Por LUIS FELIPE MIGUEL*
De cada cinco deputados federais, um mudou de partido ao longo do último mês
Pela conta feita até o momento, que ainda não é a final, de cada cinco deputados federais, um mudou de partido ao longo do último mês. A bizarra janela de infidelidade partidária, que permite troca de legenda sem perda de mandato, foi encerrada na sexta-feira. (Mesmo fora das “janelas”, muitos mudam de partido, sob pretextos diversos. O caso de Tabata Amaral é um, entre tantos.)
O prazo para filiação a tempo de disputar a eleição em outubro terminou ontem. As mudanças raras vezes têm algum componente programático. Há, isso sim, um leilão de mandatos. O que pesa é espaço para ser candidato ao cargo desejado, acesso a verbas de campanha, controle da estrutura partidária e, às vezes, a vontade de ficar do lado dos candidatos presidenciais mais competitivos. (O fato de que a bancada do PDT minguou 20% é um indício claro de como a elite política vê as chances eleitorais de Ciro Gomes.)
Há casos como o do PV (a caminho de se federar com o PT), que tinha 4 deputados e agora fica com 6. Mas, na verdade, três dos deputados anteriores saíram do partido e cinco novos entraram. Não há continuidade praticamente nenhuma. É uma dança das cadeiras.
O sistema partidário brasileiro nunca foi muito robusto – um adjetivo frequentemente usado para descrevê-lo é “gelatinoso”. Mas o ataque desferido à institucionalidade regida pela Constituição de 1988, a partir do golpe contra Dilma, piorou muito mais a situação.
Os cargos eletivos, no legislativo mas também no executivo, foram tomados por legiões de franco-atiradores. Gente sem experiência, preparo ou disposição para o trabalho partidário. Para eles, os partidos são provedores de recursos, a serem saqueados, não instrumentos de produção de um projeto coletivo.
O mais grave é que o fenômeno se reproduz também à esquerda – e, como se sabe, o partido sempre foi uma ferramenta muito mais importante para quem luta contra os interesses dominantes do que para quem os defende.
Muitos colegas cientistas políticos defendem medidas administrativas para reduzir o número de partidos, como cláusulas de exclusão cada vez mais draconianas. Como já disse mais de uma vez, creio que o problema principal não é o número dos partidos, mas a falta de identidade programática de quase todos eles. A mera imposição de regras de exclusão pode ampliar a geleia geral, em vez de reduzi-la. Este é, aliás, o primeiro resultado das federações – ou alguém acha que PSOL e Rede ou que PT e PV realmente têm tanta convergência?
Uma mudança consistente exige educação política, não vem de uma hora para outra. E está na contramão de tendências mundiais – o processo de desdemocratização, a crescente impotência da política e as novas redes de expressão pública contribuem fortemente para a perda de relevância dos partidos.
É um problema sério, que exige reflexão. Mas há uma medida simples que debelaria pelo menos as manifestações mais patológicas da nossa desordem partidária: ampliar o prazo de filiação mínimo para disputar eleições. Para dois anos, por exemplo.
Isto inibiria o troca-troca que se vê hoje. Contribuiria para desvincular a filiação de promessas de candidatura e financiamento de campanha. Reduziria as candidaturas de celebridades da mídia, que relutam em assumir um comprometimento de longo prazo, e virtualmente extinguiria as de subcelebridades de momento, que surfam na onda de uma visibilidade pontual (como aquela policial que cometeu um homicídio muito elogiado e acabou no Congresso Nacional).
*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
Publicado originalmente na página do Facebook do autor.