Bem-vindo à luta

Imagem: Sharon McCutcheon
image_pdf

Por JULIAN RODRIGUES*

O desabafo de Pigossi, além de comovente, revela uma pessoa disposta a se engajar na luta coletiva e deve ser respeitado

Em 26 de novembro de 2021, o ex-global, o lindo e talentoso ator Marcos Pigossi postou no Insta uma foto com seu namorado italiano, e ainda lacrou na legenda: “chocando zero pessoas”. Morando nos EUA, Pigossi pode ser visto na série interessantíssima série da Netflix, Cidade invisível. Repercussão super positiva a saída do armário de um ator com uma trajetória de “galã”. Um tijolinho a mais na luta.

A revista Piauí traz agora uma bela entrevista-depoimento de Pigossi. Ele conta de maneira sincera, politizada e emocionante sua trajetória de vida. Seus conflitos internos. Suas fragilidades, dúvidas. Como temia estragar a carreira de ator na Globo, de “galã”, se assumisse publicamente sua sexualidade.

O desabafo de Pigossi, além de comovente, nos revela uma pessoa disposta a se engajar na luta coletiva. Ele reconhece e elogia toda ação dos movimentos LGBTI, e meio que se põe a ser um soldado da batalha contra a opressão sexual e de gênero.

Ah, mas lá vem a “lacrolândia”. Ao invés de parabenizar o ator e o chamar para o engajamento concreto no movimento social, vem a turma questionar o fato de Pigossi ser uma pessoa branca, de classe média alta e cisgênero. Como se isso tornasse seu sofrimento algo menor.

Pior ainda: vimos postagens “críticas” com zero  empatia e de noção política (e no caso, de muitos, a vontade de surfar na onda alheia pra ganhar cliques).

A turma que quer parecer radical, mas só “milita nas redes”. Gays brancos de classe média querendo ser “politicamente corretos”, problematizando a saída do armário de um gay branco de classe média.

Mas, e as trans? E as pessoas pretas?? E as lésbicas?? Ué, são todas pessoas vítimas do capitalismo racista, machista e cis-heteronormativo. O Pigossi tem a ver o que com isso?

Quantos desses e dessas supostos “radicais” de rede social não passam de “neoliberais progressistas” (Nancy Fraser) que nunca apareceram numa reunião organizativa nem do movimento LGBTI nem do movimento negro, nem de nenhum Partido de esquerda? Menas, bem menas.

Quem acha que apontar o dedo para indivíduos ajuda a melhorar o sistema está todo equivocada. Ainda mais se o indivíduo em questão acaba de fazer algo bonito, progressivo, contar sua dor e se dispor a ajudar uma causa coletiva.

Parem de julgar a dor alheia e hierarquizar opressões. A batalha pela igualdade racial, de gênero, pelas liberdades sexuais e pelos direitos humanos precisa ganhar corações e mentes de todas e todos. Um programa de transformações é antineoliberal, antipatriarcal, antirracista. Na defesa de todas liberdades, dos direitos sexuais e reprodutivos.

É uma luta de todos e todas trabalhadores e oprimidos. Inclusive dos brancos cisgêneros de classe média. Queremos mudar o mundo. Não apontar quem é mais ou menos “privilegiado”. A classe trabalhadora é plural. E a classe média é fundamental no processo de transformações sociais. Apontar o dedo para as pessoas e julgar quem individualmente teve ou não “privilégios” é algo estreito, equivocado, não ajuda em nada.

“Trabalhadores do mundo todo, uni-vos”. (isso inclui homens e mulheres, cis e trans, pretos e brancos, classe média progressista e até setores burgueses em um primeiro momento). Mais generosidade. Mais foco. Menos umbiguismo.

Um beijo ao Marcos Pigossi Bem-vindo à luta.

*Julian Rodrigues, professor e jornalista, é ativista LGBTI e de Direitos Humanos.

 

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES