Por JAYATI GHOSH*
A escassez de pensamento criativo sobre as causas e respostas à inflação reflete o estado lastimável da disciplina econômica
A onda inflacionária tem revelado várias coisas sobre os governos atuais, mas também, de forma mais patente, sobre os economistas. O número de economistas e, consequentemente, de formuladores de políticas, que permanecem presos à ideia inflexível de que a inflação resulta de uma política monetária muito frouxa – e que, portanto, os bancos centrais devem restringir a oferta de dinheiro e aumentar as taxas de juros – é enorme. Trata-se de algo que John K. Galbraith teria chamado de “sabedoria convencional”.
Mas isso está errado. As causas da inflação variam de acordo com o contexto e o período. Uma política monetária mais rígida é uma ferramenta perigosa que corre o risco de gerar recessão e desemprego – prejudicando ainda mais os trabalhadores do que os próprios aumentos de preços. Mas essa política não causa apenas sofrimento humano, pois, se os motores da inflação forem outros, reduzir o excesso de demanda supostamente culposo não resolverá o problema.
Esses fatos óbvios parecem quase esquecidos na discussão convencional. Até o respeitado economista Olivier Blanchard, em uma série de tweets, sugeriu que o aumento do desemprego era a única maneira de controlar a inflação. O problema, aparentemente, era como fazer com que os trabalhadores entendessem e aceitassem isso.
Um pensamento que luta contra a inflação, segundo ele, enfrenta crenças: (1) Quando a inflação vem de superaquecimento, é difícil convencer os trabalhadores de que a economia precisa desacelerar e que o desemprego precisa aumentar para controlar a inflação, mas pelo menos a lógica pode ser explicada; (2) Quando a inflação vem de um aumento nos preços de commodities e energia, é ainda mais difícil convencer os trabalhadores de que o desemprego deve aumentar para controlar a inflação. “Por que eu deveria perder meu emprego se foi Vladimir Putin que invadiu a Ucrânia?” – pensam eles; (3) Isso dificulta muito o trabalho e a estratégia de comunicação dos bancos centrais.
Não aceite, caro leitor, a afirmação altamente problemática de que “o desemprego tem que aumentar para controlar a inflação”; ela foi efetivamente refutada, conceitual e empiricamente, nas últimas duas décadas. Considere, ademais, a possibilidade de que o motor dos aumentos de preços não vem a ser o “excesso de demanda” ou as exigências feitas pelos trabalhadores para elevar os salários. A causa geradora de inflação não é “eles não estão sendo adequadamente “disciplinados” pelo desemprego”. Ela se encontra na especulação corporativa, juntamente com a especulação financeira nos mercados de commodities.
Há boas razões para acreditar que este é o caso, especialmente nos mercados globais e nas economias avançadas. Em muitos países de renda baixa e média, as causas da inflação são mais complexas e vêm principalmente de fatores de aumento de custos, incluindo inflação importada de preços globais e depreciações cambiais.
Lucro corporativo
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Economic Policy Institute mostrou que o aumento dos lucros corporativos contribuiu desproporcionalmente para a inflação. Do segundo trimestre de 2020 ao último trimestre de 2021, os lucros corporativos foram responsáveis por 54% da inflação geral – um aumento dramático em relação aos 11% que representaram nas quatro décadas anteriores (1979-2019).
Em contraste, os custos unitários do trabalho foram responsáveis por menos de 8% da inflação, em comparação com 62% nas quatro décadas anteriores. De fato, por causa dos recentes aumentos de preços, o valor real do salário-mínimo federal está agora em seu ponto mais baixo em 66 anos! A contribuição dos custos de insumos não trabalhistas – as famosas “quebras das cadeias de suprimentos” tão amplamente divulgadas – foi de 38%, em comparação com 27% no período anterior.
A capacidade das empresas de aumentar as margens de lucro pode advir do aumento da demanda. A demanda reprimida de famílias que foram incapazes de gastar muito durante a pandemia pode ter tido algum efeito, especialmente devido aos grandes estímulos fiscais de sucessivas administrações dos EUA.
Mas um papel muito maior foi desempenhado pela crescente concentração e poder de monopólio na indústria. Os lucros corporativos massivamente aumentados foram mais evidentes em energia, alimentos e produtos farmacêuticos, já que a escassez de oferta resultante da guerra na Ucrânia se tornou uma desculpa conveniente para aumentos desproporcionais de preços.
Forte preditor
As pesquisas do Roosevelt Institute mostram que, em 2021, as empresas nos EUA aumentaram suas margens e lucros no ritmo anual mais rápido desde 1955, levando ambos aos seus níveis absolutos mais altos desde a próspera década do pós-guerra. Os pesquisadores observam que as margens de lucro pré-pandemia foram um forte preditor de aumentos de margem em 2021, tornando o poder de mercado um fator significativo da inflação.
Embora a percepção pública de que a atual crise alimentar possa gerar choques de oferta relacionados à guerra, na verdade, foi o comportamento das empresas é que se mostraram mais significativos. As principais agroindústrias de comércio de grãos experimentaram aumentos dramáticos na lucratividade em janeiro-março de 2022. Elas aumentaram os seus preços sem serem questionadas – pois todos os observadores fizeram a suposição de que isso ocorria em face da escassez causada pela guerra.
A especulação financeira, tal como ocorre nos mercados futuros de trigo, elevou os preços mesmo nos mercados à vista; o recente declínio nos preços do trigo, por sua vez, reflete de forma semelhante as mudanças nos contratos futuros. Ora, isso é típico de bolhas especulativas, que, embora muitas vezes impulsionadas por notícias, também tendem a ser afetadas pelo comportamento de rebanho – e não pelos eventos do mundo real.
Esse aumento da atividade especulativa é confirmado pelo importante trabalho de Agarwal, Lei Win e Gibbs. Eis que eles acompanharam as atividades de investidores financeiros (fundos de investimento em particular) em mercados de commodities. Eles descobriram que, por exemplo, “no mercado de trigo para moagem de Paris, a referência para a Europa, a participação dos especuladores nos contratos futuros de trigo do lado da compra aumentou de 23% do interesse aberto em maio de 2018 para 72% em abril de 2022”. Da mesma forma, em maio de 2022, as chamadas posições longas dos especuladores (posições de compra) constituíam mais de 50% do incremento de preços nas variedades de trigo “hard e soft red winter”.
Ação regulatória
Se os recentes aumentos dos preços globais – que se traduzem em inflação de grau variado em diferentes países – são impulsionados por tais fatores, então a resposta da política deveria ser muito diferente do uso do instrumento perigoso da política monetária agregada. Em vez disso, deveria se concentrar em ações regulatórias para conter o poder de monopólio e a especulação financeira.
A tributação de lucros excedentes pode ser um impedimento para tal comportamento no futuro, mas ações específicas para controlar os preços de commodities estratégicas também têm um papel, como observou Isabella Weber. Aqueles que criticaram tais políticas parecem desconhecer tanto a história quanto a experiência mais ampla.
A escassez de pensamento criativo sobre as causas e respostas à inflação reflete o estado lastimável da disciplina econômica. É provável que isso tenha consequências graves, econômicas e politicamente.
*Jayati Ghosh é professora de economia na Universidade de Massachusetts, em Amherst.
Tradução: Eleutério F. S. Prado.
Publicado originalmente no portal Social Europe.
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