Por ANDRÉ RICARDO DIAS*
Oligarquia, patrimonialismo, mandonismo, clientelismo ou fisiologismo, todos os conceitos chaves para uma ciência política sobre o Brasil cabem à história da família Coelho em Petrolina (PE)
“Neste domingo, 07/07, acontecerá um fato inédito em Petrolina: a reunião de todos os membros da tradicional família Coelho em uma cidade que se destaca nacionalmente. Será um momento aconchegante, reunindo avós, pais, filhos, netos e bisnetos dessa numerosa família, cujas raízes estão firmemente plantadas nesta cidade caatingueira e ribeirinha”. [i]
Para os curiosos da história dos anais do jornalismo, tal chamada pode nos levar a crer que se trata de trecho de uma notícia de meados do século XX publicada no Jornal do Commercio, de Pernambuco. Entretanto, se trata de nota sobre o encontro de gerações da família Coelho ocorrido no ano de 2024. A notícia continua: “Começando (…) por Clementino Coelho, que foi vice-prefeito de Marcelino Santana dos anos (?) a partir de 1910. Desde então, o brasão da família Coelho se popularizou pelo Brasil”.
Julho de 2024. Mais de uma centena de membros da família Coelhos se reúnem em Petrolina.[ii] Comemoração de mais um século. Diz-se que este ramo dos Coelhos remonta em linha direta de fidalguias portuguesas aqui chegadas ainda no século XVIII. Gente que reside em outros países e regiões do Brasil; são as novas gerações do clã, já herdeiras diretas de uma fortuna de números desconhecidos. O mesmo não se pode dizer de sua origem, calcada na propriedade da terra e na exploração do Vale do Submédio São Franciso, região que se estende entre Pernambuco e norte da Bahia.
Latifúndio, patrimonialismo, a política do “coronelismo, enxada e voto”, são o amálgama da história das oligarquias do nordeste tão estudadas no século XX e pouco debatidas na atualidade. São oligarquias quatrocentonas no século XXI. Certamente o cenário econômico passou por transformações profundas que modificaram a forma da exploração da terra e da mão de obra em nossos sertões.
Neste caminho, uma modernização conservadora projetou um neoliberalismo devastador que mudou radicalmente o cenário dos sertões nordestinos. A partir do primeiro governo Lula, os anos 2000 deram espaço para grandes transformações naquele cenário. Na região, as políticas de investimento industrial fomentaram a chegada de uma avalanche de capital investidor sob a forma da especulação da terra a partir do setor agrário. Produções de transgênicos e as diversas formas de atuação do Agro se espalharam pelas margens do Médio São Francisco. Monsanto-Bayer,[iii] Pepsico, e dezenas de médias indústrias se instalam no que se tornará um dos grandes e promissores polos do mercado produtor da fruticultura. Bode, uva, manga, cana-de-açúcar e transgênicos.
Nesse combo do agronegócio, o crescimento urbano acelerado e mal planejado destruiu em tempo recorde milhares de hectares de caatinga. Expoente da nova configuração socioeconômica da cidade e de seu entorno, o crescimento populacional acarreta a especulação da terra de questionáveis proprietários, sedimentando o enriquecimento de empresários do setor da construção civil através da criação de loteamentos e conjuntos habitacionais sem infraestrutura adequada,[iv] sendo estes financiados majoritariamente pela Caixa Econômica Federal através do Minha Casa, Minha Vida.
A gestão dessas mudanças passa pelo birô político-empresarial dos Coelhos[v], a 3ª Superintendência Regional da Codevasf.[vi] A estrutura jurídico-política, de organização ímpar, inclui a ingerência sobre a RIDE,[vii] a Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina e Juazeiro, que possui a sua própria constituição legal e espaço para a anomia.[viii] Criada durante o último governo FHC, o Decreto-Lei que a regula já foi ajustado por Lula e por Jair Bolsonaro, ao gosto dos seus conselhos administrativos.
Como coelhos
Coronel Clementino Coelho é pai de Nilo Coelho, que é irmão de Geraldo Coelho e de Oswaldo Coelho, que é pai de Guilherme Coelho, que é sobrinho de Gercino Coelho, pai de Nilo Augusto Coelho. Gercino é irmão de José de Souza Coelho, que é pai de Cyro Coelho e de Luíz Coelho, que são sobrinhos de Paulo Coelho, que é pai de Clementino de Souza Coelho e de Fernando Bezerra Coelho. FBC é pai de Miguel Coelho, que é irmão de Antônio Coelho e de FBC Filho…
Paramos por aqui, sem esgotar esta genealogia arquetípica da história do Brasil desde o período colonial. Pode haver alguma confusão nesta genealogia, o que não vem ao caso. Importa dizer que são ou foram políticos de alcance municipal, estadual, regional e nacional. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores; presidente do Senado e do Congresso Nacional. Ministros, secretários de estado nos âmbitos e áreas as mais diversas possíveis. Industriais, fazendeiros, latifundiários, empresários de diversos ramos de atuação, incluindo meios de comunicação de rádio e TV, como a afiliada da Rede Globo na região do Sertão do São Francisco, a TV Grande Rio.
No ramo do agronegócio, nada escapa à cadeia extrativista gerida pela família, nem mesmo o emblemático bode,[ix] símbolo da região. Dão nome a ruas, bairros, Projetos de interesse social, prédios de órgãos públicos, parques etc. Compõe o clã até mesmo um milionário do Vale do Silício.[x]
À propriedade de terras lavradas pela família Coelho ao longo dos séculos somou-se a diversificação de suas empresas e ramos de atuação, ao lastro da política que lhes dá sustentação. Aqui, a política é birô de negócios no sentido mais estrito do termo. É o governar para administrar à olhos vistos sua própria riqueza e com o consentimento e entusiasmo da própria população. Perdura na região o clientelismo do “Ao menos eles trazem algo para cá”; um misto de chantagem e complacência típico dos sertões empobrecidos dos séculos passados. Ou, ainda hoje.
Fortalecimento na ditadura
Quem entra no Parque Municipal de Petrolina Josefa Coelho, se depara com a reprodução de uma fotografia em que se vê a matriarca que dá nome ao aparelho público sentada em uma cadeira de balanço tendo ao seu lado João Baptista de Figueiredo. O ditador visitava a cidade e, sentado de modo curvado, parece se render à altivez da anfitriã. Um capítulo desta história que definiria os rumos da família e consolidaria seu poder desde meados dos anos 1960.
O apoio do clã à ditadura civil-militar nos estados de Pernambuco e do norte da Bahia foi de grande importância para os generais. Foi através da família, feita correia de transmissão da ditadura, que o poderio militar se estabelecera em Pernambuco a mãos de ferro pelos políticos biônicos, tais como Nilo Coelho, Paulo Pessoa Guerra (personagem chave na deposição de Miguel Arraes em 1964 pelo Regime Militar), Cid Sampaio e Gustavo Krause (prefeito biônico de Recife e pai da atual vice-governadora de Pernambuco, Priscila Krause).
Os braços políticos dos Coelhos se espalharam, sobretudo, a partir de Paulo Coelho. Fernando Bezerra Coelho & filhos se consolidam no ramo e têm conseguido êxito em dar continuidade aos projetos de poder familiar.
A forma de fazer política da família é sui generis. Aparentemente, se mostram completamente desprovidos de qualquer fundamento e princípios políticos e ideológicos. Conseguem imiscuir-se em governos dos mais diversos partidos e linhas políticas sob papeis de proa de forma invejável por qualquer grupo político do país. Eis o segredo da manutenção de um poder familiar forte e extremamente centralizador em torno de si: caráter e moralidade política igualmente questionável e cinicamente surpreendente.
Outro segredo é a discrição rigorosa. Fugir dos holofotes foi uma máxima para os Coelhos; agir com discrição garantiu sua sustentação política longe de grandes embates e contendas públicos. Igualmente discreta é a sempre tímida exposição de seus domínios e riquezas.
A história da política em Pernambuco segue o fio condutor quase invisível mantido firme pelo clã, outro segredo tático para assegurar seu poder local sobre toda a região: “Não mexa aqui e nosso apoio é garantido”; uma máxima. Adotaram uma tática defensiva de barricadas em torno de seu latifúndio feito cidade. Exemplo de uma forma política quase que intocável e pouco vista em sua inteireza.
Porém, também faz parte desse modus operandi fazer-se presente em outras regiões do Estado. Por exemplo, hoje, Antônio de Souza Leão Coelho (sim, há um cruzamento interfamiliar com outras elites pernambucanas) é deputado estadual licenciado e atual Secretário de Turismo de Recife, cargo sem importância e que ocupa apenas como um marcador simbólico do alcance da família. À benção dos Coelhos, governa João Campos.
Os donos da terra se reúnem neste ano de 2024 e demarcam simbolicamente o seu domínio. Não vivem mais a cidade. Oligarquia, patrimonialismo, mandonismo, clientelismo ou fisiologismo, todos os conceitos chaves para uma ciência política sobre o Brasil cabem à história da família Coelho. Para eles, centrão, direita, progressismo, extremismo são portas abertas de par em par. Uma história ainda a ser alvo da esquerda no Estado, que não sabe da sua importância estrutural para a política oligárquica pernambucana.
*André Ricardo Dias é professor de filosofia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Notas
[i] Ver em: https://blognossavoz.com.br/todas-as-geracoes-da-familia-coelho-em-um-so-lugar-petrolina/
[ii] https://blognossavoz.com.br/emocao-e-resgate-historico-marcam-primeiro-encontro-da-familia-coelho-em-petrolina-2/
https://globoplay.globo.com/v/12740315
[iii] https://www.bayer.com.br/pt/midia/bayer-amplia-investimento-expande-centro-inovacao-em-petrolina
[iv] https://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2023/12/20/chuva-evidencia-falta-de-estrutura-em-bairros-perifericos-de-petrolina.ghtml
[v] https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/jc-negocios/2023/10/15622396-criada-pela-familia-coelho-codevasf-foi-apropriada-pelo-centrao-para-distribuir-verbas-a-prefeitos-sem-controle.html
[vi]https://www.brasildefato.com.br/2021/06/01/o-que-o-orcamento-secreto-de-bolsonaro-tem-a-ver-com-pernambuco#:~:text=Os%20Coelhos%20e%20a%20Codevasf&text=A%20Companhia%20%C3%A9%20comandada%20internamente,em%20Petrolina%2C%20sert%C3%A3o%20de%20Pernambuco.
[vii] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Decreto/D10296.htm#art11
[viii] https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/jc-negocios/2021/05/12122443-escandalo-do-tratoraco-revela-divisao-do-poder-dos-coelhos-na-codevasf.html
[ix] O Curtume Moderno processa e exporta peles de animais. Ver em: https://curtumemoderno.com.br/
[x] https://targetadvisor.com.br/bill-e-melinda-gates-investem-us-10-milhoes-em-empresa-de-pedro-coelho-filho-de-fernando-bezerra/
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