As ideias precisam circular. Ajude A Terra é Redonda a seguir fazendo isso.

A taxação dos super-ricos

Imagem: Anthony Beck
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JOÃO CARLOS LOEBENS*

No sistema tributário brasileiro quanto mais pobre, mais imposto paga; quanto mais rico, menos imposto paga

O sistema tributário brasileiro, nos dias de hoje, apresenta uma característica geral que poderia ser assim resumida: quanto mais pobre, mais imposto paga; quanto mais rico, menos imposto paga.

Super-rico brasileiro, então, não paga praticamente nada.

Neste mês, o governo federal emitiu duas medidas para tributar alguma coisa dos rendimentos (“salários”) dos super-ricos brasileiros. Opa! Mexeu comigo! Será que você é super-rico ou conhece algum?

Não precisa ficar preocupado, muito provavelmente não é contigo, pois 99,999% dos brasileiros serão beneficiados com as duas medidas. Por exemplo, se a soma do seu patrimônio for de R$ 10 milhões de reais, você não será afetado, pois a taxação não é sobre bens. Não se trata de tributação sobre o patrimônio. A tributação é sobre os rendimentos (“salário”) de aplicações para quem tem mais de R$ 10 milhões de reais sobrando para aplicar em fundos financeiros fechados.

A primeira iniciativa do governo federal é a Medida Provisória 1.184, para tributar fundos de investimento de aproximadamente 2.500 pessoas super-ricas (0,001% da população do Brasil), que tem regras privilegiadas só para eles, e não pagam tributo. São os chamados fundos fechados, com aplicação financeira inicial ou mínima de 10 milhões de reais.

E quanto seria o rendimento/salário para uma aplicação desse tipo? Suponhamos uma aplicação mínima de 10 milhões a uma taxa de 1% ao mês, que daria um rendimento/salário de R$ 100.000,00 reais/mês, hoje sem pagar nada de imposto de renda. Já os demais brasileiros, com rendimentos/salário a partir de R$ 2.112,00 estão obrigados a pagar IR, com alíquota de até 27,5% para rendimentos superiores a R$ 4.664,00 reais.

Você quer ser um bilionário? Uma dica do que seria necessário fazer: você junta um milhão de reais por ano. Faça isso por mil anos. Juntando R$ 1.000.000,00/ano por 1.000 anos, ao final você será um super-rico bilionário. Simples, não? A explicação ou justificativa dada para essa concentração de renda bilionária estaria na meritocracia, que pode ser melhor entendida nos esclarecimentos do livro A tirania do mérito, do escritor estadunidense Michael Sandel.

A Forbes listou no Brasil, em 2022, 62 bilionários (oligarcas?), sendo o maior deles Jorge Paulo Lemann, com uma fortuna estimada de R$ 71 bilhões. Jorge Paulo Lemann é controlador da Ambev, tem participação na Burger King e a empresa 3G Capital, nova “dona” da Eletrobras. Cabe lembrar que o Lemann, juntamente com Sicupira e Teles (outros dois bilionários brasileiros da lista da Forbes, Ambev, Eletrobras …), foram os protagonistas do recente escândalo, fraude ou rombo da Americanas, algo em torno de 40 bilhões.

Voltando às medidas apresentadas pelo governo. A proposta é igualar a tributação desses fundos exclusivos, ou fechados, cobrando de 15% a 22,5% sobre os rendimentos, igual aos fundos abertos de investimento que os demais brasileiros aplicam, como por exemplo no Tesouro Direto (qualquer pessoa pode aplicar no Tesouro Direto usando seu computador de casa – bem melhor que a poupança).

A arrecadação prevista sobre os rendimentos desses fundos fechados dos super-ricos é de R$ 24 bilhões até 2026, que daria para financiar p.ex. 30% do Minha Casa Minha Vida. É uma iniciativa importante para reduzir desigualdades nesse nosso país, o mais desigual do mundo!

A segunda medida é um Projeto de Lei para tributar os rendimentos de capital aplicado em países denominados “paraísos fiscais”, que eu prefiro chamar de países “esconderijos fisco-criminais”, como Suíça, Ilhas Cayman, Luxemburgo e Emirados Árabes. O principal produto financeiro que esses países vendem é a ocultação de dinheiro/patrimônio, normalmente de origem ilícita (dinheiro de roubo, tráfico, corrupção/sonegação/desvios), e principalmente escondem esses recursos para possibilitar que os donos supre-ricos possam fugir da obrigação de pagar impostos no país de origem, como os demais cidadãos são obrigados a pagar.

No chamado PL das Offshores e Trusts, a proposta é taxar os rendimentos do capital de brasileiros aplicado no exterior com alíquotas progressivas de zero a 22,5%. A média mundial é 30 a 40%. Só o Brasil não cobra!

Essas duas medidas podem ser consideradas um começo para a justiça fiscal, para mudar essa regra brasileira ruim e inconstitucional do “quanto mais rico menos imposto paga”. A Constituição diz que a tributação sobre a renda deve ser universal e progressiva.

No Congresso Nacional, os super-ricos têm muitos representantes! E é justamente o Congresso, através dos deputados e senadores, que precisa aprovar essas medidas.

E então, os super-ricos irão pagar algo de imposto de renda sobre os seus rendimentos/salários dessas aplicações específicas? Vai depender do Congresso, vai depender do seu deputado e do seu senador.

*João Carlos Loebens é doutorando em economia e auditor-fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.800 autores.
Plínio de Arruda Sampaio Jr. Chico Whitaker Anderson Alves Esteves Caio Bugiato Sergio Amadeu da Silveira Atilio A. Boron Liszt Vieira Luiz Renato Martins Eugênio Bucci Luciano Nascimento Maria Rita Kehl Ronald Rocha Gilberto Lopes Marjorie C. Marona Leonardo Sacramento Lorenzo Vitral Ricardo Abramovay Henri Acselrad Flávio Aguiar Osvaldo Coggiola Bernardo Ricupero Manchetômetro Tarso Genro Luiz Augusto Estrella Faria André Márcio Neves Soares Igor Felippe Santos Afrânio Catani José Dirceu Paulo Martins Priscila Figueiredo Luis Felipe Miguel Jorge Branco Eleonora Albano Daniel Afonso da Silva Luiz Roberto Alves João Adolfo Hansen Flávio R. Kothe Alexandre Aragão de Albuquerque Luiz Werneck Vianna Airton Paschoa Walnice Nogueira Galvão Marcos Aurélio da Silva Boaventura de Sousa Santos Michael Roberts André Singer Paulo Nogueira Batista Jr Carlos Águedo Paiva Alysson Leandro Mascaro Ari Marcelo Solon Ricardo Antunes Ricardo Fabbrini Alexandre de Lima Castro Tranjan Paulo Sérgio Pinheiro Eugênio Trivinho Berenice Bento Mariarosaria Fabris Armando Boito Tales Ab'Sáber José Machado Moita Neto João Carlos Loebens João Lanari Bo Jorge Luiz Souto Maior Mário Maestri Leda Maria Paulani Kátia Gerab Baggio Luiz Marques Eliziário Andrade Celso Favaretto Yuri Martins-Fontes João Paulo Ayub Fonseca Vanderlei Tenório Marilia Pacheco Fiorillo José Luís Fiori Luiz Costa Lima Vinício Carrilho Martinez Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Rafael R. Ioris Tadeu Valadares Roberto Noritomi Leonardo Avritzer Dennis Oliveira Michael Löwy Ronaldo Tadeu de Souza Bruno Machado José Costa Júnior Antônio Sales Rios Neto Jean Marc Von Der Weid João Carlos Salles Luiz Bernardo Pericás Samuel Kilsztajn Bento Prado Jr. Francisco de Oliveira Barros Júnior Marcus Ianoni Thomas Piketty Luiz Carlos Bresser-Pereira Marcelo Módolo Eleutério F. S. Prado Marilena Chauí José Geraldo Couto João Feres Júnior Ladislau Dowbor Daniel Brazil Julian Rodrigues Annateresa Fabris Lincoln Secco Juarez Guimarães Lucas Fiaschetti Estevez Denilson Cordeiro Celso Frederico Fernando Nogueira da Costa Vladimir Safatle Fernão Pessoa Ramos Elias Jabbour José Micaelson Lacerda Morais Alexandre de Freitas Barbosa Marcelo Guimarães Lima Luís Fernando Vitagliano Érico Andrade Manuel Domingos Neto José Raimundo Trindade Paulo Fernandes Silveira Leonardo Boff Luiz Eduardo Soares Marcos Silva Benicio Viero Schmidt Gabriel Cohn Roberto Bueno Daniel Costa Antonino Infranca Otaviano Helene Rodrigo de Faria Sandra Bitencourt Andrew Korybko Francisco Pereira de Farias Carlos Tautz Ronald León Núñez Valério Arcary Matheus Silveira de Souza Ricardo Musse Fábio Konder Comparato Henry Burnett Jean Pierre Chauvin Remy José Fontana Eduardo Borges Gerson Almeida Claudio Katz Carla Teixeira Anselm Jappe Rubens Pinto Lyra Paulo Capel Narvai Heraldo Campos Francisco Fernandes Ladeira Ruben Bauer Naveira Chico Alencar Slavoj Žižek Everaldo de Oliveira Andrade Antonio Martins Milton Pinheiro Dênis de Moraes João Sette Whitaker Ferreira

NOVAS PUBLICAÇÕES