próximos anos. A primeira possibilidade e que constitui o centro das nossas atuações hoje, refere-se à eleição do ex-presidente Luiz Inácio. O governo que daí resultará será um governo de crise, com grande disputa na sociedade e no interior das instituições já fragmentadas da democracia burguesa brasileira.

A única forma de manter a governabilidade e estabelecer uma agenda mínima será com organização social. Mesmo considerando a capacidade conciliatória de Lula, porém as contradições hoje presentes somente se acirraram no próximo período, seja pela posição subalterna da burguesia brasileira no cenário de crise internacional, seja pela grande força com que os setores fisiológicos e neofascistas adquiriram no atual pleito.

(4) Um possível governo Lula terá uma quadrupla condicionalidade: (i) Será um governo de resistência não somente brasileira, mas global. A constituição de forças de acúmulo de forças se torna interações de ordem distinta a partir dos últimos vinte anos, isso porque as chamadas redes sociais são formas de inteligência somente instantâneas, que retiram capacidade histórica e, assim, criam memórias somente presentes, reforçando a alienação e o poder fetichista do capitalismo.

(ii) A pressão social se estabelecerá tanto ideologicamente, quanto economicamente. Observemos que no capitalismo temos duas forças de equalização: o preço que se estabelece como lógica média e geral, sendo vista pela sociedade em geral como algo natural, pois ninguém questiona os preços. Da mesma forma, a ideologia enquanto força é também uma condição equalizadora, todos e todas consideram natural a defesa dos interesses individualistas e da percepção da pretensa equalização entre todos, assim um empresário com bilhões de dólares aparece na mentalidade social como igual ao trabalhador que ganha um salário-mínimo, a ideologia anula as grotescas assimetrias. O governo Lula terá que mobilizar as forças de contrariamente dessas duas “farsas” sociais e econômicas, como fazê-lo teremos que tratar no futuro.

(iii) Terá que ser um governo de mobilidade. Somente em ação existirá um governo democrático e popular.

(iv) O governo Lula terá que romper com três institutos empresariais-fiscais:  terá que romper com o padrão fiscal imposto pelo neoliberalismo autoritário, segundo, terá que impor mudanças tributárias, taxando a burguesia e as grandes fortunas, além do setor agro mineral; terceiro, terá que estabelecer um novo padrão industrial brasileiro.

(5) Por fim vale sistematizar a possibilidade de um novo governo Bolsonaro, o que neste momento não constitui falha de discurso e sim lógica possível. Neste caso, duas observações temos que tratar: primeiro, a eliminação de projeto nacional, algo que se concretizará e, segundo, a eliminação de qualquer limite de direitos sociais, um movimento que representará a condição que já tratamos em outro momento do estabelecimento da “Nigéria Latina”.

(6) Nosso tempo é exíguo.

*José Raimundo Trindade é professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA. Autor, entre outros livros, de Seis décadas de intervenção estatal na Amazônia (Paka-tatu).

 

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