Assustador, preocupante e perigoso

Imagem: Linjie Zhang
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Por LUIZ SÉRGIO CANÁRIO*

Mexer nos mínimos constitucionais e na associação dos benefícios da previdência ao Salário Mínimo é quase criminoso

1.

No dia 2 de maio, quinta-feira pós feriado, o ministro da fazenda Fernando Haddad postou no X a recomendação de leitura de um texto do economista Braulio Borges, “A mudança das metas e o desafio da sustentabilidade fiscal brasileira”, falando que o texto era “sobre a dinâmica recente das contas públicas”.

Por ser uma recomendação do ministro da fazenda de uma leitura sobre um dos assuntos mais importantes para política econômica, o impulso é ler.

Primeiro quem é Braulio Borges, o autor do texto. Trata-se de um economista graduado e com mestrado pela FEA-USP. Apesar de Fernando Haddad apresentá-lo como “economista da FGV”, na realidade ele é economista sênior da consultoria LCA e pesquisador associado da FGV-IBRE, conforme aparece no LinkedIn. A ocupação principal dele há mais de 20 anos é na LCA. Na FGV-IBRE há quase nove anos. A LCA é uma das maiores consultorias econômicas do país e foi fundada em 1995 por Luciano Coutinho, Luiz Gonzaga Belluzzo, Bernard Appy e outros dois sócios.

2.

O texto já abre dizendo a que veio: “A entrega do PLDO 2025 ao Congresso veio acompanhada de uma revisão para baixo das metas fiscais do governo central para 2025 e 2026, reduzindo consideravelmente a consolidação fiscal a ser buscada até o final do atual mandato comparativamente às metas anunciadas pouco mais de um ano atrás”. Ou seja, as metas fiscais propostas pelo governo não serão cumpridas. Para ele o mercado nunca acreditou nas promessas do governo nesse tema. É um texto escrito por um economista para economistas. Abaixo algumas questões levantadas.

(i) O debate sobre as contas públicas não está sendo feito da forma adequada; (ii) é importante buscar aumento da carga fiscal; (iii) as despesas com pessoal estão estáveis há algum tempo e uma reforma administrativa geraria economias fiscais muito pequenas; (iv) a revisão dos gastos públicos não deve ser somente para melhorar a qualidade do gasto, mas também para gerar economias fiscais.

(v) O grande vilão é o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Excluindo o RGPS a União é superavitária desde 1997, exceto em três anos: 2015, 2016 e 2020; (vi) é crucial para barrar a expansão do gasto com o Regime Geral da Previdência Social, desvincular todos os benefícios, aposentadorias e pensões, inclusive o BPC, do salário mínimo; (vii) a idade mínima e o tempo mínimo de contribuição deveriam variar de forma automática com os dados de sobrevida e da população em idade escolar apurados pelo IBGE; (viii) desonerar a folha de pagamento das empresas; (ix) gastos com saúde e educação deixarem de ser atrelados à receita e serem atrelados a um gasto per capta.

A posição dele é muito direta: controle da relação dívida/PIB, superávits fiscais e tudo que vem como consequência disso. Um economista com as posições típicas do mercado financeiro e da preservação dos interesses da burguesia financeira.

Ele está onde sempre esteve defendendo o que sempre defendeu e possivelmente defenderá. Deve ser bom no que faz, pois está há mais de vinte anos fazendo consultoria econômica para o mercado. O problema está em Fernando Haddad recomendar a leitura desse texto. Um texto que é direto ao ponto: a política fiscal proposta pelo governo não se sustenta nem vai atingir seus objetivos se as medidas que ele propõe não forem implantadas. Não é um texto de teoria econômica exposto a debates. É um texto de um consultor avaliando a política fiscal do governo a partir de dados analisados pela sua lente e com propostas muito claras e precisas do que precisa ser feito para que essa política funcione.

3.

Costumamos indicar a leitura de um texto sobre economia quando ele traz elementos importantes para o debate ou quando trás propostas que concordamos. Via de regra é isso. Ninguém indica um texto dessa natureza pelas qualidades literárias do autor. Como esse não é um texto para debate, sobra a concordância com a proposta. E isso é assustador, preocupante e perigoso.

O ministro da Fazenda não indica um texto a troco de nada e por nada. Ainda mais um ministro que lê muito, segundo a crítica de Lula, seu chefe. Fernando Haddad concorda com o conteúdo do texto e com as propostas que o autor apresenta. Ele acredita na política fiscal que ele propôs e principalmente nas bases teóricas dessa proposta. Especificamente na maldição de manter a relação dívida/PIB em tal ou qual patamar que ninguém sabe qual é e nem por que é. Nos EUA pode ser 120%, no Japão e na Itália 200% e no Brasil 80% nos põe a beira do abismo.

O autor do texto em uma entrevista fala que o ideal para o Brasil é estar em 60%. Por quê? Nessa entrevista, publicada em 5 de maio, ele fala: “Se a gente quiser voltar a ter grau de investimento, a nossa dívida pública precisa cair para pelo menos uns 60% do PIB.”. A publicação não fala em que dia foi feita a entrevista, mas uma agência de risco mudou a perspectiva do rating do Brasil para positiva. Quem está errado, ele ou a agência?

Para piorar a situação, como em uma dança ensaiada, logo em seguida a indicação do texto por Fernando Haddad, a ministra do planejamento fala a mesma coisa. Coincidência? Dado o alinhamento entre os dois não acredito.

A equipe de Fernando Haddad está urdindo alguma teia que não parece ser boa para a classe trabalhadora e para o povo, principalmente para quem votou em Lula acreditando em um mundo diferente do que vivemos no ciclo Temer-Bolsonaro.

Mexer nos mínimos constitucionais e na associação dos benefícios da previdência ao Salário Mínimo é quase criminoso. Jogar essa informação somente como um balão de ensaio é cruel. Seja lá o que tenha sido isso o governo está aprofundando sua opção pelo lado errado, pelo lado do capital financeiro e da burguesia que já derrubou Dilma, prendeu Lula e tentou um golpe em 8 de janeiro deste ano.

Vamos enfrentar esse debate com toda a força que nos for possível reunir. Pelo bem da classe trabalhadora e do nosso povo.

*Luís Sérgio Canário é mestrando em economia política na UFABC.


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