Um poema, uma chamada – liberdade para Assange!

Projeção de vídeo durante protesto na prisão de Belmarsh/Fonte: Reprodução Instagram
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Por FRANCISCO FOOT HARDMAN*

“Faço aqui um apelo, por saber que este site tem participação, entre autoria e leitura, de um enorme número de docentes: falem de Julian Assange em suas aulas”

Julian Assange, jornalista australiano, fundador e editor do site internacional e independente de notícias WikiLeaks, está ameaçado de morte pelo imperialismo norte-americano. Isso, com a cumplicidade direta da Suprema Corte do Reino Unido, que aprovou sua próxima extradição. Condenado à revelia nos EUA por crime de espionagem contra organismos de segurança militar norte-americana, com uma sentença absurda de 175 anos de prisão (é o primeiro caso na história de um jornalista condenado por espionagem!), preso em solitária degradante desde 2019, em Londres, com piora avançada de seu estado de saúde, ele pode ser extraditado a qualquer momento para a América do Norte, isto é, para se encontrar com a pena perpétua e a morte certa.

Nos sete anos em que esteve asilado na embaixada do Equador, em Londres, Julian Assange uniu-se com a advogada e ativista dos direitos humanos Stella Morris, com quem teve dois filhos que, até o momento, jamais puderam conhecer, ver ou visitar o pai. Casaram-se em 2022, em cerimônia que teve lugar na prisão de Belmarsh.

No Brasil, há duas semanas, houve o lançamento internacional de um documentário dirigido por Ben Lawrence, Ithaka: a luta de Assange,nas cidades de Brasília, Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. Desde então, está em cartaz em várias salas de cinema. Quem está à frente dessa nova etapa de mobilização é o próprio pai de Julian Assange, John Shipton, figura exemplar, que toma a cena do filme ao lado da esposa do jornalista, Stella Morris.

Ele foi recebido em Brasília pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do governo Lula, Sílvio de Almeida, que emitiu uma nota oficial de solidariedade à causa Assange. Entre as várias entidades que acompanharam esse gesto, ressalte-se a Comissão Arns. Todas essas vozes denunciam a arbitrariedade e violência desse processo e sua afronta às leis humanitárias internacionais e aos direitos humanos. E o presidente Lula, em mais de uma oportunidade, ofereceu o Brasil como lugar imediatamente disponível para asilo de Julian Assange. Outros governos já o tinham feito, entre eles o do México.

Em contraste com essa campanha urgente e obrigatória, a grande imprensa corporativa brasileira, em sua sabujice habitual para com o imperialismo norte-americano, faz sua cara de paisagem e ignora esse atentado global aos direitos humanos e à liberdade de imprensa. Mas qual foi, afinal, o “crime de espionagem” de Julian Assange? Dar acesso, para leitoras e leitores do mundo todo, dos inomináveis e hediondos crimes de guerra cometidos pelos EUA em suas invasões genocidas do Afeganistão e do Iraque, nos primeiros anos deste século. Bombardeio deliberado de populações civis, tortura de prisioneiros indefesos, essas e outras práticas de horror e barbárie cometidas pela maior potência militar do planeta, em nome de sua peculiar concepção de “pax americana”.

Nos meus cursos deste semestre no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, tanto na pós-graduação quanto graduação, que estão versando sobre as relações complexas e recorrentes entre guerra e literatura na história moderna e contemporânea, falamos em classe, por considerar essa referência obrigatória, sobre a importância dos fatos descobertos e narrados por Julian Assange e a perseguição ignominiosa que os EUA desencadearam contra ele, como verdadeira operação de guerra. Faço aqui um apelo, por saber que este site tem participação, entre autoria e leitura, de um enorme número de docentes: falem de Julian Assange em suas aulas, informem seus alunos e alunas, denunciem esse lado abominável e bastante hipócrita dos paladinos da “liberdade de informação”.

Termino essa chamada com um poema-manifesto de autoria da jornalista independente e ativista australiana Caitlin Johnstone,[i] Free Assange, que está em seu livro Poems for Rebels (Ed. Autora). Faço aqui uma livre tradução, dedicada aos meus atuais estudantes. Para que não esqueçam, para que não esmoreçam.

Free Assange
Free Assange
porque o mundo está ficando mais escuro
enquanto os Bastardos desligam as luzes
uma por uma
Free Assange
porque o céu está sendo ocupado por máquinas mortíferas
enquanto mães choram sobre pequenos corpos esfarrapados
e o jornalista fala sobre tweets baixaria
Free Assange
porque eles levaram tudo de nós
e nós ficamos sem voz, estúpidos giradores de engrenagem
podemos discutir apenas sobre quem bombardear em seguida
Free Assange
porque o controle da percepção pode piorar
eles logo irão confiscar nossos ouvidos e globos oculares
em carrinhos de mão rotulados “NSA”[ii]
Free Assange
porque os mísseis estão sendo lançados
e o planeta está em chamas
e logo não haverá nada que se possa fazer a não ser chorar
Free Assange
porque se deixarmos que acabem com aquela luz brilhante
podemos também suavizar o fim do mundo
esperando os Bastardos sufocarem nossas vidas
Free Assange
porque se não pararmos os que querem levá-lo
não conseguiremos pará-los de levar tudo o mais
e não sobreviveremos, e não seremos dignos de
Free Assange
porque nós decidimos aqui e agora
do que nossa espécie é feita
e do que será, se ela será
Free Assange
porque é isso
nossa última chance
nossa última janela para pará-los
Free Assange
porque nós somos muito mais do que eles nos dizem
Free Assange
porque nós temos o direito de saber
Free Assange
porque é agora ou nunca
Free Assange
porque ele faria o mesmo por nós
Free Assange
porque fodam-se eles, é por isso
Free Assange
porque estamos ainda nesta luta
Free Assange
porque podemos vencer
Free Assange
porque podemos
Free Assange
Free Assange
Free Assange.

*Francisco Foot Hardman é professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia paulista e os eternos modernistas (Unesp).
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Notas


[i] Cf. seu blog superativo: <Caitlinjohnstone.com:daily writings about the end of illusions>.

[ii] NSA = National Security Agency, i. e., Agência de Segurança Nacional, órgão secreto do governo norte-americano que, durante larguíssimo tempo, negou sua existência. Encarregado de vigilância policial-militar e digital sobre governos, instâncias e pessoas ao redor do mundo (N. T.).


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