Fragmentos XXV

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

prêmio de consolação

viva
perdão morta
durinha e enroladinha
quentinha friinha
podia ser uma baguete
mas era uma menina
                                   palestina
e a portá-la em diagonal
podia ser uma francesa
mas era uma palestina
mas ganhou um prêmio – a foto
viva perdão morta perdão viva a tia e morta a sobrinha
e a menina não ganhou nada?
ganhou uma bala ou uma bomba
                                                      pelo que se sabe
mas nenhuma de chocolate

Histórias da ironia II

Gaza se recobria de gaza, o mais que podia, tripinha a vazar, tripinha de morte ferida, tripinha terminal. Quem te há de recordar? Alfarrábio esfarrapado, esquecido. Mas nós vimos! acompanhamos ao vivo o genocídio que te varreu. Mas quem há de crer em nós, que também passamos e deixamos passar?

cachorro morto

crianças brincam entre escombros
cachorros abanam o rabo
quando os há
                       rabos cachorros
homens à beira do abismo [brincam?]
mães descascam batata
há que fazê-los comer
palavras são inúteis
apelos também
os pelos são de cachorro morto
o rabo idem

Azul bach

Não se olha pra cima? não se enxerga um palmo adiante do nariz? Cometer como atrocidades tais e tantas debaixo dele, azul, azul manto, azul capela, azul canto, de inchar e estourar o tórax, azul bach… Se olha pra cima, sim, como não? ninguém é de ferro, se enxerga além do nariz, e bem além de palmo — até ele se enxerga (inda respirando) com mira telescópica.

De profundis

Quantas vezes não logramos a não ser ouvindo Bach respirar… Os pulmões enchem, como enche as catedrais o órgão de perder o fôlego, e ascendemos, gótico, grotesco, um palmo acima da terra, o teto a que aspirar pode, estourando, ser tão raso e rasteiro. Depois, toca tornar à laje fria, expirando.

Sortudo da vida

Tem notícia que te soterra nas cobertas e se tem um sono de pedra – com sorte. Ficou nas calendas russas a lenda da rua, da redenção, da revolução, da revelação, ou de que nome porte hoje a esperança de altermundismo. Outro mundo soa progressivamente sobrenatural… Mais um bafejo da caprichosa, viva! e te levantam e levam e botam uma pedra em cima.

A cena

Fazer o que lá embaixo? A pessoa acenava sem parar. O quê? Olhei pra cima, ver se era mesmo comigo. Ninguém. E a pessoa acenando, quê? como se fosse imprescindível minha presença. Olhei pra baixo com mais atenção, ver se via alguma coisa diferente. Nada. Postes, prédios, ar, tudo parado, nem os carros se mexiam. Se pulasse, recomeçava o movimento, quem sabe, e atendia o chamado. Mas fazer o que lá embaixo?

*Airton Paschoa é escritor. Aautor, entre outros livros, de Polir chinelo (e-galáxia) [https://amzn.to/4at8YgM]


A Terra é Redonda existe graças
aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES