Por JONAS TIAGO SILVEIRA*
Considerações sobre a cerimônia de diplomação da chapa Lula-Geraldo Alkmin
Antes mesmo do clássico “Ole, ole, ole, olá. Lula, Lula!”, um coro forte gritou repetidas vezes ao início da cerimônia de diplomação: “Boa tarde, presidente Lula!”. Quem pegou a referência foi tomado pelas lágrimas no mesmo momento, pois existe muito a se contar por trás desta saudação. Lula foi injustamente preso em 7 de abril de 2018, em um processo montado por suposições e delações premiadas, onde condenados ganhavam regalias para apontar o dedo em qualquer direção que a investigação achasse conveniente.
Foi diante deste cárcere injusto que pessoas de diversos lugares do Brasil se reuniram em vigília diariamente na cidade de Curitiba. Lá, todas as manhãs, todas as tardes e todas as noites, estas pessoas saudavam em alto e bom tom: “Bom dia Presidente Lula”, “Boa tarde, Presidente, Lula”, “Boa noite presidente Lula”. Estas vozes eram escutadas lá dentro da prisão e nunca deixaram Lula ficar sozinho.
20 centavos
Todos os caminhos que levaram a condenação de Lula, foram consequência de muitos outros acontecimentos. Antes de 2013, as manifestações que foram noticiadas na grande mídia, eram condenadas como badernas, o foco das notícias eram sempre pequenos atos de vandalismos isolados que aconteciam no meio da multidão. Os protestos contra o aumento das passagens em São Paulo começaram a ser replicado em diversas capitais do Brasil. Nos primeiros dias as notícias seguiam o caminho das manifestações anteriores: “vandalismo, black blocs, pessoas mascaradas, lixeiras viradas” e etc.
Mas após três dias, várias forças políticas viram um outro potencial nestes atos. Assim na noite seguinte os noticiários já retravam os manifestantes como heróis, como um povo em busca de justiça. No mesmo tempo começaram a aparecer gradativamente cartazes com protesto contra a presidenta Dilma, camisetas e bandeiras do Brasil e infraestruturas pagas sabe-se lá por quem. Em questão de 30 dias já não tinha quase nenhum daqueles que originalmente protestavam contra o aumento da passagem, provavelmente quase não tinha mais usuários de transporte público também e o “Vem pra rua” virou um grito grotesco e ainda assim orquestrado de impeachment.
Presidente decorativo
Com noticias diárias contra Dilma e PT, vazamentos ilegais de gravações e inúmeros blogs patrocinados com produção massiva de fake news, já era um tanto óbvio o que aconteceria a seguir. Um tempo após uma carta de Michel Temer ser estampada nos jornais e Eduardo Cunha ter caído por irregularidades, Dilma Rousseff foi cassada pela Câmara e pelo Senado. O impeachment misógino contou com o voto de inúmeros parlamentares que discursavam votar pela família ou pelo país, mas que na verdade queriam mais dinheiro em emendas e poder de nomear apoiadores no governo.
Assim, o vice decorativo, virou o presidente decorativo. No governo Temer houve uma continuidade dos ataques ao PT e à esquerda, sempre acompanhado de grandes meios de comunicação. Por óbvio que, enquanto eles apontavam o dedo e gritavam “lobo”, os direitos da população eram atacados e retirados gradativamente. O preço dos combustíveis foi atrelado ao dólar para agradar executivos estrangeiros, houve uma reforma trabalhista que fez os trabalhadores retrocederem ao século XIX, a entrega do pré-sal a preço de banana, fim de programas como Farmácia popular e Ciências sem fronteiras e a destruição de diversas políticas públicas.
Claro que o governo Temer não tinha objetivo de criar um nome político, apenas de esquentar o banco para uma retomada da direita tradicional no Brasil (na época não chamávamos de “tradicional”, mas os tempos mudam né?). A orquestra seguia afinada em cada movimento, mas ainda tinha uma variável que tirava o sono dos conspiradores: Antes mesmo do período eleitoral se aproximar, Lula liderava intenções de votos nas pesquisas.
Um meme como boi de piranha
Em 2010, provavelmente maior parte das pessoas que não acompanhavam política, não tinham a menor ideia de quem era Jair Messias Bolsonaro, salvo aqueles que viviam nas suas zonas eleitorais. Foi a expansão dos blogs de humor, youtubers e conteúdos virais que trouxeram Jair a atenção nacional como um “Meme”. Suas falas polêmicas eram compartilhadas com muitas risadas e avisos de “olha só esse louco”. Com o tempo, ele agregou um público com extremos de idades, pessoas muito novas de 11 a 14 anos que viviam publicando massivamente na internet, assim como públicos de idade bem mais avançada, que já tinham tendência a reclamar de tudo que era novo e inclusivo.
Estas bolhas foram se somando e ganhando espaço na internet e nas mídias, ainda mais quando começaram a eleger seus inimigos. Apesar do PT ser o prato principal, foi através de ataques a Maria do Rosário e também a membros da comissão da verdade que Jair Bolsonaro começou a viralizar com maior força.
Muito mais adiante, quando Jair Bolsonaro virou o azarão da eleição, quase um novo Enéias, que as forças da direita tradicional viram nele um grande potencial para disputa eleitoral, não para ser o candidato eleito, mas para ser alguém que faria um extremo oposto a Lula, com discursos absurdos e ferozes, assim no meio de uma polarização violenta, apareceria um nome conciliador como terceira via. Parecia um bom plano e naquele momento a única ameaça que enxergavam era a vantagem de Lula nas pesquisas.
Como não queriam correr riscos, Lula, já preso, foi tirado da disputa por 6 votos a 1 no TSE, mesmo sem uma condenação, usando argumentos da lei da ficha limpa, como sugeriu o relator Luís Roberto Barroso. A coligação O Povo Feliz de Novo precisou correr contra o tempo para substituir sua chapa. E a partir daí tudo parecia sobre o mais absoluto controle para as forças que conspiravam desde 2015 pelo poder. Mas eles não previam uma força artificial que deixava sua marca no Brasil e no resto do mundo.
O efeito algoritmo
As redes sociais, não importa qual seja sempre tiveram um único objetivo: ganhar dinheiro. E sim, isso tem ligação com o ocorrido. As redes ganham dinheiro mostrando anúncios aos seus usuários Nós somos o produto. Então, por óbvio, quanto mais tempos passamos nas redes, mais anúncios consumimos e mais dinheiro eles ganham. Para nos manter conectados mais tempo, as redes investem em seus algoritmos e mecanismos de sugestão, tentando moldar o conteúdo que aparece nas nossas telas, ao nosso gosto pessoal. Pode parecer inofensivo, em alguns padrões até é, mas a tentativa desta inteligência artificial de cruzar gostos em comum, trazia uma ameaça quase inimaginável.
Os praticantes de discursos de ódio começaram a aparece um para o outro e ganhar força, para alguém que dizia que o holocausto era uma farsa, era sugerido logo mais um conteúdo terraplanista ou sobre alguma outra teoria da conspiração. E assim pequenos grupos de absurdos foram ganhando uma força massiva na internet através do globo, incluso também o Brasil. O meme virou mito, de repente, nas publicações, os valores começavam a serem invertidos.
Os comentários em publicações já não eram dúvidas nem apoios, a crítica ganhava força total, o ódio virava o maior combustível e as milícias digitais eram organizadas. Se você rebatia uma notícia falsa com uma verdade, na sequência a pessoa te mandava de 10 a 30 comentários massivos e ofensivos, lembrando muito a teoria de “abrir o casaco para parecer maior”.
Esta força artificial podia ser “domada” com técnicas diversas, algo que as pessoas que cercavam Jair Bolsonaro souberam fazer com maestria e já vinham aperfeiçoando anteriormente à eleição. Era a evolução do que havia sido feito anteriormente com blogs patrocinados, mas agora chegava em todo mundo, nas suas redes e até nos seus aplicativos de mensagens.
A tal “mamadeira de piroca” somada a um atentado no mínimo duvidoso, onde o candidato leva uma facada sem sangrar, traçaram um caminho novo e não previsto na orquestra da tradicional direita brasileira.
Quatro anos de terror
Para o Brasil foram quatro anos de terror. Para a nascida e fortalecida extrema direita, acompanhada do centrão, foram anos de banquetes. Jantaram as verbas públicas de todas as formas que podiam, eram sigilos de cem anos, milhões em cartões corporativos, mais retiradas de direitos, orçamentos secretos, compra de remédios ineficazes para Covid que eram vendidos por aliados, queda de braço contra a ciência, ofensas a países aliados, enfim, cada dia um novo trem desgovernado.
Foram quatro anos de seguidos ataques ao PT, a Lula, a justiça brasileira, ao sistema eleitoral, as minorias, sindicatos, trabalhadores e etc. Era um novo período pré-golpe de 64, onde ressuscitavam o fantasma da ameaça comunista para justificar todas as suas irregularidades.
Novamente durante este período, uma ainda não tão enfraquecida “direita tradicional” achou que funcionaria ainda a tal terceira via quando chegasse um novo projeto eleitoral. Desta vez seria difícil tirar Lula da disputa, mas sabiam que Bolsonaro usaria a máquina de todas as formas para atacar o ex-presidente, no mais baixo nível possível.
Mas novamente eles não entenderam o efeito Jair Bolsonaro. Não conseguiram enxergar o quanto o povo pobre sofreu com a fome e o abandono. Este grito de “basta!” não seria transferido a uma incerta terceira via, o povo só desejava uma solução: Lula presidente!
A tentativa de golpe
Foi uma eleição suja, onde apesar das fake news andarem soltas, principalmente em grupos evangélicos, surgiram agentes muito mais preocupantes que elas, como o assédio eleitoral em empresas. Dos 20 maiores casos investigados, 19 eram pró-Bolsonaro, que ameaçavam demitir trabalhadores ou rescindir contratos com fornecedores. O único caso que envolvia favoritismo a Lula, a queixante afirmou que a dona da empresa tratava melhor os funcionários que votavam abertamente em Lula.
O presidente, em uma jogada eleitoral, reduziu o preço dos combustíveis antes da eleição, algo que não quis fazer em quatro anos, também aumentou o valor do auxílio para R$ 600,00 (o que anteriormente também era contra) e criou auxílios na casa dos quatro dígitos para taxistas e caminhoneiros.
No dia das eleições vimos uma coação ainda pior que a das empresas, quando polícias rodoviárias e outras forças policiais de alguns estados fizeram operações contra ônibus que levavam eleitores, com foco maior no Nordeste. Em alguns estados eram três barreiras até chegar as urnas, onde só quem tinha adesivo de Jair Bolsonaro poderia passar sem ser parado. Houve até casos de policiais perguntarem nas barreiras em quem o condutor estaria indo votar. Em outras cidades houve relato do dia anterior de adesivos colados a força nos carros em semáforos. Todo este aparato e toda esta pressão afetaram o máximo possível o resultado favorável a Lula.
Mesmo assim a vontade do povo foi mais forte que todo o dinheiro e aparato policial que Jair Bolsonaro e seus seguidores possuíam. Após ser derrotado, mesmo trapaceando, Jair se abraça com certo cuidado ao discurso do derrotado Donald Trump de questionar as eleições. Já a “tradicional direita brasileira” murchou drasticamente em todas suas representações eleitas e foi a grande derrotada do próprio cenário que criaram.
Boa tarde presidente Lula!
Toda essa volta na história por mais massiva que seja, é necessária para que possamos ter uma ideia mais próxima do que esta saudação quer dizer e como ela marcou este momento importante na história do Brasil.
Assim como Nelson Mandela, Lula superou injustiças e poderosos inimigos, para chegar neste momento. Lula não fugiu, mesmo sabendo que era uma perseguição, ele encarou cada um daqueles que queriam ser seus carrascos, ele enfrentou cada um deles como quando prestou depoimento a Moro. Em cada passo, em cada enfrentamento e em cada dificuldade, Lula nunca esteve sozinho, sempre teve um povo aguerrido e forte ao seu lado, um povo que também nunca se entregou. Este povo estava lá, seja fisicamente ou em pensamento, naquela vigília, gritando noite após noite e manhã após manhã, saudando o presidente em seu cárcere e levando motivação através de cartas.
Agora, ao entrar no palanque para ser diplomado, o grito de Boa tarde não foi uma saudação, foi um longo flashback de tudo que passamos e superamos, de tudo que Lula enfrentou… E também uma lição, que não importa o que façam contra nós, que não importa o quão alto o ódio tente gritar neste país, enquanto permanecemos juntos, o amanhã sempre vem e com ele a esperança de um futuro melhor.
Boa tarde presidente Lula.
*Jonas Tiago Silveira é músico e jornalista.
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