Sobre a redução do auxílio emergencial

Imagem_Stela Grespan
image_pdf

Por ANDRÉ SINGER*

Com a redução de valor de auxílio emergencial, o apoio que o presidente obteve pode ser perdido

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de estender até dezembro o auxílio emergencial que a parte mais vulnerável da população vem recebendo desde o início da pandemia é importante como um complemento de proteção a pessoas que estão em uma situação muito precária, tendo em vista o espraiamento do coronavírus.  No entanto, ele, simultaneamente, cortou pela metade o valor que estava sendo recebido por essas pessoas. Assim, nestes últimos meses do ano de 2020, a população que vinha recebendo 600 reais passará a receber 300.

Nós não sabemos, nesse momento, o quão grave isto pode ser, uma vez que o desemprego vem crescendo, se avolumam os sinais de que houve um impacto forte nas atividades econômicas e, portanto, é possível que este corte represente uma perda significativa – até mesmo em termos de quantidade de compras de alimentos – para determinados segmentos dentre os que vinham recebendo o auxílio, um número expressivo de pessoas: cerca de 65 milhões de brasileiros.

Por outro lado, também cabe considerar que o auxílio emergencial – é sempre bom lembrar – foi inicialmente uma proposta do governo de 200 reais, convertida pelo Congresso Nacional em 600. Esse último valor foi responsável por minorar o impacto da recessão, por manter algum grau de atividade econômica durante o momento mais grave de queda da produção econômica. A redução do valor do auxílio, portanto, também poderá ter um impacto negativo sobre a retomada das atividades econômicas, absolutamente necessárias nesse período em que nós esperamos que a questão do coronavírus vá declinando de importância e se tornando algo que pertence ao passado, se tudo correr bem, embora isso não esteja claramente no horizonte.

Ainda não temos como avaliar quais serão os desdobramentos políticos da decisão tomada por Jair M. Bolsonaro de estender o auxílio emergencial até dezembro, embora, com a redução de seu valor pela metade. As pesquisas mostraram que depois de algum tempo o apoio ao presidente da República aumentou nas camadas de baixa renda. Trata-se de uma quantia bastante significativa em regiões onde o custo de vida é mais baixo. Com a redução de valor de R$600 para R$300, o apoio que foi ganho pode ser também perdido, porque as pessoas vão começar a sentir falta dessa parcela agora suprimida.

Embora também possa haver uma reação de considerar que esses 300 reais que serão mantidos correspondem a uma ajuda importante e que o governo federal merece gratidão, ainda que a proposta original do governo era de 200 reais.

*André Singer é professor titular de ciência política na USP. Autor, entre outros livros, de O lulismo em Crise (Companhia das Letras).

Texto estabelecido a partir de entrevista concedida a Sido Tavares, na rádio USP

 

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
Lô Borges
07 Nov 2025 Por TALES AB’SÁBER: Lô Borges ensinou que o sagrado na arte não se revela na repetição vazia, mas no encontro único que atravessa o sujeito e transforma a escuta em uma experiência de vida irreprodutível
2
O conivente silêncio sobre o agronegócio
11 Nov 2025 Por MIGUEL ENRIQUE STÉDILE: A ostentação de uma riqueza que devasta e empobrece depende, sobretudo, do pacto silencioso que a sustenta e a absolve
3
O jantar da CONIB
11 Nov 2025 Por PAULO SÉRGIO PINHEIRO: O manto de uma solenidade comunitária pode esconder a farsa perigosa que une o supremacismo de um Estado estrangeiro ao projeto autoritário da extrema direita local
4
Outros atos e maneiras de escrever
09 Nov 2025 Por AFRÂNIO CATANI: O ato de escrever é indissociável da vida concreta, da disciplina, das limitações e das ferramentas utilizadas, transformando a experiência em forma, seja ela uma resistência política ou uma cura pessoal
5
COP 30 – sucesso ou fracasso?
07 Nov 2025 Por LISZT VIEIRAl é capaz de impor uma transição justa à inércia catastrófica do business-as-usual
6
O que os coaches não te contam sobre o futuro do trabalho
12 Nov 2025 Por CARLOS JULIANO BARROS & LEONARDO SAKAMOTO: Introdução dos autores ao livro recém-lançado
7
O agente secreto
13 Nov 2025 Por GUILHERME COLOMBARA ROSSATTO: Comentário sobre o filme de Kleber Mendonça Filho, em exibição nos cinemas
8
Zohan Mamdani escolhe a tradição de Eugene Debbs
13 Nov 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: A vitória de Zohan Mamdani em Nova York revive a esperança de Richard Rorty em uma "Nova Velha Esquerda", que une as lutas de minorias e trabalhadores na tradição socialista e democrática de Eugene Debbs e Luther King
9
João Carlos Salles, coragem e serenidade
12 Nov 2025 Por EMILIANO JOSÉ: Coragem e serenidade em meio à procela: a liderança de João Carlos Salles se agigantou no claro-escuro da crise política, transformando-se na voz firme da resistência acadêmica ao regime dos ataques
10
Zohran Mamdani – a virada que desafia o império
11 Nov 2025 Por MANUELA D’ÁVILA & ORLANDO SILVA: No coração do império, a política do cuidado e do dissenso vital devolve uma palavra proscrita ao vocabulário do possível: o comum
11
Da China, com inveja
14 Nov 2025 Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.: O despertar chinês ensina que a verdadeira soberania nasce de um projeto próprio: rejeitar receitas alheias para construir, com pragmatismo e orgulho civilizatório, um palco onde o Estado conduz e os agentes atuam
12
Não aos “intervalos bíblicos”
13 Nov 2025 Por MARCO MONDAINI: O avanço dos projetos de lei confessionais faz soar o alarme contra a perda da separação entre política e religião, ameaçando os fundamentos estruturantes da escola pública, como a cientificidade e a pluralidade
13
Álvaro Vieira Pinto
14 Nov 2025 Por GABRIEL LUIZ CAMPOS DALPIAZ & KAUE BARBOSA OLIVEIRA LOPES: O polímata Álvaro Vieira Pinto uniu a dialética platônico-hegeliana e o marxismo para conceber o subdesenvolvimento como um problema a ser superado pela industrialização e a razão científica
14
Quem quer a paz mundial de verdade?
11 Nov 2025 Por FRANCISCO FOOT HARDMAN: Desafios para uma multipolaridade na Amazônia e o papel de uma cooperação socioambiental efetiva Brasil-China
15
Contra o fiscalismo e o quietismo
12 Nov 2025 Por VALERIO ARCARY: A verdadeira coragem política reside em navegar a tensão necessária: usar a frente ampla como trincheira tática sem nela se aprisionar, mantendo a estratégia de transformação antineoliberal como bússola
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES