Barbie

Imagem: Tara Winstead
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por MICHEL AIRES DE SOUZA DIAS*

A imagem da mulher capturada pela lógica masculina

A história da mulher é a história de sua subjugação. O processo civilizatório que se caracteriza por dominar, subjugar e transformar tudo em mercadoria, também se aplica ao corpo da mulher. A Barbie como personificação da imagem feminina faz parte desse processo de subjugação dos instintos e das paixões humanas, que foram desfiguradas na história da civilização. Ao contrário do que a publicidade procura mostrar, a Barbie não é a imagem do empoderamento da mulher, mas sim de sua superficialidade, de seu vazio interior, de sua alienação e embrutecimento. A Barbie é o símbolo da objetificação da mulher.

A história humana é a história da dominação do homem sobre a natureza. A razão, a lógica, a ciência, a técnica e o pensamento calculador sempre estiveram ligados à imagem da virilidade e da força masculina. Por sua vez, a imagem da mulher historicamente sempre esteve ligada às forças da natureza. A mulher sempre esteve vinculada à sedução, à beleza, à maternidade e às atividades domésticas. Ela sempre foi subjugada como sexo frágil em termos de poder físico e intelectual.

Como afirmaram os filósofos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985, p. 93) “A mulher tomada individualmente é, do ponto de vista social, um exemplar da espécie, um representante de seu sexo e é por isso que ela, na medida em que está inteiramente capturada pela lógica masculina, representa a natureza”.

A civilização para se reproduzir exige a subjugação dos instintos, das paixões e dos desejos, pois ela se funda no trabalho, no sacrifício e na retidão. A mulher, por sua vez, sempre representou o esquecimento, o desejo, a sedução, o prazer e a felicidade. Ela sempre foi vista como um perigo ao processo civilizatório. Em sua história ela sofreu a pressão da sociedade e foi reduzida ao seu papel biológico: “Na subjugação cruel das mulheres estava implícita a típica dominação iluminista da natureza. Das mulheres, reduzida a sua função biológica, roubou-se a subjetividade” (Jay, 2008, p. 331).

A partir do diagnóstico acima, podemos inferir que a Barbie representa a imagem da mulher moderna capturada em sua subjetividade pela lógica masculina. A imagem da mulher branca, alta, magra, de olhos claros, que vive para consumir objetos de luxo, representa a imagem da típica mulher de classe média embrutecida pelos entretenimentos idiotizados da indústria cultural. Seu desejo é sempre ir a Disney ou fazer compras em Miami, está sempre em busca de produtos de luxo e de grifes famosas, gosta de restaurantes caros e sempre quer trocar de carro por um mais potente e luxuoso. Sua finalidade na vida é ter mais dinheiro para poder consumir mais. O mal de tudo isso é que as meninas desde a tenra infância assimilam um conceito de feminilidade que foi construída pelos homens.

Com o desenvolvimento da indústria cultural, os indivíduos perderam sua individualidade e foram homogeneizados, cada qual se tornou igual ao outro. Eles se tornaram átomos sociais, dessubjetivados, fragmentados e incapazes de compreender a totalidade concreta que os subjugam. Nesse sentido, os meios de comunicação de massa construíram uma imagem de masculinidade e feminilidade que foi assimilada culturalmente pelas pessoas. A Barbie é a representação máxima da ideia de feminilidade.

Para Theodor Adorno e Max Horkheimer, a feminilidade é uma construção social masculina. Em seu caráter e atitudes as mulheres se adaptam e são moldadas pelas formas de comportamento e as imposições da publicidade e da indústria cultural. Desse modo, “o caráter feminino e o ideal da feminilidade, segundo o qual ele está modelado, são produtos da sociedade masculina” (Adorno, 1993, p. 84).

A representação da mulher é construída de forma estereotipada, sendo retratada nos comerciais, novelas e filmes como objeto do desejo. Ela é tratada como um ser superficial, consumista, sempre preocupada com a beleza, o corpo e a aparência. Ao ser reduzida apenas a objeto do desejo e a sexualidade, ela é identificada com a natureza, perdendo seu valor intrínseco, sendo objetificada e tão somente subjugada. Essa imagem estereotipada pode ser uma das principais razões da grande violência contra a mulher em nossa atualidade. Por esta razão, os movimentos feministas devem ter como prioridade desconstruir essa imagem que objetifica a mulher, restituindo sua subjetividade e individualidade. Desse modo devemos dizer: Fora Barbie, fora Ken, fora o bom burguês.

*Michel Aires de Souza Dias é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP).

Referências


Adorno, T., & Horkheimer, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

Adorno, T. W. Minima moralia. Lisboa: Edições 70, 1993.

Jay, M. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais, 1923-1950. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES