Como uma onda grande no mar

Imagem: Lucas Vinícius Pontes
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUIZ WERNECK VIANNA*

A eleição deste ano tem o caráter de um movimento de salvação nacional

Se os que são capazes de avaliar o tamanho das concentrações populares estão certos foram cerca de 4 milhões de pessoas que estiveram presentes no último domingo na chamada parada gay que teve como palco a avenida Paulista, já há algum tempo lugar preferencial de protestos populares. Por tudo que lá foi celebrado, cantado e dito a plenos pulmões em favor das liberdades individuais e de culto religioso a contrapelo dos valores obscurantistas que o governo Bolsonaro se empenha em difundir tivemos ali uma manifestação plebiscitária de repúdio a tudo isso que aí está.

Os sinais de que uma mudança em grande escala está por vir também estiveram e ainda estão presentes na comoção provocada pelo assassinato dos heróis amazônidas Bruno Pereira e Dom Philipps que trouxe à luz o mundo de trevas a que estão condenadas as populações ribeirinhas e os indígenas das regiões da Amazônia profunda. A atenção que a opinião pública dos países do Ocidente democrático dedicou a esse trágico episódio, obviamente relacionado à questão ambiental, evidencia a importância de se isolar internacionalmente o infame governo do nosso país e de favorecer a ação de suas oposições democráticas, especialmente por parte do governo Biden, de forte significação em nosso continente.

Os ventos benfazejos que começam a soprar em Nuestra América do México a Argentina, passando pelo Chile, Peru, e agora com a boa surpresa da Colômbia, não terão como evitar, como o plebiscito da avenida Paulista sinaliza, que bafejem por nossas terras. De toda parte, o que se previa como uma irresistível maré neoliberal partem movimentos de contestação a ela, como na França em que a esquerda teve ampla votação nas eleições majoritárias e na legislativa, insinuando em futuro próximo resultados ainda mais incisivos. Outro indicador de mudança de rumos se faz conhecer no Reino Unido com a primeira greve nacional em 30 anos no setor ferroviário. No mesmo sentido, faz-se notar a União Europeia como nova presença afirmativa no cenário internacional em nome dos valores civilizatórios que representa.

Diante dessas novas balizas a enquadrarem o campo imediato em que se inscreve nosso país – a Ucrânia é muito longe daqui – importa reconhecer a distância em que nos encontramos dos idos de 1964 quando se tramou e se efetivou um golpe militar com amplo apoio externo, particularmente do governo americano de então. Contudo, é um segredo de polichinelo que está em pleno curso uma movimentação em favor de mais um golpe a vitimar as instituições republicanas como reação à vitória eleitoral da chapa Lula-Alkmin, a essa altura tida como certa no radar de todos, confirmada pelos institutos de pesquisa eleitoral. Os que tramam em favor do golpe não deixam claro até aqui quando levariam a cabo tal infausto desígnio, se antes, durante ou após a comunicação do resultado das urnas.

O pretexto para a encenação golpista arremeda a pregação de Donald Trump que denunciava, desde antes das eleições, de que elas seriam fraudadas, mesmo sem dispor, a qualquer tempo, de evidências que comprovassem suas denúncias. No nosso caso, tenta-se tumultuar a apuração eleitoral com a presença exótica de corporações externas, orientadas, como se diz popularmente, em melar o processo eleitoral.

Estamos, pois, em situação de risco que não se pode subestimar. Ao alcance das forças democráticas, um poder desarmado, contudo, cabe uma audaciosa composição de forças que, por sua envergadura, desestimule os arreganhos golpistas, obrigados ao recuo pelos impactos nacionais e internacionais de suas temerárias intenções. Já se conta com uma candidatura robusta, a de Lula-Alkmin, mas ainda é pouco, uma vez que se impõe a criação de um movimento que se torne irresistível e que arraste de sua frente quaisquer tentativas de resistências ao seu triunfo.

Essa eleição tem o caráter de um movimento de salvação nacional, como nas poderosas frentes antifascistas articuladas pelo gênio político de notáveis estadistas nos anos 1940, e sua singularidade, pelo peso das nossas atuais circunstâncias, é a de que o seu resultado deve ser garantido antes mesmo da sua realização.

*Luiz Werneck Vianna é professor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Autor, entre outros livros, de A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Revan).

 

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Francisco de Oliveira Barros Júnior Daniel Costa André Márcio Neves Soares João Lanari Bo Alexandre de Freitas Barbosa Jorge Branco Bernardo Ricupero Valerio Arcary Juarez Guimarães Chico Alencar Everaldo de Oliveira Andrade Eleutério F. S. Prado Elias Jabbour Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Gilberto Maringoni Remy José Fontana Ronald Rocha Claudio Katz Alysson Leandro Mascaro Vanderlei Tenório Marilena Chauí Berenice Bento Ricardo Antunes João Adolfo Hansen Osvaldo Coggiola Bruno Machado Luís Fernando Vitagliano Tadeu Valadares Ari Marcelo Solon Ladislau Dowbor Paulo Nogueira Batista Jr Daniel Afonso da Silva Bento Prado Jr. Andrew Korybko Dênis de Moraes Gerson Almeida André Singer Thomas Piketty Lorenzo Vitral Paulo Fernandes Silveira João Carlos Salles Paulo Martins Michael Roberts Vladimir Safatle Liszt Vieira Ricardo Fabbrini Marcus Ianoni Anselm Jappe Julian Rodrigues Leonardo Sacramento Heraldo Campos Luiz Roberto Alves Sergio Amadeu da Silveira Airton Paschoa Celso Frederico Henry Burnett José Dirceu Celso Favaretto Antônio Sales Rios Neto Marjorie C. Marona Leonardo Avritzer Ronald León Núñez Salem Nasser José Geraldo Couto Bruno Fabricio Alcebino da Silva Carla Teixeira Rodrigo de Faria Annateresa Fabris Slavoj Žižek Marcelo Guimarães Lima Leda Maria Paulani Mário Maestri Eleonora Albano Francisco Fernandes Ladeira Henri Acselrad Luiz Carlos Bresser-Pereira Paulo Sérgio Pinheiro Fernão Pessoa Ramos Flávio Aguiar Ricardo Abramovay Michael Löwy Yuri Martins-Fontes Vinício Carrilho Martinez José Raimundo Trindade João Feres Júnior Alexandre de Lima Castro Tranjan Renato Dagnino José Micaelson Lacerda Morais Luiz Eduardo Soares Gabriel Cohn Fábio Konder Comparato Matheus Silveira de Souza Rafael R. Ioris Marcos Silva Manchetômetro Denilson Cordeiro José Luís Fiori Samuel Kilsztajn Kátia Gerab Baggio Leonardo Boff Antonino Infranca Milton Pinheiro Ronaldo Tadeu de Souza Tales Ab'Sáber Andrés del Río José Costa Júnior João Paulo Ayub Fonseca Priscila Figueiredo Fernando Nogueira da Costa Antonio Martins Benicio Viero Schmidt Luciano Nascimento Jean Marc Von Der Weid Paulo Capel Narvai Eugênio Trivinho Armando Boito Lincoln Secco Luis Felipe Miguel Marcos Aurélio da Silva João Sette Whitaker Ferreira Marilia Pacheco Fiorillo Mariarosaria Fabris Dennis Oliveira Luiz Marques Ricardo Musse Michel Goulart da Silva Alexandre Aragão de Albuquerque Walnice Nogueira Galvão Flávio R. Kothe Maria Rita Kehl Francisco Pereira de Farias João Carlos Loebens Igor Felippe Santos Chico Whitaker Érico Andrade José Machado Moita Neto Tarso Genro Lucas Fiaschetti Estevez Luiz Bernardo Pericás Boaventura de Sousa Santos Carlos Tautz Otaviano Helene Luiz Renato Martins Atilio A. Boron Marcelo Módolo Eugênio Bucci Jorge Luiz Souto Maior Jean Pierre Chauvin Sandra Bitencourt Plínio de Arruda Sampaio Jr. Caio Bugiato Gilberto Lopes Rubens Pinto Lyra Eduardo Borges Eliziário Andrade Luiz Werneck Vianna Daniel Brazil Anderson Alves Esteves Afrânio Catani Manuel Domingos Neto

NOVAS PUBLICAÇÕES