É preciso colocar os bilionários no seu devido lugar

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Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JÚNIOR*

O domínio plutocrático, onde o Estado serve como comitê dos bilionários, não é uma fatalidade, mas uma escolha política que condena nações ao subdesenvolvimento e à injustiça

1.

Querido leitor ou leitora, hoje quero fazer mais uma diatribe contra os endinheirados, mais especificamente contra os bilionários – a turma da “superbufunfa”, por assim dizer. Terei vosso apoio, com certeza. Se qualquer endinheirado já desperta a aversão do resto da humanidade, imagine um bilionário. Quando alguém encontra coragem para criticá-los ou, mais importante, para coibir de algum modo o seu imenso poder, a satisfação do povo é generalizada.

Nas mentes dos bilionários, a hostilidade dos demais é simples resultado de inveja. Na verdade, não é apenas isso. As pessoas intuem que o dinheiro acumulado em grande montante resulta quase sempre de roubo, irregularidades e maracutaias – e não de mérito ou empenho pessoal. É desprezo ou revolta, portanto, não inveja.

Os bilionários atingem o seu ápice quando conseguem tomar as rédeas do poder público. Em outras palavras, quando reduzem o Estado nacional à condição de “comitê executivo da burguesia”, como diziam Marx e Engels. Compram deslavadamente os políticos, no Executivo e no Congresso, e passam a dar as cartas. As leis e sua execução ficam subordinados às suas vontades e privilégios.

Ora, os bilionários sabem ganhar dinheiro, mas não estão preparados para governar. Ao contrário, com o poder na mão, direta ou indiretamente, garantem a absoluta dissociação entre a ação do Estado e a cidadania.

Mas Karl Marx e Friedrich Engels erraram em generalizar. Depende do país. Uma coisa é o que acontece nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo. Outra, a que se vê em países como a China e a Rússia. Nesses países, o Estado não é um simples comitê executivo da burguesia. Existem os bilionários, também conhecidos como oligarcas na Rússia, mas o poder político não está subordinado a eles.

Um dos grandes feitos de Vladimir Putin foi tornar o Estado mais independente dos oligarcas, que foram superpoderosos no tempo de Boris Iéltsin na década de 1990, depois da dissolução da União Soviética. Na China, os bilionários são influentes, mas não podem botar as mangas de fora e se meter em assuntos de ordem política. Se o fazem, logo são devidamente disciplinados. Quem dá as ordens é o poder político, em especial o Partido Comunista.

2.

Pode-se dizer que o sucesso nacional da China e da Rússia, nas décadas recentes, só aconteceu porque os bilionários foram enquadrados. Isso permitiu rápido crescimento econômico com diminuição da pobreza, serviços públicos de qualidade e respeito ao meio ambiente. A Rússia resistiu bem às sanções ocidentais e subiu para a posição de quarta economia do mundo, pelo critério de PIB calculado por paridade de poder de compra.

A China ultrapassou os EUA em tamanho econômico absoluto e continua crescendo sem parar. Tornou-se, entre outras coisas, a fábrica do mundo. Inversamente, as dificuldades estruturais dos Estados Unidos e do Brasil derivam em boa parte das distorções e injustiças decorrentes do domínio da turma da superbufunfa. Os bilionários tomaram de assalto o poder público e governam para si, à revelia dos interesses da maioria da população.

No Brasil, esse domínio do dinheiro alcança proporções verdadeiramente indecentes. O Congresso Nacional está fatiado em feudos dos diferentes segmentos do poder econômico. O orçamento foi esquartejado, prejudicando gravemente a qualidade do gasto público. No campo tributário, multiplicaram-se as isenções, os incentivos e os regimes especiais, criados com pouco ou nenhum critério e monitoramento.

Além disso, os super-ricos contribuem pouco para a arrecadação pública, seja porque são modestas as alíquotas sobre rendimentos elevados, seja porque as rendas do capital e a riqueza escapam à tributação. Toda vez que se tenta fazê-los contribuir um pouco mais, ergue-se na mídia tradicional o clamor contra a carga excessiva de impostos e a “voracidade do Estado arrecadatório”.

As agências reguladoras, por sua vez, acabam colonizadas pelo poder econômico. Um caso notório é o Banco Central do Brasil, que mantém há muito tempo ligação umbilical com o sistema financeiro. Os dirigentes da autoridade monetária são cuidadosamente selecionados entre pessoas que dançam conforme a música.

Nada mais importante para ocupar a presidência ou integrar a diretoria do Banco Central do que ter demonstrado, ao longo da vida, uma total incapacidade de ser independente e de divergir das doutrinas e práticas do mercado financeiro. Regra geral, as instituições financeiras privadas são a origem e o destino dos que passam pela cúpula do Banco Central.

O superpoder dos bilionários alcançou tal dimensão nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil que já não se pode mais falar em democracia. O que existe é a plutocracia – o governo dos ricos; a cleptocracia – o governo dos ladrões; e a kakistocracia – o governo dos piores.

Bem, xingar em latim é uma delícia – soa menos vulgar e, mais do que isso, passa ares de erudição. Mas o ponto importante a frisar é que com o predomínio inconteste dos plutocratas, cleptocratas e kakistocratas, não há desenvolvimento possível e imaginável. Países subdesenvolvidos não escapam do subdesenvolvimento; países desenvolvidos se subdesenvolvem a olhos vistos.

Temos ou não motivos para vilipendiar a classe dos bilionários?

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de Estilhaços (Contracorrente). [https://amzn.to/3ZulvOz]

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta capital em 31 de outubro de 2025.

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