AmarElo – É tudo pra ontem

Imagem: Marco Buti / Jornal de Resenhas
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUCIANO NASCIMENTO*

Comentário sobre o documentário com Emicida como protagonista

AmarElo – é tudo pra ontem é o nome do documentário lançado neste mês (dez/2020) pela NetFlix e tem Emicida por protagonista. O filme traz cenas de bastidores de uma apresentação do rapper no Teatro Municipal de São Paulo, e também recortes de outras passagens com o artista, compondo um mosaico de fragmentos de aparições e ideias atravessadas e emolduradas pelo mesmo provérbio africano: “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que atirou hoje”.

Há muito a ser dito sobre aspectos estéticos da “bruta flor” em que se transforma uma obra que reúne Fernanda Montenegro e Lélia Gonzalez, Mario de Andrade e Dona Ivone Lara, entre outras personalidades, para falar em potência negra, potência brasileira, potência humana, potência… e realização, realização e realização. Há muito o que dizer, mas não serei eu a fazê-lo. Quero apenas chamar atenção para outro aspecto que considero central no filme: a proposta político-pedagógica que ele performatiza. Falo nela porque é nela que acredito.

Num engenho pedagógico que joga com a linearidade em que tantos tentam aprisionar o Tempo – um desperdício de energia. É muito mais produtivo assumir logo, como o filme mostra, que presente, passado e futuro são um só, aqui e agora: Aleijadinho, Ismael Silva e a filhinha de Emicida tocando chocalho nos ombros do pai; Egito Antigo, Brasil Colônia e República Velha; 1822, 1922 e 2020.

Num empenho político que faz dançarem interdições espaciais e discursivas que tentam segregar negros, mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis e vários outros sujeitos, visando tirar deles e delas a oportunidade de serem, apenas serem eles e elas mesmos (as). Daí a absoluta importância do protagonismo de Emicida naquele palco, e, ainda mais, do êxtase geral provocado pelo encontro dele, Majur e Pablo Vittar naquele mesmo espaço.

Mais do que uma obra de arte musical (e, agora, audiovisual), AmarElo é a epifania da apropriação dos processos de construção coletiva dos direitos e liberdades, uma aposta no aquilombamento em torno da certeza de que todas as pessoas merecem usufruir daquilo que – ontem, hoje, sempre – constroem. Repito: todas as pessoas merecem usufruir daquilo que constroem. É por isso se vê ali, no documentário, o deslumbramento daqueles que pela primeira vez visitam o Teatro Municipal no lugar de produtores de arte e/ou de público, mas também se vê o telão colocado do lado de fora do teatro, para quem ainda mais uma vez não pôde entrar nele; é por isso que se vê ali, no documentário, intérpretes de libras colaborando ativamente para que deficientes auditivos presentes pudessem desfrutar do espetáculo.

AmarElo – é tudo pra ontem é, enfim, a demonstração da viabilidade de um modo de ver, viver e traduzir a vidaprivilegiando o encontro das diferenças visando à partilha do comum. É, a meu ver, a proposta político-pedagógica e, sobretudo, o método que precisamos levar para nossas salas de aula o quanto antes. Antes que seja ainda mais tarde e até o futuro já nem possa mais vir a ser.

*Luciano Nascimento é doutor em Literaturas (UFSC) e professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Colégio Pedro II.

Referência


Emicida: AmarElo – É Tudo Pra Ontem

Brasil, documentário, 2020, 89 minutos

Direção: Fred Ouro Preto

 

 

 

 

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES