Por BRUNO RESCK*
Sem romper com as amarras das políticas neoliberais, não será possível a construção de alternativas emancipatórias no campo da educação
Enquanto escrevo este texto, dois eventos políticos de grande relevância dominam o debate nacional no campo da educação. Em primeiro lugar, a greve dos servidores da educação federal, parados há mais de cinquenta dias. Em segundo lugar, a aprovação do PLC 9/2024 na Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia 21 de maio, que cria o Programa de Escola cívico-militar proposto pelo governo de São Paulo. Estes dois acontecimentos emblemáticos refletem e simbolizam o atual quadro da disputa política nacional.
De um lado, temos o governo federal, eleito por uma ampla coalisão de forças em defesa da democracia, com o objetivo de derrotar o governo protofascista de Jair Bolsonaro. De outro lado, um governador do estado mais rico do país, eleito na esteira do bolsonarismo nas eleições de 2022. Destaca-se que, recentemente, a grande imprensa tenta emoldurar o governador de São Paulo como um “bolsonarista moderado”, um conceito que, por si só, suscita controvérsias sobre sua viabilidade e coerência.
No âmbito do governo federal, existe um crescente ressentimento por parte dos servidores da educação pela forma de condução das negociações junto ao movimento paredista. Cabe destacar que na plataforma de campanha do presidente Lula, existia o compromisso de “resgatar e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado” nos últimos governos. Essa reconstrução se daria através da “valorização e reconhecimento público de seus profissionais”. Não obstante, o governo tem apresentado propostas muito aquém das expectativas das categorias.
Para além das questões do funcionalismo, a gestão do ministro Camilo Santana (PT) tem sido marcada pela continuidade de uma série de marcos legais e regulatórios herdados das gestões de Michel Temer e Bolsonaro. O caso mais emblemático é a hesitação em revogar o nefasto “Novo Ensino Médio” – contrariando a maioria dos docentes e especialistas do país. Outra notável característica do ministério é a considerável presença das fundações empresariais como o “Todos pela Educação” e a Fundação Lemann, que exercem controle direto ou indireto sobre parte do orçamento ministerial.
No âmbito do governo paulista, a gestão do atual Secretário da Educação, Renato Feder, tem acumulado polêmicas na implantação de sua pauta para a educação que envolvem a substituição de livros didáticos por material digital, a utilização de aplicativos para controle e uma gestão escolar análoga à gestão empresarial com prazos e metas sufocantes para o corpo docente. Não obstante, o governo de São Paulo obteve uma vitória ao aprovar o projeto de implantação das escolas cívico-militares no estado. A sessão da Alesp que aprovou o projeto foi marcada por grande confusão e pela truculência da polícia militar contra os estudantes que se manifestavam.
As escolas cívico-militares emergiram na esteira da ascensão da extrema direita no país, sobretudo a partir de 2018. Trata-se de um modelo que não apresentou resultados positivos nas localidades onde foi implantado, e parte do princípio da “guerra cultural” contra uma suposta doutrinação ideológica nas escolas. Outro pilar deste modelo é a crença de que a deterioração dos indicadores educacionais estaria ligada à falta de disciplina e violência nas escolas, problemas que seriam combatidos pela contratação de agentes de segurança aposentados para trabalharem nas escolas.
Como quase toda fake news é baseada em meias verdades, a proposta das escolas cívico-militares baseia-se numa tentativa de replicar os Colégios Militares. Os Colégios Militares, de fato, apresentam bons indicadores de rendimento acadêmico, mas por motivos outros: um rigoroso processo seletivo para ingresso, investimentos substanciais em infraestrutura física e humana, além de docentes bem qualificados e remunerados. Em oposição, as escolas cívico-militares não versam sobre ampliação dos investimentos em infraestrutura e valorização dos servidores.
Quais lições podem ser extraídas destes dois fatos políticos? Em primeiro lugar, fica evidente que o modelo de governo de frente ampla baseado na conciliação de classes tem mostrado sinais de esgotamento. Na tentativa de acomodação dos interesses do capital privado (fundações educacionais e grandes corporações de ensino privado) e da classe trabalhadora, o governo vacila em apresentar um projeto de reforma do ensino público nacional. Não há sequer uma proposta de um reformismo, apenas a continuidade das políticas dos últimos governos liberais. A marca do atual governo é sua autolimitação decorrente das políticas de Austeridade Fiscal, em contraste com a ampliação das Parcerias Público-Privadas (PPPs).
Em oposição, a extrema direita possui um projeto claro. Possui um norte, mesmo que seja “acabar com tudo isso daí”. A extrema direita tem conquistado vitórias tanto objetivas quanto subjetivas entre as classes populares. Após décadas de governos do PSDB e do PT, a força de contestação do poder estabelecido e das instituições é a extrema direita. Pois bem, o campo progressista entende a ineficácia das escolas cívico-militares; no entanto, o que o governo oferece em seu lugar?
O que colocar no lugar das escolas cívico-militares, uma vez que a escola do filho do trabalhador continua a mesma ao longo das últimas décadas. Até o momento as iniciativas do governo federal são programas paliativos de transferência de renda, sem a implantação de um grande projeto nacional que possibilite a estados e municípios a construção de novas escolas, qualificação e valorização do corpo docente. É preciso romper com as amarras das políticas neoliberais para a construção de alternativas para a classe trabalhadora. Do contrário, continuaremos a assistir as vitórias da extrema direita.
*Bruno Resck, geógrafo, é professor no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) – Campus avançado Ponte Nova.
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