Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Proprietários de times de futebol obtêm uma influência considerável na sociedade
Várias razões levam os bilionários estrangeiros a comprarem times de futebol. Muitos bilionários são aficionados por futebol e têm uma paixão pessoal pelo esporte. Comprar um time de futebol lhes permite participar ativamente na sua gestão e direção.
Ter a propriedade de um time de futebol de renome traz prestígio e status social. É particularmente atraente para indivíduos com desejo de aumentar sua visibilidade e obter reconhecimento público. Ser dono de um clube de futebol proporciona oportunidades de networking. Conexões com outras pessoas influentes e empresários são benéficas para os negócios e abrem portas para novas parcerias e empreendimentos.
Proprietários de times de futebol obtêm uma influência considerável na sociedade. Utilizam essa posição para promover causas sociais, envolver-se em questões políticas e contribuir para o desenvolvimento e a promoção do esporte em seu país ou região.
Alguns bilionários veem a compra de um time de futebol como um investimento potencialmente lucrativo. Clubes de futebol populares se forem bem administrados geram receitas significativas por meio de vendas de ingressos, patrocínios, direitos de transmissão, merchandising e transferências de jogadores.
O mundo do futebol é complexo por envolver diferentes dinâmicas financeiras, sociais e culturais. Atraem até investidores estrangeiros.
Diversificar o patrimônio por meio de investimentos no esporte não é uma novidade entre os bilionários da lista da Forbes, especialmente, norte-americanos: são 6 destes na lista dos 10 mais ricos possuidores de equipes esportivas. Nos Estados Unidos, muitos bilionários compram participações em clubes profissionais de ligas —como NFL (futebol americano), NBA (basquete), MLB (baseball), NHL (hóquei) e MLS (futebol/soccer) — com objetivo de investir em vez de pagar impostos à Receita Federal do país.
Deduzem despesas relacionadas à operação do clube, como salários de funcionários, viagens, marketing e outras despesas comerciais legítimas. Os proprietários de clubes esportivos também podem se beneficiar da depreciação de ativos do clube, como estádios, instalações e equipamentos. Permite reduzir sua carga tributária anualmente.
Em alguns casos, os proprietários de clubes podem negociar acordos com governos locais para receber subsídios ou incentivos fiscais para a construção ou a reforma de estádios. Esses acordos podem incluir benefícios fiscais específicos, como isenção de impostos sobre a propriedade ou redução de taxas.
A estratégia dos bilionários norte-americanos, para não terem sua fortuna confiscada por impostos, resume-se ao trinômio buy (comprar), borrow (tomar emprestado) e die (morrer).
Compram ações e/ou imóveis, mas não se desfazem deles, para não gerar imposto a ser pago. A lei americana só considera renda tributável quando há recebimento efetivo de dinheiro – e não potencialmente como no caso de valorização das ações ou dos imóveis no mercado.
Em vez de receber salário e ter imposto de renda descontado na fonte, tomam empréstimos baratos para manter o padrão de vida desejado, oferecendo como garantia colateral os ativos comprados. Quando morrem, seus ativos – formas de manutenção de riqueza, inclusive ações e imóveis – passam para os herdeiros livres de imposto de renda.
Por exemplo, foi noticiado em 16 de maio de 2023): o ex-jogador de basquete Michael Jordan venderá sua participação majoritária no Charlotte Hornets da NBA para um consórcio de investimentos. Aposentado das quadras em 2003, gastou cerca de US$ 275 milhões em 2010 (R$ 484 milhões na cotação da época) para assumir a maioria das ações dos Hornets, sendo o primeiro ex-jogador da NBA a se tonar dono de uma equipe. Sob os termos do acordo, os Hornets foram avaliados em US$ 3 bilhões (por volta de R$ 14,5 bilhões), conforme o The New York Times. Multiplicou mais de dez vezes o valor investido!
Os seguintes bilionários proprietários de grandes clubes de futebol fazem parte da lista da Forbes: Stanley Kroenke (Arsenal – Inglaterra e Los Angeles Rams da NFL – Estados Unidos), US$ 10,7 bilhões; Nassef Sawiris (Aston Villa), US$ 7,7 bilhões; Dmitry Rybolovlev (Mônaco) US$ 6,6 bilhões; Rocco Commisso (Fiorentina), US$ 6,1 bilhões; Paul Singer (Milan), US$ 4,3 bilhões; John Henry (Liverpool), US$ 3,6 bilhões; Florentino Pérez Rodríguez (Real Madrid), US$ 2 bilhões.
Além desses, há outros conhecidos bilionários: Roman Abramovich (Chelsea FC – Inglaterra); Sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan (Manchester City FC – Inglaterra); Nasser Al-Khelaifi (Paris Saint-Germain FC – França); Andrea Agnelli (Juventus FC – Itália); Dietrich Mateschitz (Red Bull Salzburg – Áustria e RB Leipzig – Alemanha); Zhang Jindong (Inter de Milão – Itália); Joseph DaGrosa (Girondins de Bordeaux – França); Robert Kraft (New England Revolution da MLS – EUA); Johan Rupert (Stellenbosch FC – África do Sul).
Roman Abramovich perdeu bilhões e caiu da 142ª para a 350ª posição entre os ricaços da lista da Forbes. Ele nem aparece mais entre os mais ricos no recorte “donos de uma equipe esportiva”, depois de estar em 8º em 2021.
Ele faz parte do grupo de oligarcas russos com bens confiscados como parte das sanções em decorrência da invasão de militares russos na Ucrânia. Começou 2022 com US$ 15 bilhões em patrimônio. Encolheu para US$ 6,9 bilhões em março. O futuro ex-dono do Chelsea FC colocou o time à venda, mas os bens bloqueados impedem a operação.
Proprietários de outros grandes times, como Manchester City e Paris Saint-Germain não são listados pela Forbes porque são de propriedade de Fundos Soberanos. São ligados a regimes autoritários do Golfo Pérsico, respectivamente, emirado de Abu Dhabi e Catar.
No caso, suas motivações são diferentes das expressas pelos bilionários ocidentais. De maneira análoga, a Arábia Saudita anunciou estatização dos principais clubes do país para contratar craques globais, estratégia relacionada com patrocínios milionários, entrada no futebol europeu e busca de influência geopolítica.
O reino teocrático islâmico conduz sua política externa de acordo com um programa estratégico conhecido como Saudi Vision 2030. É maior exportador de petróleo do mundo com a segunda maior reserva e a sexta maior reserva de gás natural.
Objetiva diversificar a economia do país (a 19ª maior) ao reduzir sua dependência da exportação de petróleo. Ambiciona também colocar o país com 33,5 milhões de habitantes e 12º maior território – a maior parte é deserto sem rios ou lagos, por isso usa água dessalinizada ou extraída em aquíferos subterrâneos – como um dos principais centros políticos e financeiros do planeta.
A Arábia Saudita é uma monarquia absolutista teocrática sem Constituição para os cidadãos. Nunca realizou eleições nacionais, portanto, partidos políticos são proibidos. Ela tem histórico de desrespeito aos direitos humanos. Impõe uma posição submissa às mulheres, não oferece liberdade religiosa e política e nem reconhece os direitos humanos. Suspeitos são torturados para confessar e serem decapitados em público.
Planeja agora obter soft power, uma técnica de conquista de poder por vias não-bélicas, dentre as quais os investimentos e suporte a eventos esportivos como a Copa do Mundo de futebol lá em 2030. Em paralelo, mesmo sem água doce, pratica o sportwashing: uso do esporte para “limpar a imagem” de um regime, país ou grupo econômico, dada a popularidade dessa expressão cultural-esportiva ocidental agora espraiada pelo mundo.
Essa propaganda enganosa busca promover uma imagem positiva e encobrir atividades negativas associadas a governos autoritários com histórico questionável em relação a direitos humanos, liberdade de expressão, democracia ou outros problemas socioeconômicos. Eles buscam alavancar o esporte, uma área altamente visível e popular, para melhorar sua reputação e imagem globalmente.
Entre outras táticas comuns de sportwashing, governos buscam sediar eventos esportivos de grande porte, como as Olimpíadas, a Copa do Mundo ou Campeonatos Mundiais de times campeões continentais. Visa a promoção da cultura local e a apresentação de uma imagem de país acolhedor.
Por exemplo, no Brasil, o fundo de investimentos árabe Mubadala formalizou a dirigentes da Libra uma proposta pela formação de um bloco comercial em lugar de uma liga nacional. Agora, para comprar 12,5% dos direitos de mídia dos clubes, referentes ao Campeonato Brasileiro, por um período de 50 anos, basta Corinthians, Flamengo, Palmeiras e São Paulo – os times mais poderosos em torcidas e direitos de transmissão – a assinarem. Assim, concentrarão maior poder, distante da concorrência dos outros.
Enfim, é sportwashing adquirir clubes esportivos renomados para se associarem a uma marca positiva e ganharem prestígio e visibilidade. Isso pode ajudar a desviar a atenção de outras atividades problemáticas dos bilionários, sejam pessoas, sejam países.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP).
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