Por que os cristãos apedrejam?

Imagem_Paulinho Fluxuz
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ÉRICO ANDRADE*

Quando optam por condenar uma criança de dez anos os cristãos não apenas atiram a primeira pedra como reservam para si o monopólio da hipocrisia

Só há uma palavra para descrever a postura dos fundamentalistas evangélicos no ato de extrema direita realizado no hospital CISAM em Recife: violência. Gritar a plenos pulmões que uma criança brutalmente violentada durante anos é assassina por decidir interromper uma gravidez, que lhe foi violentamente imposta, é mais um sinal de que não há mais um solo comum entre as pessoas no Brasil.

E quem retirou esse solo foi o lado direito do cristianismo. Não apenas os protestantes. Os católicos vociferaram e praguejaram contra a menina. A crença de que a verdade cristã está acima de todos e, sobretudo, de todas governa essas pessoas para uma radicalidade que dilacera o Brasil.Trata-se de uma concepção da verdade que recusa a validade de qualquer contexto. Ela é, portanto, absoluta.

Desse caráter absoluto da verdade se segue uma estrutura argumentativa cuja estrutura é a falsa simetria. Nessa perspectiva, esse tipo de cristianismo sectário compreende que o feto teria o mesmo patamar de direito que a criança violentada; como se se tratassem de posições simétricas, iguais.Por conseguinte, a criança deveria ser obrigada, mesmo que corra risco de morte, a parir a materialidade da violência que sofreu. Essa postura por não admitir exceção não se conforma a um ambiente democrático porque não se dispõe a nenhuma negociação.

No entanto, a radicalidade dessa posição sectária não exime os moralistas, que a sustenta, de errarem. Aliás, a falibilidade é constituinte do ser humano, segundo o próprio cristianismo. Então, o erro irá acontecer. E, por isso, o perdão foi criado como uma categoria teológica fundamental para lidar com as nossas falhas, mas também para evitar que a condenação moral seja uma forma de discriminar as pessoas como se algumas delas fossem essencialmente más e, portanto, pudessem ser condenadas de modo definitivo com a morte por apedrejamento.

Quando optam por condenar uma criança de dez anos os cristãos não apenas atiram a primeira pedra como reservam para si o monopólio da hipocrisia porque longe de combaterem as clínicas particulares de aborto (que seguem sendo operadas por católicos) reservam para si o direito de destruir vidas fragilizadas pela violência – muitas vezes praticadas na própria Igreja –do estupro.

*Érico Andrade é professor de filosofia na Universidade Federal de Pernambuco.

 

Outros artigos de

AUTORES

TEMAS

MAIS AUTORES

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Anselm Jappe Elias Jabbour José Luís Fiori Jean Marc Von Der Weid Vinício Carrilho Martinez Leonardo Boff André Márcio Neves Soares Francisco Pereira de Farias Otaviano Helene Gabriel Cohn Everaldo de Oliveira Andrade Marilena Chauí Valerio Arcary Caio Bugiato Berenice Bento Anderson Alves Esteves José Micaelson Lacerda Morais Alexandre Aragão de Albuquerque Eugênio Trivinho Luiz Eduardo Soares Tales Ab'Sáber Luis Felipe Miguel Jorge Luiz Souto Maior Marcos Aurélio da Silva André Singer Carla Teixeira Antônio Sales Rios Neto Eleonora Albano Sandra Bitencourt Daniel Brazil Eduardo Borges José Costa Júnior Julian Rodrigues Marcelo Guimarães Lima Michael Roberts Fábio Konder Comparato Lincoln Secco Mário Maestri José Machado Moita Neto Ronald León Núñez Armando Boito João Carlos Loebens João Paulo Ayub Fonseca Samuel Kilsztajn Marcos Silva Liszt Vieira Francisco Fernandes Ladeira Leonardo Sacramento Claudio Katz Celso Frederico Roberto Noritomi Yuri Martins-Fontes Leda Maria Paulani Fernando Nogueira da Costa Henry Burnett Alexandre de Lima Castro Tranjan Leonardo Avritzer João Lanari Bo Annateresa Fabris José Raimundo Trindade Ronald Rocha Henri Acselrad Rodrigo de Faria Kátia Gerab Baggio Manuel Domingos Neto Remy José Fontana Jorge Branco Renato Dagnino Paulo Capel Narvai Carlos Tautz João Sette Whitaker Ferreira Flávio Aguiar Bruno Fabricio Alcebino da Silva Luiz Bernardo Pericás Daniel Afonso da Silva Flávio R. Kothe Gilberto Lopes Vanderlei Tenório Alexandre de Freitas Barbosa José Dirceu Tarso Genro Bruno Machado Marcelo Módolo Ladislau Dowbor Chico Alencar Celso Favaretto Francisco de Oliveira Barros Júnior Matheus Silveira de Souza Sergio Amadeu da Silveira Marcus Ianoni José Geraldo Couto Benicio Viero Schmidt Paulo Fernandes Silveira Eleutério F. S. Prado Fernão Pessoa Ramos Maria Rita Kehl Luiz Carlos Bresser-Pereira Airton Paschoa Milton Pinheiro Juarez Guimarães Paulo Sérgio Pinheiro Alysson Leandro Mascaro Atilio A. Boron Ari Marcelo Solon Paulo Martins Afrânio Catani Plínio de Arruda Sampaio Jr. Rafael R. Ioris Lorenzo Vitral Igor Felippe Santos Andrew Korybko Manchetômetro Boaventura de Sousa Santos Eliziário Andrade Paulo Nogueira Batista Jr Jean Pierre Chauvin Walnice Nogueira Galvão Bernardo Ricupero Gerson Almeida Daniel Costa Slavoj Žižek Chico Whitaker Ronaldo Tadeu de Souza Marilia Pacheco Fiorillo Denilson Cordeiro Dênis de Moraes Gilberto Maringoni Rubens Pinto Lyra João Adolfo Hansen Ricardo Antunes Antonino Infranca Tadeu Valadares Ricardo Fabbrini João Carlos Salles Heraldo Campos Bento Prado Jr. Luiz Renato Martins Luiz Marques Roberto Bueno Ricardo Musse Luiz Werneck Vianna Luís Fernando Vitagliano Ricardo Abramovay Lucas Fiaschetti Estevez Luciano Nascimento Priscila Figueiredo Valerio Arcary Dennis Oliveira Eugênio Bucci Érico Andrade Michael Löwy Mariarosaria Fabris Thomas Piketty João Feres Júnior Marjorie C. Marona Osvaldo Coggiola Luiz Roberto Alves Antonio Martins Salem Nasser Vladimir Safatle

NOVAS PUBLICAÇÕES

Pesquisa detalhada