Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Ensinar educação financeira a populares é democratizante. Propõe sim uma re-evolução sistêmica, para ir além do sistema capitalista, gradual e democraticamente, com uma meta mais socialmente igualitária
1.
O coletivo das economias comunitárias busca destacar a variedade de transações, formas de trabalho, relações de classe, tipos de empresas e relações ecológicas possíveis diante das dinâmicas de desenvolvimento nas economias contemporâneas. O geralmente considerado “a economia” se resume a trabalho assalariado, comércio de mercadorias no mercado e empresa capitalista.
O sistema capitalista envolve as pessoas comuns na prática de “fazer economia”. Visam “economizar”, para a acumulação de reservas financeiras, no sentido de enfrentar eventuais acidentes de percurso e manter o padrão de vida na aposentadoria.
Ensinar educação financeira a populares é democratizante. Propõe sim uma re-evolução sistêmica, para ir além do sistema capitalista, gradual e democraticamente, com uma meta mais socialmente igualitária.
Questionar o “capital-centrismo” e incluir trabalhadores significa afastar o risco da incrustação da sociedade no mercado ou “desincrustração do mercado” a la Karl Polanyi. Uma representação da economia como essencialmente capitalista depende da exclusão de muitos trabalhadores da possibilidade de enriquecimento.
Os interessados na economia social e seus “alternativos” empreendedores sociais, redes e organizações econômicas são economistas-políticos. Fazem uma análise econômica para observar o excedente extraído de diferentes atividades, geridas não apenas por empresas capitalistas, mas também por familiares e cooperativas.
A economia de laços, também conhecida como economia de reciprocidade, refere-se a um sistema econômico onde as transações são baseadas em relações sociais, como parentesco, amizade, vizinhança ou afiliação comunitária, em vez de transações puramente mercantis. As pessoas trocam bens e serviços com base em laços sociais e normas culturais em vez de ser em preços de mercado. Sobrevive em nível local, mas não em escala global e anônima.
A confiança e a cooperação desempenham papéis fundamentais nesse tipo de economia, onde as relações pessoais são tão importantes quanto as transações econômicas em si. A economia de laços é comumente observada em comunidades primitivas, mas hipoteticamente poderia ser encontrada em contextos urbanos mais modernos, especialmente em redes sociais e comunitárias.
Uma dúvida é se redes sociais virtuais – e não presenciais – propiciam laços de afetos. Muitas vezes se percebe a afinidade ideológica não corresponder a caráter amistoso no relacionamento, devido ao narcisista privilegiar sua “imagem pública” de falante agressivo. Mas é, simplesmente, um anônimo a mais…
2.
A preocupação em ser grandioso, o exibicionismo, o sentimento de indiferença em relação ao outro, a ausência de empatia e a incapacidade de se relacionar são aspectos definidores do narcisismo. Reina o individualismo.
É a tendência, atitude de quem vive exclusivamente para si, demonstra pouca ou nenhuma solidariedade. O egoísmo e o egocentrismo imperam como uma doutrina moral, econômica ou política, em uma sociedade massificada em rede social.
Adotam-na os neoliberais, aliados aos neofascistas, ao valorizarem, sobretudo, a autonomia individual na busca da liberdade e satisfação das violentas inclinações naturais. Desejam a “liberdade de expressão” para agredir seus adversários!
É necessário questionar, inclusive sob o ponto de vista econômico, essa doutrina na qual o lema do Integralismo – “Deus, Pátria e Família” acima de tudo (e todos) – de origem fascista. Visa preservar clã e dinastia familiar para si.
Em sentido oposto, a impessoalidade do dinheiro, para pagamento justo do trabalho assalariado, é um avanço diante do favoritismo ou nepotismo. Para evitar a anomia com perda de identidade, cabe vincular as pessoas ao convívio social.
Por exemplo, a prática de associação em empreendedorismo, onde sócios obtêm participação acionária, tem suas raízes em associação comercial. Comerciantes passaram a se unir para financiar e realizar expedições comerciais ultramarinas.
A Companhia das Índias Orientais, fundada em 1602 na Holanda, propiciou “burgueses” (citadinos comerciantes) se tornarem acionistas. Investiram capital em troca de participação nos lucros e controle sobre a empresa aberta. Muitos empreendimentos coloniais foram financiadas por acionistas. Corriam o risco do fracasso em troca de participação nos lucros e ter poder de decisão.
A modernização da legislação comercial, inclusive a Lei das Sociedades por Ações, ajudou a formalizar e padronizar a prática de associação em empreendimentos. A Bolsa da Antuérpia, criada em 1531, na Bélgica, foi a primeira bolsa de valores.
A bolsa proporciona um ambiente onde as ações das empresas são negociadas livremente entre os investidores. Estimula mais a formação de sociedades de capital aberto, onde os empreendedores levantam capital ao vender participações acionárias ao público interessado.
No século XX e XXI, a ascensão do capitalismo moderno com a globalização financeira levou à proliferação de empresas de capital aberto em todo o mundo. Empreendedores, em grande variedade de setores, desde tecnologia até manufatura, continuam a utilizar a prática para financiar e expandir seus negócios.
3.
Por qual razão o mercado de ações não se popularizou no Brasil? A Bolsa de Valores aqui teve origem em 1890, com sua fundação no Rio de Janeiro, não por acaso dois anos após a tardia extinção da escravidão. A de São Paulo foi criada no mesmo ano.
Caso não tivessem tanto poder as famílias dinásticas, atrasando a reforma agrária em benefício dos escravos libertos (e seus descendentes) e o ensino superior para os trabalhadores urbanos, não haveria maior possibilidade de mobilidade social?
Com melhor distribuição de renda e riqueza poderia ter ocorrido o desenvolvimento de uma economia de mercado de capitais no Brasil a la americana. Teria vários impactos positivos na economia brasileira, propiciando maior acesso ao capital, via Ofertas Públicas Iniciais (IPOs), e posterior alavancagem financeira.
Um mercado de capitais desenvolvido proporcionaria mais opções de financiamento às empresas, permitindo elas levantarem capital através da emissão de ações e títulos de dívida direta (debêntures). Poderia ter estimulado o crescimento econômico e a inovação, porque as empresas teriam mais recursos para investir em expansão e Pesquisa & Desenvolvimento tecnológico.
Ofereceria uma alternativa viável diante o financiamento bancário, reduzindo a dependência das empresas em relação ao caro endividamento junto a bancos. Permitiria investidores comprarem e venderem participações com facilidade, refletindo informações e expectativas dos participantes do mercado, com o capital fluindo para os setores e as empresas mais produtivos e promissores.
Poderia atrair investidores estrangeiros em busca de oportunidades de investimento em economias emergentes. Os influxos de capital estrangeiro para o país fortaleceria o mercado de câmbio, aumentaria a liquidez dos mercados financeiros locais e talvez até integraria o país às cadeias globais de valor.
O crescimento do mercado de derivativos ofereceria instrumentos financeiros para gerenciamento de riscos, como futuros, opções e swaps. Ajudaria empresas e investidores a protegerem-se contra flutuações de preços e volatilidade financeira.
Obviamente, haveria a necessidade de regulamentação adequada, transparência e proteção aos pequenos investidores. Sem dúvida, o processo benéfico de “financeirização” popular (muito pior sem ela como ocorre na Argentina) levaria tempo e exigiria investimentos em infraestrutura e capacitação profissional.
A hipótese aqui levantada leva a rever conceitos e questionar dogmas ideológicos, impregnados em mentes de esquerda. Pior, diante de um sistema capitalista, é um bloqueado em sua evolução para alcançar um futuro sistema com menor pobreza.
Sem dúvida, ele é desigual e combinado. Mas “vamos combinar”: o padrão de vida com a massificação do ensino técnico e superior com qualidade, a “financeirização” da poupança popular e a internacionalização da economia a la Tigres Asiáticos poderá diminuir a pobreza, embora não elimine a desigualdade. Claramente, necessitará de uma política social ativa com Renda básica universal.
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/3r9xVNh]
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