Por WILTON CARDOSO*
Cinco poemas
Súplica
Alguém
me dê esperança
me livre do coiso
me acenda o riso
me ascenda a alma
me percorra o corpo
um frenesi de energia
um transbordar de alegria
que há muito não ri
alguém
um líder um profeta um sábio
uma bruxa um anjo um pássaro
um totem um presságio (a flor
do poeta nascida no asfalto)
algo ou alguém o que for
me mostre o estreito caminho
me revele o improvável porvir
que não caia no abismo ao fim
e quando vier a mim
dádiva graça benesse
me transcenda me atravesse
e contagie toda a gente
e que este tempo besta
este temporal de perrengues
pragas selos tristes trombetas
vá pro diabo que o carregue
Clima
de fim de festa
fim de mundo um dilúvio
de fumaça
despenca de rios voadores
(e nos afoga no ar)
céu cerrado
tórridas serrarias
soja e gado
fogo e cinzas
o mato cinza
a cidade cinza
a vida cinza
a hora cinza
e este chão árido
doente
sob o sol pálido
inclemente
Dias dançantes
“Vem, me dê a mão\ A gente agora já não tinha medo” (Chico Buarque).
Quando havia utopia
o mundo era escuro
mas o sol nascia no futuro.
O mundo era muito
desigual e bruto e falar
temerário
mas havia a esperança de um dia
se acordarem (e rimarem) os contrários.
A música era alegre
com um pingo de tristeza
ou seria triste
com lampejos de alegria?
Eu era menino e pouco
do mundo eu sabia
sei que a TV me ninava
toda noite com João e Maria
quando havia (ainda) utopia.
Cerco
Olho para cima e um pastor furioso
cospe o Evangelho ao pecador comunista
ateu, macumbeiro, gay, feminista…
Olho para baixo e a Terra se esboroa
em monturos de lixo e nuvens de fuligem
devorada pela fábrica de mercadorias.
Olho à direita e se arreganham caninos fascistas
e se entoam as ladainhas do empreendedorismo
e os mantras sagrados do livre mercado.
Olho à esquerda e não vejo nada, nada imagino
minha cabeça avoada fincou, enfim, os pés no chão
e cercou-se da realidade
(minha cabeça perdeu
o descaminho dos sonhos, perdeu
sua sanidade).
Microparaísos no inferno
Guerras guerras guerras
Estou cansado de saber das guerras
Quero apenas contemplar as guelras
Dos peixes lentos na lagoa calma
E as garras
Afiadas dos gatos
Guardadas
No macio das patas
*Wilton Cardoso é poeta e ensaísta. Editor do blog literário, O engenheiro onírico.
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