Seis peças curtas
Por Airton Paschoa*
[de bolso]
Faço saber, a quem interessar inda possa fossa ou troça, que daqui a dois anos celebramos o bi da independência e o centenário do Modernismo. Em tempos de vaca gorda, entrementes, e amazônico pasto verde-oliva, tempos de sonhos magros e ogros amarelo-olavo, receio não venha a ser, nem digo festa de arromba, (relembrando expressão explosiva de nossa época de Jovem Guarda fechada) mas comemoração honrosa, no mínimo, com vivas e brindes compostos, um e outro discurso desalterado, decoro e decoração de praxe, como de rigor em louvação a dama e cavalheiro tão provectos e venerandos. Receio mesmo seja meio mocho o festejo… festim de bolso, por mal dizer, — salva de tiros pra independência, fraca; fogo de bengala pro Modernismo, frio, e o rojão pra gente.
[100% off]
Faço saber, a quantos interessar possa, que aqui, aconteça o que acontecer, nada acontece. E o não-acontecimento incessante desencadeia reações extremadas, estranhas, de muita expectativa e pouca esperança, de alta ansiedade e baixa intensidade. Mais ou menos como se a gente vivesse balançado entre o carbonário e o comerciário, sabendo de antemão que o que vai pegar fogo é a próxima liquidação.
[almas mortas]
Faço saber, a quem interessar possa, que, sabe-se lá por que assombração de Masoch, entrei a contar quantos conhecidos perdi nesta última quadra e — estaquei, estarrecido! fazendo quase o sinal da cruz em face do bolsão de cruzes. Muitos adoeceram já em 16 e dois anos depois, óbvio, não resistiram, vieram a óbito, como dizem eufêmicos os doutores, e também enfermos, a maioria esganadora, em estado terminal. Assim, não tendo mais quem da vida cuide, vamos sobrando nós, almas penadas, evocando em memória amorosa, confessemos, uma ou duas irmãs… com saudade.
[boletim humano]
Faço saber, a quantos interessar possa, que a gente não passa de tempo, e não é tempo histórico, não, tempo filosófico. Mero tempo meteorológico, tempo de boletim. Senão vejamos: tem gente que enche, tem gente que seca, tem gente que deserta, tem gente que sufoca, tem gente que gela, tem gente que carrega, tem gente que melhora, tem gente que congela, tem gente que encobre, que nubla, gente nebulosa, tem gente que neblina, tem gente que evapora, tem gente que esquenta e gente que esfria, tem gente que troveja, que atormenta, e gente que desanuvia, gente que chove no molhado, gente que firma, gente que enfarrusca, até gente antiga tem que garoa e guarda chuva… Gente que abre e gente que fecha, em tempo. Tem gente que é tudo ao mesmo tempo e manda ao diabo que a carregue — tanta instabilidade!
[excepcionalismo]
Faço saber, a quantos interessar possa, que nem cismem em imitar os irmãos do Norte. Tem Paulo Freire que nos salve não… Cês não assistem rolos de roliúdi?! As crianças lá são todas, sem exceção, superdotadas. Desde os dois anos que pensam, indagam, questionam, argumentam, discutem, discorrem, convencem, aconselham, agenciam, american-ué-af-laifam como adultos, — e adultos americanos! que não são que nem nós, né? A gente é superadotado! Por isso o negócio é desencanar, impossível que é os emular mais. É tirar o cavalinho da chuva e ir pastar com ele.
[Como são adultos!]
Faço saber, a quem interessar possa, que o que eu queria really era ser americano. Como são adultos! Vejo nas fitas. Ali é tudo negociado, conversado, aclarado e esclarecido, dito com todas as letras, de A a Z, alto e bom zoom, course, as relações todas ponderadas, ajuizadas, marido e mulher, pai e filho, patrão e empregado, cachorro e carteiro… Benzadeus! Aqui não, aqui é tudo uma mistureba só, caras e bocas e beicinhos, pirraça de tudo que é ordem e desordem. Viram a cara pra você por nada. Você vira também e sabem muito bem por quê. Tudo gente infantil neste nosso Brasil!
*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de A vida dos pinguins (Nankin)