Por FRANCISCO HIDALGO FLOR*
O estado de “conflito armado interno” declarado pelo governo de Noboa não resolve os elementos imediatos e mediatos do problema, mas beneficia os militares e as redes do Departamento de Estado dos EUA
É uma situação complexa a que o Equador atravessa neste início de 2024, agora fortemente marcada pelo impacto do aumento da violência, atingindo níveis que, se compararmos com os registros do final de 2019, época da pré-pandemia, pioraram em 300%. Os massacres em presídios em confrontos entre facções criminosas fizeram cerca de 170 vítimas nos últimos dois anos. Isso é espantoso, mas não pode ser resolvido com a declaração de estado de guerra. A recente medida do governo do novo presidente Daniel Noboa de declarar uma situação de “conflito armado interno” não ajuda em nada.
Uma situação é a expansão das quadrilhas de narcotraficantes e os massacres nas prisões, e outra é um conflito armado interno. Cabe perguntar: quantos países no mundo passam por fenômenos como o crescimento do narcotráfico e a expansão das máfias? Muitos. E quantos o classificam e procedem como uma situação de conflito armado interno? Equador e alguns mais.
As causas que levaram o Equador a se tornar um ponto crucial para os novos circuitos do tráfico de drogas para os Estados Unidos e a Europa se devem mais a razões externas do que internas, e não são resolvidas por uma escalada militar do conflito.
Entre os fatores externos a serem mencionados estão: o aumento do cultivo de coca e da produção de cocaína nas regiões que fazem fronteira com o Equador, o papel cada vez maior das máfias transnacionais sediadas no México para o narcotráfico com os Estados Unidos e das máfias dos Bálcãs para os mercados europeus, que buscaram e incentivaram “parceiros locais” no Equador, e a expansão da demanda no “primeiro mundo”.
Os fatores internos incluem a grave crise econômica e de desemprego do país, que tem um forte impacto sobre os jovens das favelas urbanas, a corrupção dos juízes e da polícia, a permeabilidade dos portos no litoral, as remessas de exportação e os circuitos financeiros estimulados pela dolarização.
Mais graves são os impactos para o conjunto dos setores populares, urbanos e rurais, a expansão das quadrilhas de narcotráfico, juntamente com o tráfico de pessoas e a extorsão, um perigo que é maior em áreas de interesse especial para estes setores, áreas próximas a portos, independentemente de seu tamanho, e o recrutamento massivo de jovens, às vezes ainda crianças. Isso se expressa principalmente nas províncias da região costeira e também em algumas da Amazônia, bem como nas áreas de fronteira. Um exemplo disso é que o grupo que atacou recentemente o canal de televisão TC era formado por jovens entre 16 e 24 anos, incapazes de transmitir qualquer mensagem que não fosse a exibição de armas, dinamite e a intimidação de reféns.
As razões para a declaração político-militar de um “conflito armado interno” não estão na expansão do tráfico de drogas, mas em outro canto, nos setores e forças que veem a oportunidade de obter um consenso social que não conseguiram forjar de nenhuma outra forma.
O estado de “conflito armado interno” declarado pelo governo de Noboa não resolve os elementos imediatos e mediatos do problema, mas beneficia os militares e a expansão das redes do Departamento de Estado dos EUA no controle da segurança e das fronteiras do país, inclusive a marítima. Atualmente, o principal porta-voz do governo é o chefe do comando conjunto das Forças Armadas, e o embaixador dos EUA participou da reunião do Conselho de Segurança do Estado.
Isso permite que o governo do novo presidente Daniel Noboa faça uso de um discurso e apele para um tipo de política mais encorpada do que a que ele exibiu na campanha eleitoral e nos primeiros eventos governamentais (suas intervenções públicas não duravam sequer quinze minutos). Com o coro dos grandes meios de comunicação, amplia-se o vocabulário de guerra, armamento, restrição de direitos, unidade nacional e se fala até mesmo da pertinência de um “imposto de guerra”.
Ao mesmo tempo, é anunciada a instalação de bases militares estadunidenses, que já estão ativas na região das ilhas Galápagos há alguns anos.
Em todas essas operações, pouca ou nenhuma menção é feita ao controle e à investigação da circulação dos capitais do narcotráfico no sistema financeiro nacional. Foram denunciados vínculos com setores políticos governamentais, por exemplo, a relação que tinham com parentes próximos ao ex-presidente Guillermo Lasso. Mas dos bancos e de setores como o imobiliário nada se diz. A condição de um país dolarizado é um incentivo para a lavagem desse tipo de dinheiro.
Essa situação coloca a questão da crise de segurança e de violência no centro das preocupações nacionais, e a atmosfera de medo se espalha. Um dos efeitos é que isso desvia a atenção dos esforços para fortalecer o campo popular, tanto em termos de organização quanto políticos. Em vez disso, consolidam-se os discursos de direita e de conflagração. Isso contribui para a propagação do que poderíamos chamar de um “senso comum conservador” na população equatoriana.
*Francisco Hidalgo Flor é professor de sociologia na Universidade Central do Ecuador.
Tradução: Fernando Lima das Neves.
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