Por JOSÉ MACHADO MOITA NETO*
O presentear como ato de liberdade
Aproxima-se a temporada de mensagens doces e açucaradas apresentando a generalidade de uma construção cultural e social da maternidade que se mantém graças ao forte apelo comercial da data. Nessas mensagens, a idealidade do ser mãe é evocada para garantir um compromisso ético com o desembolso de recursos para comprar um presente. As mensagens doces trazem um sabor associado à dose de açúcar que é capaz de seduzir mais do que as mensagens açucaradas. Há, portanto, diferença de qualidade entre essas mensagens comerciais; porém, o resultado líquido de ambas é o mesmo: despertar a obrigação de consumo.
Talvez, Burrhus Frederic Skinner identificasse esse papel das peças publicitárias como parte do condicionamento operante. A recordação da alegria de uma mãe, pelo presente recebido no ano anterior, aumenta a probabilidade de ser dado um novo presente nesse ano. A crítica ao filho ingrato, que não presenteou a mãe, feita por irmãos, parentes e amigos, diminui a possibilidade de resistência a essa data comercial no ano seguinte. Portanto, o papel das peças publicitárias é de reforço através do estímulo que conduza a uma resposta mais satisfatória. Resistir a essa data comercial é uma resposta ineficiente. Essa é a base da lei do efeito de Thorndike. Resultado: mães são presenteadas nesse dia com produtos ou serviços ofertados pelos filhos ou por seus representantes.
Parece que essa consequência prática mina qualquer liberdade de insurgência contra a determinação ético comercial relativa ao dia das mães. De fato, a visão ingênua e idealista de liberdade pode ser abalada pelo constrangimento de ter sanção (punição) ao fazer uma escolha divergente do fluxo principal que move os interesses dominantes. Contudo, esse não é o único constrangimento à liberdade.
Alguém que queira presentear a mãe, indo dentro do fluxo, pode ter um obstáculo econômico intransponível, mesmo que as “suaves” prestações dilua no tempo o valor do bem a ser adquirido, há uma imposição de bom senso que não se pode presentear uma mãe com prestações divididas em mais de 12 vezes para não comprometer o presente do ano seguinte.
A lembrança, a oração, a saudade pelas mães falecidas têm apenas o componente imaterial que cada presente físico também carrega. Assim, quem tem a mãe falecida não mais se coloca em qualquer dilema ético comercial do presente. Também, se colocam fora desse dilema aqueles cuja mãe foge completa e decisivamente de qualquer aproximação tênue com os modelos de mãe dos comerciais.
No cristianismo (Novo testamento) temos uma história didática conhecida como o “O óbolo da viúva” e o acontecimento envolvendo um casal “Ananias e Safira” com significados completamente distintos, embora ambos podem dizer alguma coisa sobre os valores imateriais associados a qualquer presente ou doação.
Dando ou não presentes no Dia das Mães, cada filho fez uma escolha que a sua liberdade condicionada pelas circunstâncias ou pela condição econômica permitiu diante dos apelos comerciais. A liberdade, nessa situação, e em todas as outras da vida, é parte das batalhas que escolhemos travar ou delas fugir. É claro que existem condições existenciais, políticas, econômicas, sanitárias, ambientais, sociais, culturais que vão moldando ou modulando decisões dentro do pequeno espaço de liberdade que cada um possui considerando a realidade mundo em que vive.
Há um turbilhão de sentimentos que acompanham a liberdade possível de cada homem antes, durante ou após decisões mais complexas do que a aquisição de presente para o dia das mães. Esses envolvem a angústia, desamparo e desespero dentro de uma situação espaço-temporal e sociocultural dada. A liberdade é um dado da vida humana que foge das determinações fisiológicas e nos distingue dos animais. Entretanto, é também uma palavra desgastada com pouca utilidade prática e mal compreendida.
Há um excelente episódio de podcast que trata da liberdade segundo Ortega y Gasset, Merleau Ponty, Sartre e Charles Taylor. Contudo, creio ainda que a frase pinçada da música “Dom de iludir” pode melhor explicar a decisão de ocupar ou não o terreno pantanoso da liberdade: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
*José Machado Moita Neto é professor aposentado da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e pesquisador da UFDPar.
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