Carlos Lessa (1936-2020)

Antonio Lizárraga (Jornal de Resenhas)
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por CHICO ALENCAR*

Perfil do intelectual e economista, vítima da Covid-19

Bem jovem, eu “fugia” da Faculdade de História para assistir aulas do instigante Carlos Lessa, na Economia da UFF. Ele, que repetia sempre que a economia era “uma ciência triste”, não escondia sua alegria de viver e de curtir seus prazeres, em sons e sabores. Nada de humano lhe era estranho.

Homem do conhecimento, da ciência, era também da vida cotidiana, curioso com o comum do povo. Um batuta da Academia fascinado pelo batuque dos morros. Pensando grande e brigando por projetos de redenção do Brasil e de caminhos para o mundo, Lessa sabia como poucos valorizar seu espaço vivido e sua amada cidade, o Rio.

Devorei as 478 páginas de seu extraordinário O Rio de todos os Brasis (Record). Leitura obrigatória, aliás, para quem vier a postular dirigir o Rio a partir do próximo ano, no Executivo ou no Legislativo.

Carlos Lessa amava sua cidade, que via como retrato das mazelas e belezas do Brasil. Como amava seus amig@s e, em especial, sua companheira “do Rio da vida”, Martha, e seus filh@s, Thereza, Rodrigo e Pedro, cariocas, herdeiros dos grandes valores do querido pai. A eles meu abraço fraterno e solidário nessa hora triste.

Rodrigo Lessa, compositor, disse que seu pai “foi embora num momento em que o Brasil está destroçado”. Dor imensa pela perda. Tristeza também pela asfixia da dignidade, da soberania, da cultura popular, da educação, do desenvolvimento com justiça social: tudo pelo que Lessa batalhou durante toda sua fecunda vida.

Carlos Lessa, o que não tinha medo da polêmica nem da política, presidente do BNDES, reitor da UFRJ, é mais um grande que se vai nesse tempo sombrio no qual avultam as mediocridades. Democrata e nacionalista radical, sonhando com um Brasil do “vir a ser”, não suportou a atual desgraça federal!

É preciso esculpir em nossos corações a constatação-profecia-desejo de Lessa, o apaixonado indomável: “talvez a relação intensa com a rua seja o denominador comum, decantada pelo tempo, do ser carioca. Nas ruas do Rio, o escravo, circulando e sobrevivendo, foi menos escravo; nela, o migrante prospectou seu espaço de possibilidades; na rua a festa religiosa-profana foi o momento de máximo lazer. (…) O carioca não tem medo da multidão, tem medo, sim, da praça vazia”.

Carlos Lessa nos deixa em meio ao paradoxo: só as ruas da cidadania ativa, consciente e organizada barrarão a escalada neofascista que ele odiava. Mas só nos protegendo, recolhidos, ultrapassaremos esse tempo da aguda pandemia que também o vitimou.

Lessa partiu no Dia Mundial do Meio Ambiente: ele que propagou, como poucos, a compreensão do ambiente inteiro e o amor pulsante por tudo o que vive.

Carlos Lessa descansa em paz no colo cósmico do Todo Poderoso Amor. Foi luz, continua a irradiar sua energia! Gratidão, professor!

*Chico Alencar é professor da UFRJ, escritor e ex-deputado federal (PSOL/RJ).

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES