A persistência do nazismo

Imagem: Nadiia Yahaha
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Por HUGO DIONÍSIO

É fundamental fechar o círculo da existência nazista. A derrota do regime de Kiev é um passo fundamental nessa direção

A infiltração de nazistas, simpatizantes nazistas, descendentes ou não de nazistas e de colaboracionistas nazistas, nos corredores do poder ocidental, não significa uma abertura recém-aproveitada para a glorificação e branqueamento de todos os que se encontravam no lado oposto ao russo, soviético ou bolchevique. Este autêntico movimento de reescrita histórica e de reaproveitamento do potencial ideológico instalado representa, sobretudo, o encerramento de um círculo histórico, iniciado pelos sectores mais reacionários e fascistizantes da elite ocidental.

O Canadá constitui o exemplo prefeito do encerramento deste círculo histórico, do reaproveitamento da capacidade instalada e da sua reciclagem (e branqueamento) histórica. Daí que o episódio ocorrido no parlamento canadiano, que em uníssono homenageou Yaroslva Honka, como se tratando de um fervoroso combatente pela liberdade, como havendo “combatido os russos na segunda guerra mundial”, estivesse muito longe de constituir um simples acaso, uma falha de julgamento por parte de Anthony Rota – porta voz do da Casa dos Representantes –, ou uma mera cortesia a propósito da visita de Volodymyr Zelensky.

Tal como Yaroslav Honka, inúmeras são as figuras da diáspora ucraniana, mormente da Galícia, documentalmente provado como tendo colaborado com as forças nazistas e, sobretudo, como tendo participado em crimes contra a humanidade, que foram ou são lembradas, honradas e homenageadas, continuamente, na sociedade ucraniana. Desde o envolvimento em partidos políticos, à eleição para cargos públicos, ao financiamento e promoção de atividades educativas e acadêmicas, estas figuras, com um passado tenebroso, encontraram no Canadá contemporâneo o habitat perfeito para a sua reciclagem e recuperação históricas. Tal como encontraram, neste país, o refúgio perfeito para a sua recuperação econômica.

Quando Franklin D. Roosevelt, a propósito do projeto “Safe Haven” – o qual visava identificar e apreender as riquezas que a elite nazista mantinha em países neutros –, referiu que se a elite nazista conseguisse manter as suas riquezas, mais tarde, poderiam usá-lo para retomar o seu poder, talvez não estivesse muito longe de imaginar o que aconteceu realmente. Com efeito, não deveria ser do desconhecimento de Franklin D. Roosevelt que gente como os irmãos Dulles (Allan Dulles e John Dulles) apoiava de várias formas o 3.º Reich – incluindo através da captação de fundos em Wall Street – e, ao mesmo tempo, não apenas participava no Conselho de Relações Externas dos EUA (Council of Foreign Relations), como, no caso de Allan Dulles, era também agente do OSS (Office of Strategic Services) que antecedeu a CIA (Agência Central de Inteligência).

Gente como os irmãos Dulles, defensora do projeto de rearmamento da Alemanha nazistas, para usá-la como elemento de combate ao “comunismo”, fomentaram esta operação, suportando-a financeiramente em bancos como o BIS (Bank of International Setlements) – ou mesmo no J.P. Morgan, o qual chamava de Roosevelt um “traidor de classe”, não apenas apoiou o fortalecimento da Alemanha nazista e do eixo Berlim-Roma, como, mais tarde, recrutou proeminentes operacionais nazistas para o estabelecimento do que viria a ser a CIA e os serviços secretos dos EUA.

Daí que, o que sucede no Canadá, nomeadamente na Universidade de Alberta – mas não só – e com o CIUS (Instituto Canadiano para os Estudos Ucranianos), não mais represente do que a materialização dos receios de gente como Roosevelt, os quais, não sendo fervorosos comunistas, estavam também longe de representar as fações mais reacionárias da elite financeira norte americana.

Assim, quando Petro Savaryn fundou o CIUS, foi ele próprio quem tornou reais os receios dos que sabiam o que significaria albergar, em sociedades livres, gente da estirpe de Bandera. Alvo de um branqueamento e reciclagem curricular, estas personagens, detentoras de profundo saber sobre como combater – com violência extrema, refira-se – o inimigo soviético, primeiro, e russo, depois, passaram a poder ser usadas como se de proeminentes exemplos de luta pela liberdade se tratassem.

O UCC (Congresso Ucraniano do Canadá), no seu memorial, faz um levantamento recente da vida de Petro Savaryn, mas, cuidadosamente, apaga tudo o que não se passou no Canadá. O passado negro não é para ser repetido e para tal, esta gente contou com a descrição e o silêncio cúmplice das autoridades canadianas. Assim, Petro Savaryn, é apresentado como um honrado ucraniano que de “1982 a1986 foi Chanceler da Universidade Alberta.

O memorial da Universidade de Alberta, a propósito de Petro Savaryn, diz tudo sobre esta reciclagem e branqueamento históricos: nem uma palavra sobre a sua participação na infame Waffen-SS Galician Division, que tão brutais massacres contra populações civis de polacos, judeus, ciganos e soviéticos cometeu. É como se nunca tivesse acontecido tal coisa e como se, o facto mais relevante da vida de Petro (Peter) Savaryn fosse a fundação do CIUS e não a sua colaboração com as forças nazistas.

Dizer que as organizações da diáspora ucraniana, no Canadá, honram e cantam as histórias de Petro Savaryn nos seus cerimoniais, seria redundante. Afinal, o Canadá foi um dos destinos de milhares destes operacionais, que para aí emigraram a partir de 1945. Muitos deles deveriam ter estado presentes em Nuremberg e, ao invés, são agraciados nos “muito democráticos” parlamentos ocidentais.

Contudo, o exemplo de Petro Savaryn está muito longe de ser o único e importa dizer que esta realidade não é desconhecida do público canadiano. Diversos têm sido os órgãos – mais alternativos do que mainstream – que alertaram para o verdadeiro escândalo dos subsídios “nazistas” na Universidade de Alberta. O episódio “Honka” despoletou um desenterrar de uma realidade que era suposto manter-se escondida ainda mais algum tempo, até que nada houvesse a fazer. Ou até que morressem as gerações que se recordam do que foi o horror nazista.

Daí que fosse o próprio gabinete do Governador Geral do Canadá que se tenha desculpado por ter atribuído a Ordem do Canadá a um veterano da Divisão Ucraniana da Galícia das SS. O agraciado foi não outro que Petro Savaryn. Tratou-se de incompetência? Desconhecimento? Não se investiga alguém antes de lhe atribuir uma comenda? Acreditem o que quiserem, mas a prática é que conta.

E eis que a questão fundamental permaneça. Como é possível que gente como Savaryn, ou como Petro (Peter) Jacyk – o qual se candidatou a recruta das mesmas forças nazistas e que tem o seu nome gravado em inúmeras iniciativas, organizações e programas acadêmicos na Ucrânia, Canadá e nos EUA –, conseguiram passar despercebidos de todos os que repudiam a ideologia nazista, seja ela mascarada como for?

Essa questão encontra resposta nas atitudes que hoje branqueiam Stepan Bandera e o culto do regime de Kiev a esta figura, bem como no resvalar da política ocidental para a extrema direita, a coberto deste branqueamento e no ressurgimento da russofobia, islamofobia, xenofobia e do mais profundo e atroz reacionarismo. O próprio Petro Savaryn era presidente da Associação Progressista Conservadora de Alberta, um movimento de centro direita com um nome propício a abranger todo o centro político liberal, neoliberal e conservador.

Gente como Honka, que contribuiu com 30.000,00$ de subsídio para o CIUS, verba que a Universidade de Alberta disse ir devolver, é apenas a ponta de um véu que corajosos como Owen Schalk, Taylor C. Noakes, Pers Rudling ou Harrison Samphir tem vindo a desvendar e denunciar. Outros exemplos paradigmáticos de colaboracionistas nazistas que têm passado incólumes e cujas finanças e currículos floresceram nas ditas “democracias liberais” tratam-se de Levko Babij ou Roman Kolinsnyk, ambos também da Divisão Galiciana das SS.

O fato de existirem monumentos, pelo Canadá, que glorificam a 14ª Divisão das SS (14ª divisão Waffen de Granadeiros das SS (1ªda Galícia)) e o fato destes terem sido “vandalizados” com graffitis denunciando o seu histórico nazista, não foi suficiente para provocar um tumulto, nem para que os que se apresentam como campeões da democracia ocidental se considerassem alertados para o problema.

Milhões de dólares para bolsas e programas de estudos sobre “nacionalismo ucraniano”, contado na versão do que, por exemplo, consta da Encírculopédia Ucraniana traduzida e publicada pelo CIUS, branqueando o colaboracionismo nazi por parte dos “nacionalistas ucranianos” e introduzindo sorrateiramente a ideologia nazi-fascista na academia ocidental, explicam muito do que se passa hoje em dia e porque razão se torna possível assistirmos a esta deriva russofóbica que pode levar o mundo a uma confrontação nuclear, sem que surja um veemente e abrangente movimento pela paz. Este episódio, passado no Canadá, não é diferente do que se passa em muitos outros locais, nomeadamente nos EUA e em toda a Europa. Na Ucrânia, nem vale a pena falar. Ninguém pode dizer que não sabe.

Mas então, porque razão os acadêmicos judeus nada dizem? Porque não o denunciam? É aqui que se estabelecem as conexões entre doutrinas gêmeas, filhas do mesmo pai e mãe, igualmente supremacistas, extremistas, sectárias e segregacionistas. O caso do sionismo e do nazismo. Como refere Jeremy Appel no podcast “Expats & Allies”, a troca é simples: os acadêmicos ucranianos sinalizam os estudantes e professores que tomarem atitudes contrárias a Israel e, em troca, a poderosa diáspora acadêmica sionista, fecha os olhos ao crescente nazismo por entre a academia ocidental.

Para aqueles que consideram impossível a conexão sionista-nazista e nada aprenderam com a experiência de Theodor Herzl (um dos pais do sionismo judaico), que considerava os antissemitas os seus principais aliados, a história volta a dar-lhe razão. Tratando-se da Palestina e da supressão da sua identidade nacional, a prioridade mais urgente do sionismo, o nazismo alia-se a esta forma igualmente supremacista, extremista, genocida e ditatorial de governança.

E este é outro círculo que se fecha, demonstrando que o branqueamento e a reciclagem da ideologia nazista não é um acaso histórico, mas um projeto, falhado inicialmente porque a força da URSS e dos seus povos o derrotou, mas que, reaproveitado, reciclado e branqueado por EUA e aliados, surge agora, numa segunda oportunidade histórica a cumprir o seu papel original. A instituição da superfederação mundial, sob a liderança dos EUA. A mesma superfederação de que falava Mackinder a respeito do Império Britânico e da sua salvação.

A realidade a que assistamos agora não é mais do que o encerramento de um círculo iniciado com a criação fascista no início do século XX, em período da decadência do Império Britânico e da qual Cinthya Chung tão bem dá conta no seu magistral livro The empire on which the black sun never set: the birth of international fascism and anglo-american foreign policy (“O Império no qual o sol negro nunca se põe: o nascimento do fascismo e a política externa anglo-americana”), em que expõe, documenta e fundamenta de forma magistral, de que forma as doutrinas fascistas constituíram um instrumento da elite imperial e capitalista britânica e ocidental.

Nessa fase inicial do círculo fascista, da qual resulta o próprio nazismo, em momento de desafio vital imposto pela própria existência da URSS, não era tão fácil, como é hoje e com toda a clareza, identificar nestas doutrinas o seu caráter instrumental em relação ao imperialismo anglo-saxônico e do próprio sistema capitalista avançado, ocidental, hoje conotado como neoliberalismo, globalismo ou hegemonismo norte americano e que corresponde à fase imperialista do próprio capitalismo.

Contudo, no encerrar deste círculo, uma vez mais, se usa o nazismo, e o seu pai, o fascismo, como instrumento de agressão contra os povos que se opõem ao imperialismo ocidental, agora na era do capitalismo financeirizado, transnacional, imperial. Na fase superior do capitalismo, surge o capitalismo financeiro, rentista e a sua dimensão transnacional, federativa, de que a própria União Europeia de Úrsula Von Der Leyen é corolário. Uma vez mais, o nazismo, tal como com a Alemanha dos anos 30 do século XX, é usado, desta feita, a propósito da Ucrânia, para conter, combater e agredir o opositor russo, chinês ou outro, que represente uma ameaça aguda ou estratégia aos desígnios hegemônicos anglo-americanos.

Neste sentido, o sionismo não constitui uma experiência diferente, implantada de forma similar pela academia e pelos centros do poder político. No caso, Israel e o sionismo judaico, como expressão reacionária, colonial e supremacista do judaísmo, são usados contra os povos que no Médio Oriente se opõem ao domínio hegemônico dos EUA. Tal como em Taiwan, nas Filipinas, ou o que dizer da Venezuela, Argentina ou Brasil, em que a extrema direita mais reacionária e trauliteira, reminiscente de Augusto Pinochet e hoje (erroneamente a meu ver) diretamente conotada com Donald Trump, é usada para conter movimentos soberanistas, que resistem em entregar ao poder supranacional dos EUA, os seus recursos naturais.

E tudo isto acontece, numa velocidade vertiginosa, não com Trump, mas com a administração Biden. E logo na era dos Macron, Von Der Leyen, Baerbock, Sholz, Costa e Sunak em que a União Europeia voltou a ser maioritariamente governada por executivos ultrarreacionários, russófobos, e que fazem da reescrita da história da segunda guerra mundial o seu tapete vermelho (salve-se o erro etimológico da cor usada) para o poder. Um poder que aniquila as soberanias e submete os povos às elites rentistas que fazem acontecer o que estes propagandeavam apenas vir a suceder no socialismo, mas que se constata acontecer agora, precisamente, na fase avançada do capitalismo: trata-se da supressão da propriedade individual detida pelas classes trabalhadoras e a sua transformação em propriedade rentista pelos 1% mais ricos.

O fascismo, sob a forma de nazismo ou sionismo, há-de ser sempre a forma mais violenta, mais reacionária, chauvinista e supremacista de proteção dos interesses vitais das elites proprietárias do capitalismo avançado. Primeiro, na sua forma nacionalista, e hoje, pegando nesta e usando-a como forma de imposição do imperialismo rentista, hegemônico e globalista. Um e outro, coincidem na entrega da propriedade à uma restrita elite detentora, protegida, agraciada e alimentada pelo estado neoliberal, saído do consenso de Washington e da escola de Chicago.

E para que não subsistam quaisquer dúvidas sobre a importância desta doutrina desumana – como é o nazismo ucraniano – para o capitalismo neoliberal, globalista, transnacional e supranacional, disfarçando-a sob uma capa de “nacionalismo libertário” contra o opositor russo, a ideologia nazi-fascista convive não apenas o sionismo mais agressivo, como com o wokismo mais radical. Quem nunca viu as parangonas como “Ucrânia é gay”, ou “Azov é gay”? Quem nunca viu as notícias do New York Times sobre a criação de unidades LGBTQIA+ no exército Ucraniano? Mais um círculo que se fecha!

Tratam-se de ferramentas de uma mesma realidade, de modo a abranger uma diversidade alargada de sectores das sociedades ocidentais. Desde a feminista radical, ao homossexual, ao macho tatuado e de metralhadora na mão, todos se sentem confortáveis sob a bandeira do tridente ucraniano, da estrela de David ou da bandeira norte-americana, da OTAN ou a azul estrelada da União Europeia. Existe algo que os une a todos, mesmo que, aqui e ali, pareçam, por vezes, diferentes.

Essa união é construída a partir da ideia de que, sob a aura do império, todos cabem, desde que não queiram o fruto proibido, que consiste em combater o imperialismo e em defender a soberania dos povos. No ataque a países soberanos como Rússia, Venezuela, Nicarágua, Irã, Síria, Cuba, Coreia Popular, Vietnã ou China, todos convergem, apesar das diferenças ideológicas existentes entre si.

Tanto o LGBTQIA+ como o trumpista mais musculado coincidem na defesa do regime de Kiev, no ataque à Venezuela bolivariana ou à Nicarágua sandinista. No fundo, todas elas são formas de afirmação da soberania nacional, de Estados nação que não se vergam ao jugo superfederativo ocidental. Não, não é o comunismo que os assusta: é a soberania dos povos. E nisto, todos se unem, com ou sem arco-íris, com ou sem Palestina. A luta Palestina, nisto, não representa mais do que um percalço, não suficientemente decisivo para os afastar. Porque a luta palestina pode ser transportada para a dimensão individualista da dignidade humana.

Mas quando abordamos os que defendem, com violência se necessário, essa dignidade nacional, como Estado-nação de direito, como povo soberano orgulhoso e não como povo oprimido, vítima “indefesa” da brutalidade sionista, trumpistas e LGBT’s não hesitam em voltar a coincidir e em considerar o Hamas como entidade “terrorista”.

Afinal, quem combate é o Hamas e com o Hamas acaba o discurso do coitadinho, para começar o do combate contra o que os une: o império que os convence de que vivem em liberdade. Mesmo que, todos os dias, cada vez mais acordem sem casa, sem emprego, sem saúde e sem perspectivas de vida. Forçados a emigrar e forçados a receber a emigração, porque importa a quem manda, manter os salários baixos e os círculos de acumulação cada vez mais intensos.

Este idealismo pueril, esta criancice política, que não tem em conta a vida real mas uma imagem construída e implantada nas suas mentes por um sistema de educação para tal criado e aperfeiçoado, é o mesmo que explica porque razão os ideais nazistas puderam conviver, moldar e prosperar numa sociedade que se acredita ser livre. Porque esta sociedade não tem em conta o real, a prática, para que apontavam Marx e Engels, mas uma construção idílica que existe, cada vez menos, nas suas vidas.

O que importa é “ser”, mesmo que se “seja” debaixo de uma ponte, à fome e sem perspectiva de vida. A liberdade não está em ser-se independente das amarras econômicas materiais, a liberdade é vendida como um discurso que se partilha. Partilhar discurso é muito fácil, mais difícil é partilhar riqueza. E nessa partilha justa, sim, estaria a mais desafiadora das liberdades e a mais realista das democracias, uma democracia que não se medisse pela quantidade de dinheiro com que cada um faz lobby, financia, promove e torna famosos os seus candidatos preferidos. Apenas depois faltando validar a sua escolha pelo voto cego das massas.

E foi assim que a história ocidental, no pós-Segunda Guerra Mundial, às escondidas, aproveitou, reciclou e promoveu o potencial nazista instalado, sem parecer que o fez. Quando o parlamento canadiano recebeu Yaroslav Honka, estava apenas a dar voz à prática normal existente na sociedade. A prática que ninguém vê, mas que existe, apesar da aparência idealista que diz não aceitar o nazismo! Só quem parte da prática concreta, objetiva, o pode identificar. E esse é um mérito a não ser desconsiderado, quando visto à luz das engenharias sociopolíticas. Como fazer algo, parecendo, na superfície, que se faz o contrário?

Afinal, quando algo chega a um parlamento, quer dizer que a prática que consubstancia essa proposta já existe na prática, na vida real. Portanto, a homenagem ao membro da SS Galícia apenas visou reconhecer formalmente uma prática já instituída e especialmente promovida e intensificada após o início da Operação Militar Especial. Os idealistas acordaram todos nesse momento? Onde andavam até aí? Onde estavam quando gente como Honka e Savaryn prosperavam na sociedade canadiana? A chamar de “propagandistas do Putin” aos que os denunciavam!

Tudo isto é resultado de um processo moroso, que se iniciou, primeiro, com o branqueamento do nazismo e do fascismo, comparando-o ao comunismo – quando comparas algo inaceitável a algo aceite, tornas aceitável o inaceitável e inaceitável o aceitável –, denegrindo a URSS por sistema e por recurso às piores e mais perversas infâmias inventadas – ou inventáveis – por Goebbels. Por outro lado, essa deturpação, fez-se escondendo o nazismo ainda existente, apontando como principal inimigo o comunismo – leia-se “russismo” – inexistente.

Chegamos ao ponto de encontrar imprensa “conservadora” acusar a China de ser a principal promotora da estratégia hegemônica globalista de Davos. Como se, em Davos, não desfilassem triunfantes todas as elites ocidentais no poder e como se, as chinesas, não lá estivessem disfarçadas e para compor o floreado (como muitos outros e escolhidos cuidadosamente).

E é assim que as populações acabam a odiar o que não constitui ameaça e a desconhecer o que as ameaça profundamente. Trata-se de um processo muito bem pensado, que encontra a sua expressão prática na naturalização do passado nazista, por parte daqueles que, ao invés de serem dirigidos para Nuremberg, para o julgamento que mereciam, seguiram para Londres, Toronto ou Washington.

Nesta fase superior do círculo, o ocidente coletivo, a superfederação ocidental, aposta tudo! É novamente nesta luta mortal que nos encontramos e é neste período histórico, simultaneamente perigoso e fascinante, que nos movemos e que assistiremos à derrota final de um projeto que começou há um século atrás. Serão os povos do mundo capazes de o derrotar? No mundo multipolar e na sua capacidade de fornecer ao mundo um modelo alternativo, teremos a resposta. Sem esse modelo alternativo estaremos condenados, pois à falta dele, prevalecerá sempre o que já existe, o que usa o fascismo e o nazismo como instrumento de dominação. Uma e outra vez, tantas quanto necessitar.

É fundamental fechar o circulo da existência nazista. A derrota do regime de Kiev é um passo fundamental nessa direção.

*Hugo Dionísio é advogado, analista geopolítico, pesquisador do Gabinete de Estudos da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP-IN).

Publicado originalmente em Strategic Culture Foundation.


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