Por ARACY P. S. BALBANI*
A cultura política dos brasileiros vai mal e ela se reflete de maneira dramática durante as eleições
Circula no WhatsApp uma imagem de origem desconhecida com os dizeres: “O maior concurso público do mundo será no Brasil em novembro. Quase seis mil vagas para prefeito e quase 60 mil para vereadores. Currículo: desnecessário. Qualidade cultural: nenhuma. Qualidade moral: dispensável. Salário: excelente, mas com possibilidade de ser multiplicado várias vezes. Horário de trabalho: livre e pouco”.
Essa desinformação grosseira “encaminhada com frequência” preocupa. Para começo de conversa porque o primeiro e o segundo turnos das eleições municipais de 2024 estão marcados para outubro. Além disso, ela ignora a legislação eleitoral, na qual, entre outros requisitos indispensáveis para elegibilidade, estão: alfabetização, e idade mínima de 18 anos e 21 anos para candidatos a vereador e prefeito respectivamente. E o óbvio: exige-se, sim, boa conduta moral do(a) candidato(a). Fica inelegível, por exemplo, quem for excluído do exercício profissional por praticar infração ético-profissional.
É intrigante que pessoas instruídas e bem relacionadas acreditem nesse tipo de desinformação e a retransmitam. Talvez a campanha do Tribunal Superior Eleitoral para esclarecimento da população contra o disparo de mensagens em massa contendo inverdades sobre o processo eleitoral precise ser muito mais incisiva.
O fato é que a cultura política dos brasileiros vai mal. Muitas candidaturas se apoiam em causas justas como a defesa dos direitos das pessoas com deficiência ou dos animais. Entretanto, o desempenho de alguns dos eleitos para o Legislativo e o Executivo nessas questões é um fiasco. Afinal, organizar, como voluntário(a) da sociedade civil, bazares e feijoadas beneficentes em prol de deficientes visuais carentes ou dos animais abandonados é muito diferente de atuar em cargo eletivo. Uma coisa é ter experiência com caçarolinha de assar leitão; outra é passar a Carolina de Sá Leitão.
Inúmeros candidatos têm diploma universitário, mas não têm sequer noções de direito constitucional e administrativo. Na falta de capacitação para a gestão pública e de uma assessoria minimamente competente, metem os pés pelas mãos e detonam a administração pública. Quem paga o pato, como sempre, é o povo. O desmonte da saúde, educação e segurança públicas pelos que detêm o poder político numa democracia representativa sinaliza que o voto dado sem escolha bem informada e consciente pode ter o efeito de destruição em massa.
Nosso eleitorado é mesmo surpreendente. Oscila entre a avacalhação de eleger estreantes bizarros e sem nenhum projeto político, de cujos nomes na urna a gente não sabe se ri ou se chora, e escolher tradicionais políticos locais, mofados já há décadas.
Possivelmente, uma das maiores ameaças ao Estado democrático de direito e à nossa liberdade seja a eleição de candidatos terrivelmente comprometidos com ideias conservadoras e ideais religiosos fundamentalistas.
Não esqueçamos o exemplo de Daniel François Malan (1874-1959), que obteve doutorado em divindade na Universidade de Utrecht, foi pastor religioso, teve cargo universitário de destaque, mas entrou para a História como o primeiro-ministro que efetivou o regime de apartheid na África do Sul, oficializando a segregação racial que durou 46 anos e mergulhou o país na violência.
*Aracy P. S. Balbani é médica otorrinolaringologista. Atua como especialista exclusivamente na área assistencial do SUS no interior paulista.
Referências
Tribunal Superior Eleitoral. Eleições 2024: confira quem pode ser candidato a prefeito ou a vereador: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Marco/eleicoes-2024-confira-quem-pode-ser-candidato-a-prefeito-ou-a-vereador
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