Por LUIZ ROBERTO ALVES*
A variação de postulantes a presidente da república além de Lula e Bolsonaro
Este texto é dedicado a tão somente fortalecer o artigo anterior do colunista e produzir alguns alertas no quadro do tertius, ou da variação de postulantes a presidente da república além de Lula e Bolsonaro.
A respeito do fortalecimento sobre o trabalho já escrito em A Terra é Redonda há poucos dias, lembrar que a representante fundamental dos candidatos e das candidatas será a linguagem, fala e escritura. Deste modo, os discursos e textos de campanha serão capazes de sugerir aos eleitores honestidade/desonestidade, verdade/inverdade, conhecimento/ignorância, asserção/enganação, objetivação/blá-blá-blá etc. Seria pueril que candidatos tentassem fazer entender que eles falam e escrevem ótimas coisas e são vilipendiados em seus “ótimos discursos” pelos adversários. Isso pode ocorrer, mas não é determinante da ruindade ou do horror dos textos e falas.
Textos e falas ruins são, como ocorre na literatura mundial, incapazes de caracterizar fatos, processos e pessoas objetivadas, falsear (pela ausência e por interesses) dados e situações e incompetentes para evidenciar laços indissolúveis entre as partes nas quais se realiza a totalidade da mensagem e sua organização textual. Não se fecham. São feitos para burlar, enganar e convencer, sem estrutura que prove o real, que conecte argumentos, que sinalize valores, tanto de uma lógica formal pretensamente assumida quanto em face da história social democrática e cidadã.
Como uma sociedade sofrida e desumanizada historicamente, como a brasileira, separa o joio do trigo, a asserção da enganação? Talvez, como ponto de partida, a partir mesmo do seu sofrimento e duras experiências. Agnes Heller sugeriu em suas obras ( Cotidiano e história, por exemplo) que é precisamente a partir do cotidiano que a pessoa/indivíduo se revela numa consciência repetitiva, ilógica e enfadonha (por isso muitas vezes enganado/a em época eleitoral); no entanto, a simples curiosidade pode levar a nova conquista, isto é, a consciência individualizada revela e se revela que há forças, movimentos e tendências de caráter social, abertas e problemáticas. Num passo seguinte, o que se resumia ao individual passa a conter valores sociais, históricos. Daí que vão ser equivalentes o social e o individual, a história maior e o cotidiano, o que passa a incluir valores, memórias e tradições familiares e grupais, como também António Gramsci mostrou. Certamente se segue a não reprodução ou repetição e sim o debate, a leitura ampliada, o diálogo, os aprendizados e os ensinamentos. Trata-se, no fundo, de uma espécie de revolução comunicacional que constrói e organiza a vida psicossocial.
Esta tem sido, sem dúvida, a maneira pela qual foram criadas e reveladas todas as lideranças rurais e urbanas, das florestas, dos quilombos, do mundo indígena, da prática sindical, das juventudes periféricas aos grandes centros urbanos de exclusão.
Provavelmente, o melhor discurso, propedêutico, a partir de agora, dos candidatos e das candidatas realmente progressistas (do progresso social e não do desenvolvimento neoliberal) seja aquele que toca nessa estrutura que vai do cotidiano repetitivo ao psicossocial criador e libertador.
Lembre-se de que nem “forçando a barra” candidatos e candidatas do liberal-desenvolvimentismo poderão articular esse discurso. É uma antiga bobagem dizer que “papel aceita qualquer coisa”. Aceita, mas o resultado é ruim, enganador, de lógica de pé-quebrado, caricatural, não-verdadeiro.
Há também um imenso papel desmistificador e libertador a ser feito por organizações populares, movimentos de luta em todas as áreas da vida brasileiro e lideranças convictas e competentes. Será um grande movimento nessa direção. Aliás, partir da curiosidade humana, do desejável cidadão e construir consciência política é parte da metodologia científica, que faz processo similar no rumo de achados, descobertas e revelações a favor da vida, seus sofrimentos (caso da saúde e da habitação etc.) e seus direitos fundamentais e cívicos.
Este país sofrido desde 1500 já foi longe demais no seu republicanismo torto e estrábico. Autoritário. Especialmente nas práticas eleitorais. É hora do equilíbrio histórico, entre a desumanização (colonial, imperial e “republicana”) e o devir brasileiro da cidadania. Cidadanear é um verbo que, se fosse conjugado costumeiramente, teria poucas conexões. De fato, a grande conexão de cidadanear é com. Não se cidadaneia[i], ou cidadania, sozinho, liberalmente, de qualquer jeito. O irmanamento, a solidariedade e a construção coletiva determinam a condição de cidadão, de cidadão. Estamos muito longe disso!! Alguém do campo neoliberal entre as candidaturas poderá provar o contrário? Só não basta dizer que “melhorou muito em relação há tempos atrás”. Esta fala é cruel e vil, pois essa sociedade subtropical tem pequenas subidas e duras quedas, de que resulta a continuidade da fome, da pobreza, da má-educação, da habitação desgraçada, da morte por agrotóxicos do agronegócio, dos “centrões do congresso nacional”, dos criminosos amigos dos vírus em tempo de pandemia etc. Pior, as quedas em tempo progressista são açuladas violentamente e as quedas em tempo liberal e mesmo fascista são amenizadas, normalizadas.
A propósito do conceito central de desumanização, Paulo Freire fez um desenho de próprio punho que ficou por muito tempo desconhecido (porque as primeiras edições talvez nem o conhecessem) e foi revelado em Pedagogia do oprimido (manuscrito). Caberia visualizá-lo e ver o que resulta nos textos dos colunistas encalacrados nas diversas terceiras-vias, entre tertius gaudens e iungens.
Segue, para horror do Sr. Rogério Marinho e dos milhões que talvez do Paulo só conhecem o nome:
Faltam palavras, como Teoria (ângulo superior esquerdo), sujeitos, liderança, objeto mediatizado. Mas os lugares para onde apontam as flechas são claros e objetivos.
Convém recordar que tal desenho ganha projeções e sentidos precisos em análise que considere as várias obras do Paulo. Aviso aos discursadores piratas.
Sobre o tertius, as mais aguerridas escolhas já foram feitas pelos editorialistas. Uma velha história da imprensa brasileira, sempre tratada com autojustificação, suposto senso de colaboração para o país e complacência. Talvez um fenômeno irremediável, até porque concretizado por jornais dos Estados Unidos e da Europa, motivo bastante para que se faça aqui do mesmo modo. Nenhuma análise das nossas reais condições de produção e disseminação da informação, estado da educação e da cultura política e outras variáveis em relação aos países centrais e prestigiados em genuflexão. Moro parece ser o escolhido, em atitude sebastianistade vários jornalões brasileiros. O Estado de S. Paulo investe até em pesquisas especiais para determinar o prestígio do candidato da lava-jato e seu.
Não é o caso de lastimar ou rogar praga. Enfrentar, sim. De fato, a sociedade brasileira pode pressionar a favor da garantia de representação dos diversos candidatos e construir um inovativo sistema de debates (não reproduzir!!), interlocuções no interior da mídia, espírito crítico diante dos discursos, sem qualquer atitude protecionista deste ou daquele, desta ou daquela. Quanto à mídia, ela tem donos e associados ferozes, que fogem de regulamentações como o diabo da cruz. Elas se aproveitam do grande comércio internacional de dados. O que se comercializa, converge.
Daí que ficará fácil entender e mesmo destruir pela análise as mensagens da mídia sobre os seus “escolhidos”. Considerado o estado jurídico da questão, o campo de trabalho do ex-presidente Lula será atacado duramente por meio da formalidade lavajatista, também aproveitada por outros candidatos que não Moro. Noutras palavras: não interessarão dados, fatos, processos, fenômenos dados na história. Interessarão os discursos comprometidos entre juizado e promotoria antes da análise do STF, a “convicção de Moro”, as falas do seu livro, os “grandes roubos da Petrobrás”, talvez o socialismo ou o comunismo do candidato, aliás, o mais esfarrapado dos discursos. Estão em questão, pois, as leituras históricas e científicas versus as “convicções” do juiz que se move prá lá e prá cá em busca da própria justificativa de sua existência. Moro não é um ser político e sim uma pessoa objetivada por si mesmo a atingir devaneios da adolescência. Até agora, nada permite pensar ele que não será um desastre pior do que o de Collor, “caçador de marajás”. Com apoio dos jornalões e setores do mundo do direito, cuja memória nunca foi aquela boniteza!
A insensibilidade é farta; a acuidade e as leituras entrevistas na história são restritas. Exigem do ser humano mais do que poder.
Valem para a campanha as reflexões do final do texto anterior. Acreditar é preciso. Somos parte desta terra.
*Luiz Roberto Alves é professor sênior da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Nota
[i][i] Expressão usada pelo autor em obra coletiva recentemente publicada. Comunicação para a Cidadania (30 anos em luta e construção coletiva). São Paulo, Intercom e Gênio Editorial, 2021, p. 51ss.